sábado, 8 de janeiro de 2022

Varal de Trovas n. 542

 

Aparecido Raimundo de Souza (Como um passageiro em trânsito...)

Pense no dia que ainda não nasceu:
e a Manhã chegará linda e sorridente.

Pense na esperança:
e ela lhe sorrirá com ternura.

Pense no amor:
e ele transformará a sua vida.

Pense na paz:
e ela estará sempre ao seu lado.

Pense no seu trabalho:
e ele será recompensador.

Pense no seu semelhante:
e ele lhe abraçará em retribuição.

Pense no silêncio:
e ele acalmará as suas horas mais difíceis.

Pense em coisas boas:
e elas brotarão de  dentro do seu “eu” gradativamente.

Pense em fazer alguém feliz:
e verá que esse sonho nunca saiu do seu lado.

Pense na noite encantadora que se avizinha:
e ela lhe trará o descanso merecido e necessário.

Pense no futuro:
e ele simplesmente acontecerá.

Pense nos seus filhos e netos:
e descobrirá a magia imensa em ter alguém lhe chamando de Papai ou Vovô.

Pense nos amigos:
e compreenderá que somente os verdadeiros nunca nos deixarão sem socorro.

Pense na alegria de estar vivo e com saúde:
e agradeça pelo sopro benfazejo da plenitude.

Pense na morte:
e faça tudo aquilo que deixou para realizar no dia seguinte.

Pense nos que se foram e nos deixaram num vazio imenso:
e dobre os joelhos em oração para que descansem em paz.

Pense na escuridão:
E se congratule pela visão perfeita que lhe permite enxergar além dos horizontes.

Pense, por derradeiro, em se prostrar, ou melhor, se detenha, de fato, diante de um espelho e vasculhe longamente buscando o interior de si mesmo:
e certamente concluirá que, tendo Deus na sua vida, na sua alma, e, principalmente, em seu coração, NADA LHE SERÁ NEGADO E COISA ALGUMA SE FARÁ IMPOSSÍVEL.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Alci Vivas Amado (Caderno de Poesias)

AMAR É HUMANO


Desejo namorá-la à moda antiga,
Beijar-lhe a face e a mão,
Você me fere me instiga
Faz do meu corpo um corrimão.

Trago flores à rainha do jardim,
Meu olhar brilha, meu amor lhe ofereço.
Você me alucina: Coitado de mim!
Perdi o freio, agora só resta o começo.

Você está linda! É assim que eu a vejo
Sobre o leito nupcial, vou lhe amar,
E sua boca exaltar com terno beijo.

Meu desejo você desprezou
No mais puro e santo momento
Mas em nossas vidas, um fruto ficou.
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O VELHO E O IDOSO

Afirmam que o velho é nocivo,
Ninguém gosta de envelhecer,
Juventude eterna é sonho de todo ser,
A idade, o rigor, nada é decisivo.

Velho não aceita a realidade nascida,
O idoso admite tal inovação,
Ambos levam a história da vida,
Ser velho aos 18 ou 70, depende da criação.

O profundo jamais envelhece,
Sentimento é o coração do ancião,
Carrega a coroa de glória em prece.

O velho vai ao encontro da miopia,
O idoso não se fecha para o amanhã,
Espírito jovem, semente de alegria.
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POR QUÊ?

Tudo em torno de mim é incerteza
Sem você, meu destino se evapora,
Com essa tepidez revelo só tristeza,
O meu amor puro, mandou embora.

Por quê? Enamorei de sua beleza
Dos seus olhos, sua voz, leve e sonora,
Entreguei-lhe tudo! O afeto... minha natureza,
Sem saber seu nome e, até, onde mora.

Por quê? Não me sai da memória
Muito sonhei construir consigo história
Morarmos numa cabana: linda e forte!

Sua ausência me fará crua saudade
Talvez só a esqueça na eternidade
Ou lhe amarei, mais ainda, após a morte.
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VIDAS PARALELAS

Desejo poetar com clareza,
Esmiuçar sua intimidade...
Sentir o esplendor da saudade
Na tepidez de sua beleza.

Na adolescência, lhe chamava, tigresa,
E ainda trago o pudor, forte lealdade!
Mas falta-lhe sutil caridade
Que em mim te exalta, com certeza.

Hoje, não posso vê-la sozinha
E nem me sentir tão só,
Passado deserto, ao meu lado caminha

As rugas vão sulcando agora
Todo esse amor... A história,
Que em minha face, triste, descora.
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VOU TE DIZER ADEUS

Finais momentos de felicidade
Abraça-me com urgência,
Tristeza é mania de ansiedade
Examina tua consciência.

O teu descaso por mim foi perdoado
Não esquecerei um amor tão profundo
De súbito em nós despertado
laço forte, maior desse mundo.

Senta-te aqui, não sejas uma fera.
Conta-me os dissabores de tua vida
Não fiques assim, estou a tua espera.

Minha alma sente que é inevitável
Adeus! Peço perdão se te ofendi
Redime esse cupido miserável.
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Alci Santos Vivas Amado (1945) é poeta, historiador, contista, cronista; filho de Alcebíades Lopes Amado e de Odete Vivas Amado. Nasceu no Distrito de Santo Antonio do Muqui, em Mimoso do Sul/ES, onde fez o primário; cursou o ginásio e o 2º grau no Rio de Janeiro. Cursos Profissionalizantes: Arquivista e Correspondente Comercial pelo SENAC. Trabalhou na Usina Nuclear de Angra dos Reis, onde morou por 20 anos. Publicou livros de poesia e de contos: Santo Antonio Descendente de Corpo Inteiro, Insinuações Poéticas,  Duelo & Perdão e Reminiscencias. Organizou e historiou “A Pastorinha” folclórico – com apoio do SEBRAE e FAOP – Federação de Artes de Ouro Preto – MG. Participou em livros, com diversos autores: “Antologia Escritores Brasileiros” e “Galeria Brasil 2009”. É membro efetivo da APOLO – Academia Poçoense de Letras e Artes, e ocupa a cadeira nº 52. Escreve em alguns sites e blogs, dentre eles: www.apoloacademiadeletras.com.br; www.poetas.capixabas.nom.br.

Fontes:
Celeiro de Escritores. Sonetos Eternos: Antologia de Sonetos. Vol. 1. Santos/SP: Ed. Sucesso, 2009.
Portal Escritores: complemento biográfico

Sammis Reachers (O valentão da madrugada)

Algumas histórias por que passamos em nosso dia-a-dia envolvem certa violência, e sabemos que o melhor, em relação à violência, é mantermos distância dela. Afinal, "violência gera violência." Mas, trabalhando nas ruas, estamos sujeitos a tudo, e muitas vezes nossa única opção é dançar conforme a música. Trabalhando durante a madrugada então, ah, aí é que 'o bagulho fica doido'.

Tudo começa com nosso amigo Sílvio, hoje motorista e homem de Deus, mas na época trabalhando como cobrador, e dado a tomar alguns tragos da "marvada" cachaça. A madrugada ia em seus inícios, lá pelas uma da manhã. A empresa era a ABC de São Gonçalo; a linha era a 12, Santa Luzia x Covanca. Havia já alguns passageiros no carro, dentre    os quais alguns maus    elementos, bandidagem conhecida do bairro Jardim Catarina. Sempre pegavam carona    quando iam ou voltavam de suas 'atividades'. Área de chapa quente é sempre igual: Se não uma amizade, ao menos alguma tolerância se estabelece entre eles, os marginais, e os rodoviários que, acuados, não têm outro recurso senão fazer vista grossa a certos movimentos e caronas.

Pois bem, em certo ponto sobe no veículo um elemento, moreno parrudo, acompanhado de duas mulheres, bonitas e vestidas como 'mulheres da vida'. As mulheres passam pela roleta, e em seguida o cara que, mal-encarado, saca uma nota de cem cruzeiros, algo como 100 reais de hoje. Ao que Sílvio, o cobrador, pergunta:

- O senhor não teria nota menor aí não?

- Só tenho esse, dá seu jeito aí.

Sílvio disse então para o elemento aguardar, pois não havia ainda troco suficiente. O indivíduo, muito cheio de si e querendo se mostrar para as duas mulheres, que sorriam, começou a bater boca com nosso amigo. Ofensa vai, ofensa vem, um dos tais malandros, que estava lá no fundão do buzu, se levanta, vai até Silvio e diz baixinho:

- Aí, cobra, esse malandro tá chiando muito. Segura aqui essa peça e põe na cara dele - e em seguida sacou um trabuco da cintura e fez menção de entregá-lo a nosso amigo.

- Não, não, quero não, tá tranquilo - disse Sílvio, assustado.

Enquanto isso o indivíduo, entretido com as mulheres, sequer percebera a movimentação. Mas continuou a falar grosso, enquanto o malandro voltava para seu lugar.

Mas, meus amigos, o problema foi que o indivíduo não parou de falar. Não se aguentando mais, dois dos malandros se levantaram, e um deles foi logo apontando o canhão direto na cara do 'brabo'.

- Abre a porta aê, motorista. O otário aqui vai descer. Bora otário, desce!

O cara, levantando-se assustado e contrariado, ainda perguntou:

- E o meu troco?

– Troco?!! Tem troco não mané! Desce, vaza!!!

O indivíduo, agora sem a expressão de homem valente, desceu. Mas, como bom otário, cometeu mais um erro: do lado de fora, foi até a porta de trás, que se abrira para apanhar outro passageiro, e perguntou novamente ao cobrador:

- E o meu troco? Quero meu troco.

Ao ouvir isso, os malandros não se aguentaram:

- Para, para, para aê, motô, que nós vamos limpar esse mané.

Os quatro elementos desceram atrás do 'valentão', e o ônibus seguiu viagem, tranquilamente, com Sílvio aliviado por se ver livre da encrenca.

Uma semana depois, um dos malandros do Catarina apanhou novamente o ônibus da dupla. Ao reconhecer Sílvio, o marginal foi logo contando:

- Aí, cobra, lembra daquele otário? Limpamos ele e as duas meninas. Até a camisa e o tênis dele levamos.

Moral da história: Cuidado quando for pegar um ônibus na madrugada. Toda humildade é pouca!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Minha Estante de Livros (“Viagens na minha terra”, de Almeida Garret)


A obra foi publicada originalmente em folhetins na Revista Universal Lisbonense entre 1845 e 1846, sendo editada em livro apenas em 1846. Tida como obra única no Romantismo português por sua estrutura e linguagem inovadoras, Viagens na minha terra é um marco para a moderna prosa portuguesa e um importante documento de referência para entender a decadência do império português.

Foco narrativo

A obra é narrada em primeira pessoa e o narrador é o que conhecemos por “narrador-protagonista”. Ou seja, a história é contada por um dos personagens principais (no caso, o autor-narrador que viaja pelo país) em primeira pessoa. Dessa forma, a história tem um ponto de vista fixo, centrado nessa personagem. Além disso, esse narrador-protagonista está quase inteiramente confinado a seus pensamentos, sentimentos e percepções.

O que sabemos a respeito das outras personagens (incluindo seus pensamentos e sentimentos), ou nos é passado através dela mesma, ou através de outra personagem que conta algo ao narrador (em Viagens temos Frei Dinis contando o drama de Carlos e Joaninha). Essas informações podem ser, ainda, inferências feitas pelo narrador-protagonista.

A viagem como busca do autoconhecimento

O tema das viagens sempre foi parte integrante da literatura portuguesa, desde o século XIV quando os navegadores portugueses registravam suas histórias de navegação. Eles produziam uma literatura que não ficava restrita aos acontecimentos da viagem, mas que continha também os motivos que os levavam a se deslocar de um local a outro e as descrições em forma narrativa sobre as terras e os homens que encontravam. Assim, pode-se dizer, que a literatura de viagem não fica restrita ao desejo de conquistar novos territórios, mas, através do contato com outros povos e culturas, pensar de uma nova maneira o seu próprio eu.

Almeida Garrett faz parte dessa tradição literária ao escrever Viagens na minha terra. Nessa novela, a viagem não serve apenas para entrelaçar os fatos ali tratados, mas serve em si como elemento temático fundamental. A viagem como tema da obra está assinalada desde o primeiro capítulo, onde o autor-narrador deixa claro que vai “nada menos que a Santarém”, tornando sua novela uma crônica-ensaio. Através da viagem pelo interior do próprio país do autor-narrador, busca-se a fonte do que é ser português em um momento de drásticas mudanças no país.

O pano de fundo em Viagens na minha terra é a Revolução Liberal. Grosso modo, as ideias liberais surgiram como oposição ao monarquismo, ao mercantilismo e ao domínio religioso. Portugal, na época um país monarquista com fortes raízes católicas, via qualquer ideia liberalista como antinacional.

O país já estava enfrentando diversas crises (as invasões de Napoleão e crise do colonialismo no Brasil) e o embate entre Miguelistas (favoráveis ao monarquismo absolutista de então) e Liberais acabou por gerar uma guerra civil, em 1830. O embate terminou com uma vitória dos Liberais e a restauração da monarquia constitucional.

Almeida Garrett, que sempre lutou pelos ideais liberais, mantém nas Viagens este propósito, através da narração de fatos do presente e do passado, sempre denegrindo àquele em favor do outro. Para tanto, brinca-se também com a questão do verossímil, criando-se a ilusão do verdadeiro através do uso de um tom calculadamente coloquial e uma aproximação com o quotidiano.

Dessa forma, as digressões do narrador sobre os mais diversos temas, da literatura à política, servem para demarcar ideologicamente a obra. O discurso do autor-narrador revela o caótico estado em que se encontra Portugal, a corrupção da sociedade, a aristocracia decadente e o modelo familiar burguês corrompido por atitudes individualistas. Assim, pode-se dizer que para o narrador a crise moral coletiva tem origem na moral individual.

A personagem protagonista Carlos, aparece como símbolo deste embate entre tradição (monarquismo) e modernidade (ideias liberais). Carlos não consegue se decidir entre Joaninha (que representa o velho Portugal) e Georgina (representante do novo Portugal). Por fim, o protagonista acaba por desistir de ambas, perdendo sua identidade e sua moral. Carlos termina como uma representação de uma sociedade alienada e degradante.

Assim, a preocupação de Garrett em Viagens na minha terra é tentar despertar na nação portuguesa a consciência da situação em que o país se encontrava e que direção pode ser tomada para tentar mudar o rumo decadente que Portugal estava tomando. Porém, o próprio autor-narrador não vê perspectivas de melhora, pois a imagem que o homem português tem de si mesmo não é positiva. Dessa forma, apesar de conseguir enxergar um caminho para a recuperação de Portugal, Garrett termina a obra com um tom pessimista.

Comentário

Para o professor Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, deve-se antes de tudo ficar atento ao próprio estilo da obra. Apesar de ser um livro pertencente ao Romantismo, ele foge um pouco aos padrões dessa escola literária e já anuncia algumas características do Realismo. Além disso, é importante comparar a obra com outras, como, por exemplo, identificar que aspectos ligam “Viagens na minha terra” a outras obras românticas que são pedidas no vestibular (Memórias de um Sargento de Milícias e Til) e que aspectos a ligam a, por exemplo, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

O professor destaca também, que o título da obra de Garrett em si já é importante para compreender o texto. Já que o livro trata de apenas uma viagem que vai de Lisboa a Santarém, por que o autor coloca viagem no plural? Estas “viagens” fazem referência a uma série de reflexões políticas, históricas, filosóficas e existenciais que o autor-narrador trabalha no texto. Assim, estas “viagens” não tratam apenas de um deslocamento físico, mas também de um “deslocamento psicológico”.
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Almeida Garrett nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 1799, com o nome de batismo de João Leitão da Silva. Durante sua época de estudante de Direito, em Coimbra, passou a adotar o nome que o tornaria célebre: Almeida Garrett. Participou da revolução liberal e ficou exilado na Inglaterra em 1823. Durante esse tempo, casou-se e teve contato com o movimento romântico inglês. Em 1824 mudou-se para França e escreveu Camões e Dona Branca, obras que inauguraram o romantismo português. Ávido defensor do liberalismo, Almeida enfrentou outros diversos exílios ao longo dos anos.

Após retornar definitivamente a Portugal, passa a incentivar a literatura e o teatro, escrevendo inúmeros livros e peças teatrais. É dele, por exemplo, a iniciativa de criar o Conservatório de Arte Dramática e o Teatro Normal (atualmente Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa). Faleceu em Lisboa no dia 9 de dezembro de 1854.

Suas principais obras são: “Camões” (1825), “Dona Branca” (1826), “Romanceiro” (1843), “Cancioneiro Geral” (1843), “Frei Luis de Sousa” (1844), “D’o Arco de Santana” (1845) e “Viagens na minha terra” (1846).


sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 16

 

A. A. de Assis (Tio Joca)

Desde menino aprendi a gostar de poesia. Em grande parte por influência de minha mãe e do meu avô maestro. Mas penso que um pouquinho devo também a um personagem fascinante, que trabalhava no velho trem da Leopoldina Railway, no trecho entre Campos e Miracema – RJ. Os passageiros, quase todos conhecidos dele, chamavam-no Tio Joca.

Simpatia em pessoa, tinha por função percorrer os vagões picotando ou recolhendo as passagens. Não bastasse o seu generoso sorriso resistente a quaisquer humores da vida, Tio Joca, redondilheiro de truz, animava a viagem fazendo versinhos. Antes de cada estação, ele ia de ponta a ponta do trem recitando suas alegres cantigas. Tal encanto isso me despertava, que ainda hoje me lembro de algumas:

     – Quem vai pra Ernesto Machado, me dê o bilhete, e obrigado.

     – Pra São Fidélis, quem vai, dá a passagem pro papai.

     – Quem desce no Grumarim, dê a passagem pra mim.

     – Passageiros de Pureza, passagem por gentileza.

     – Quem vai para Cambuci, entregue o bilhete aqui.

     – Quem vai para Três Irmãos, passagem nas minhas mãos.

Sei lá, mas sempre desconfiei de que a influência do bom Tio Joca deveria ser estudada com maior atenção. É que naquele trenzinho maria-fumaça viajavam quase diariamente numerosos jovens que iam das fazendas para as cidades frequentar a escola. E pode ter sido bem mais do que mera coincidência o fato de muitos daqueles moços e moças terem virado poetas algum tempo depois…

Cláudio de Cápua (Escritores)


Tendo um volumoso fichário de dados muito bem selecionado, alguns "escritores" sentem-se capazes de comentar temas variados, demonstrando através da sua escrita grande erudição, o que, em verdade, é falso, pois na maioria das vezes não possuem a mínima ideia sobre o que estão escrevendo.

Não pense caro leitor que assim agem porque querem ter um lucro econômico e isso seria uma recompensa para seus talentos. Em verdade, eles querem, por pura vaidade, ter o título de condutores da humanidade. Porém seus leitores não sabem como segui-los, tal a confusão mental de seus textos.

O erro desses "escritores" é achar que podem se valer da internet e de uma vasta biblioteca e que não precisam ter ideias próprias.

Um livro só deve ser escrito se realmente for contribuir, de uma forma ou de outra, para alargar os horizontes de quem vai lê-lo, para somar algo mais à cultura humana.

O trabalho calcado em terceiros nunca poderá ter a originalidade artística necessária. Porque arte em geral é pura criação. E só pode ser titulado de artista, de poeta, de escritor aquele que tem condições de passar sua própria mensagem para a cultura humana, em que gerações futuras se espelharão.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXII

A injustiça neste mundo
causa tanta indignação,
gera um abismo profundo
em toda a população.
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A luz que brota do sol
não tem nem comparação,
mas a que vem do farol
ameniza a escuridão.
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Com dinheiro até podemos
ter o pão de cada dia,
mas dele nem sempre obtemos,
a paz que traz harmonia,
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Deus conceda os atributos
para a planta produzir
e àquela que não der frutos
venha a pó se reduzir.
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É impossível resgatar
o passado da memória,
sem termos que transitar
pelos caminhos da história.
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Fazer, por mera paixão,
tão distante da moral,
pode acabar num caixão
seguido de um funeral.
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Frente o mar, alguém calado,
fica tomado de espanto,
vendo águas por todo lado
no horizonte um tênue manto.
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"Lançai nas águas profundas
estas redes tão vazias!
As verão voltar fecundas
na maior das pescarias".
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Muitos dos que são eleitos
têm um bom 'papo furado',
só defendem seus direitos
e esquecem do eleitorado.
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Nada nos comove tanto
como a morte do inocente,
a dor se lava com pranto
num mergulho comovente.
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Não mates tua saúde
que é da vida o dom maior,
sem drogas e em plenitude
teu viver será melhor.
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Não podemos subjugar
tudo ao nosso bel prazer,
cada qual tem seu lugar
e algo bom para fazer.
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Nem todo o assassino é nato
e ao crime se converteu,
pois antes do assassinato
outros atos cometeu.
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Nenhum presente supera
a grande satisfação,
de saber que alguém prospera,
fruto da dedicação.
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Ninguém obrigue ofertar
aqueles que nada têm,
porém muitos pra não dar,
fingem ser pobres também.
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No universo dos prazeres,
queres chegar aos confins?
Bem melhor se então viveres
longe das drogas e afins.
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O assassino nunca pensa
no resultado da ação,
lhe resta a triste sentença
da cruel condenação.
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O estudante desatento
não vai ter aprovação,
se lhe faltar o talento
pode sobrar frustração.
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O grande valor da oferta
nunca está na quantidade,
muitos dão de mão aberta
mas com pouca qualidade.
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O homem forte não fraqueja
busca forças no seu Deus
e assim onde quer que esteja
sempre alcança os sonhos seus.
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O ponto frágil da corda
é o que rompe por primeiro,
o fruto sempre transborda
se encher demais o celeiro.
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Paisagens exuberantes
embriagam todo olhar,
com doses estimulantes
pro visitante voltar.
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Quando as águas do passado
nosso ser sedento invade,
poderá voltar molhado
com respingos de saudade.
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Se Deus sempre está por nós,
contra nós quem pode estar?
Nunca Ele nos deixa sós,
sua luz quer emprestar.
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Temos razões de sobejo
para à vida agradecer,
que nela o maior desejo
seja com razão, vencer.
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Toda a dor me faz sofrer:
diz o fraco com temor.
É preferível morrer
que sentir tamanha dor.
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Toda a vez que o sofrimento
não for bem interpretado,
a dor se torna um tormento
longe de um aprendizado.
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Trabalho e dedicação
são pilares do progresso,
demonstram a vocação
e o segredo do sucesso.
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Um sinal de salvação
neste mundo tão cruel,
deve ser todo o cristão
sendo a Deus sempre fiel.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Cláudio de Cápua (Quadrinhos) 4

 
Publicado no Jornal “O Indianópolis”
Texto: Cláudio de Cápua
Desenho: Luis Antonio Adensohn


Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro gentilmente enviado pelo escritor.

Aparecido Raimundo de Souza (Brincando de quem sabe mais)

DOIS SUJEITOS discutiam na fila da casa lotérica. O primeiro, um baixinho sobejamente vestido, no rosto ostentando um óculos de aro banhado em ouro, camisa de seda e calça de terno de marca, tinha cara e pinta de intelectual. O outro, humildemente composto, carecia, na verdade, de tudo, a começar por um bom par de sapatos. Sem falar na camisa rasgada nas costas, a calça jeans com uma mancha de tinta vermelha na perna direita. Parecia, coitado, um ganso recém afogado numa bacia de água quente.

— Digo pra você uma coisa e pode ter certeza. A maioria do povo é burra. Ou melhor: os filhos da nossa terra são burros de pai e mãe.

— Não acredito. Existem pessoas inteligentes.

— Mas é uma minoria. O resto, pena. Topa tirar a prova dos nove?

— O que ganho com isso?

— Vamos fazer uma aposta.

— De que tipo. Se for dinheiro, aviso logo: aqui no bolso só disponho, miseravelmente dos trocados para o jogo da virada de ano. Quero entrar 2022 rico.

— Espera lá. Se eu ganhar, o amigo me compra vinte pães na primeira padaria que encontrarmos pela frente quando sairmos daqui. Se eu perder, lhe pago quarenta.

— É muito.

— Você não gosta de pães?

— Não é isso. Não posso pagar nenhum. Deixei a carteira em casa.

— Não terá que pagar coisa alguma, seu Mané. Basta me provar que existem pessoas inteligentes. Eu acho que a maior parte dos que aqui estão, grosso modo falando, não sabe nem por qual motivo resolveu sair de casa...

Um grandalhão sem camisa ouvindo essas palavras engrossou. Queria pegar o baixinho dos óculos de aro banhado em ouro e jogar para o alto.

— Burro é o irmão mais velho do seu tio, aquele que colocou você no mundo. Eu topo a parada. Pago os vinte do seu amigo aí, mais os quarenta e ainda entro na briga com vinte. Oitenta pães não se veem, todo os dias, numa mesa.

Para não ficar por baixo, o baixinho dos óculos de aro banhado em ouro topou.

— Fechado.

— Quem começa?

— Por favor, vá em frente.

— Vou sabatinar o prezado com perguntinhas fáceis.

— Eu escolho o tema.

— Nada disso: eu pergunto, eu escolho.

— Não tem graça.

Uma senhora que ouvia o papo dos três com atenção desmedida resolveu entrar no meio da confusão.

— Posso dar uma sugestão aos ilustres cavalheiros?

— Vá em frente, madame.

— Senhora...

— Que seja.

— Escreverei em pedacinhos de papel, algumas palavrinhas simples, ao acaso. Chacoalho nas mãos, vocês fecham os olhos e tiram um. Por exemplo, o Senhor aí, tirou “relógio”. O outro, aqui, “oligopólio”. Eu, então, perguntarei: o que é um relógio, ou o que venha ser oligopólio? A resposta deve ser rápida, simples e objetiva. Quem for mais sucinto será o ganhador. Podemos começar?

O dos óculos de aro banhado em ouro deu um passo à frente:

— Estou pronto.

— E eu aqui para o que der e vier.

Enquanto a bondosa senhora cuidava dos nomes, um outro cidadão com o boné do Flamengo resolveu entrar no desafio.

— Não pude deixar de ouvir a conversa fiada dos amigos. Quero provar aos distintos que não sou burro e levar para casa todos esses pães que estão em jogo...

— Pois tome guarda.

— Estou dentro...

A fila aumentava de tamanho a cada abrir e piscar de olhos. Na verdade, todos esperavam pelo desfecho da contenda. Saber quem seria o felizardo a ir embora com uma baita sacola de pães quentinhos. Num canto, onde havia uma espécie de bancada, a boa senhora grafava as tais indagações que seriam sorteadas entre os presentes. Uma funcionária avisada do que ocorria, bondosamente trouxe uma caixinha:

— Dona, a senhora põe os nomes aqui “drento” e balança...

A mulher agradeceu o gesto cortês da garota. Ao acabar de escrever, colocou todos os papeizinhos na caixinha, e, em seguida, se voltou para os competidores que a aguardavam, impacientes.

— Estão prontos?

Todos balançaram a cabeça, afirmativamente.

Nessa altura, a fila não era mais uma fila. Os que haviam chegado depois, procuraram se acotovelar em derredor, formando um grande circulo em torno dos desafiadores que tomariam parte da enxurrada de questionamentos.

— Quero alguém para sortear a primeira perguntinha.

Um senhor acompanhado de uma menina que puxava um cachorrinho por uma coleira, se prontificou. Meteu a mão na caixinha e trouxe na ponta dos dedos, uma tirinha rosa. Leu:

— Flauta.

O cara de óculos de aro banhado em ouro deu um passo à frente:

— Respondo.

— Quando quiser...

— Instrumento musical de sopro.

— Ótimo. Agora o senhor que respondeu por favor, puxe um papelzinho.

— Tabuada.    

Foi a vez do grandalhão sem camisa.

— Fácil. Livrinho que contém as quatro operações fundamentais.

— Bom. Agora tire a próxima disse a velhinha. Quem se habilita?

O grandalhão sem camisa leu a palavra: — Escanifrado*.

— Não sei...

— Aí está o primeiro burroooooo — completou a velhinha, eufórica.

Uma quase confusão restou formada. A senhora que intermediava, por pouco não levou uns tapas. Ao se ver acuada, deu uns gritos estridentes que reverberaram por todos os espaços da agência. Os funcionários vieram em socorro:

— Senhores, pelo amor de Deus, se comportem como adultos. Que coisa horrível! Quem souber, pode responder.

O silêncio se fez total. Ninguém, claro, sabia definir escanifrado.

— Bem, até agora o meu amigo dos óculos de aro banhado em ouro continua empatado com o nosso amigo grandalhão sem camisa.

— Pois vamos desempatar — se manifestou o senhor que rebocava a menina e o cachorrinho. – Se me permite, senhora, pedirei ao amigo do boné do Flamengo, por gentileza, que sorteie a pergunta seguinte.

— Atenção! — estrondou a senhora - quem acertar, leva os oitenta pães. Quem errar, paga. Entendido?

Todos fizeram que sim balançando a cabeça.

O homem do boné do Flamengo meteu a mão na caixa.

O silêncio se fazia total.

— Mentecapto...

O sujeitinho dos óculos de aro banhado em ouro olhou para o grandalhão sem camisa e o grandalhão sem camisa o encarou, de cima em baixo, desafiador.

— E então, seu intelectual de meia tigela? Passa ou responde?

— Não, eu respondo. E você?

— Também respondo...

— Cedo a vez. Solta a língua. Tá vendo, não sabe. Burroooooo...

— Você idem, também não sabe o que é mentecapto. Burroooooo...

— Você é um energúmeno. Está blefando. Burroooooo...

A boa velhinha resolveu apartar o que logo terminaria em briga.

— Vou contar de um a três. Quando terminar o que souber, responde e leva os oitenta pães. Lá vai: — Um...

Podia ser ouvida até a respiração dos rivais. A roda de curiosos cruzava os dedos, outros rezavam.

— Dois...

— É agora ou nunca: três.

O dos óculos de aro banhado em ouro resolveu abrir a guarda.

— Está bem. Desisto. Não sei a resposta...

— Burro, burro, burroooooo — ecoou a uma só voz em uníssono a galera que assistia e torcia pelos jogadores.

— Silêncio, gente, deixaram a educação no chiqueiro?

— Tudo bem, sou burro. Reconheço. Então diga qualquer um de vocês o que é mentecapto? Vamos, falem, vamos, miseráveis, desembuchem...

Os homens que se doeram ao serem taxados de miseráveis, do nada se engalfinharam e rolaram pelo chão, aos tapas e aos socos. Um corre-corre dos diabos tomou forma.

Os seguranças do estabelecimento precisaram entrar em cena, bem como alguns funcionários. Final da história: viaturas da polícia militar foram acionadas. Todos acabaram na delegacia, inclusive a boa velhinha que teve a ideia dos papeizinhos picados. Nem o idoso que trazia pela mão uma menina com um cãozinho atado a uma coleira conseguiu ficar de fora. Quando saíram escoltados pelos fardados, a multidão (não só das pessoas que esperavam para jogar), como uma dezena de transeuntes que passava na calçada deu novo clamor ao coro das chacotas,  em repeteco:

— Burroooooo!... Burroooooo!... Burroooooo!...
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* Escanifrado = muito magro; magrelo.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Sá de Carvalho (Álbum de Trovas)


A gratidão verdadeira
vem de Deus e me apaixona,
é sentido sem barreira,
é bênção que me emociona!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Ao fim de longa batalha
encontrei meu grande amor...
Surge a vitória, se espalha
dentro de mim com ardor!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Ao sair da depressão,
senti a vida chegar
com centelha de paixão
no meu peito a iluminar!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Bandeirinhas penduradas
balõezinhos coloridos...
São festas abençoadas
que nos deixam comovidos!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Beijou a mulher do guarda...
Jurou sofrer de miopia...
Enganação felizarda
para a cana que bebia!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Belas marolas do mar
com espumas borbulhantes
explodem a ronronar
no espírito dos amantes!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Da janela eu aprecio
a melodia a adentrar
no espaço do casario...
Triste violino a tocar!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Dei um beijo no bisneto
quando dormia quietinho...
Afaguei com todo afeto
o inocente nenenzinho!
(Ao Miguel)
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Esperamos o milagre,
ficamos esperançosos
que a mão de Deus nos consagre
com primores dadivosos!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Eu o tratei com respeito,
mas você foi muito infame!
Não creio no seu preceito,
nem que, de joelhos, proclame!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Filhos são inexplicáveis!
Sangue e carne que comovem...
São também inigualáveis
na doçura que promovem!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Há despedida que dói.
Há a que nos dá alegria,
aquela que nos corrói
e outra que é só poesia!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Inverno! Tudo de bom:
cama, amor e cobertor!
Curtir um ótimo som,
almejar ser trovador!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Meu mestre na arte do amor
é o tempo traiçoeiro
que se torna o consultor
de mim, pobre prisioneiro!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Minha alma que dói, em pranto,
coração seco, sombrio...
São frutos do desencanto
por ter amor tão vadio!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Mulher, tu és a guerreira
que lutas contra a violência!
Mulher, és a missioneira
que combate a turbulência!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Na canoa sigo em frente...
Forte, luto contra o vento,
nesse mar tão turbulento
buscando um amor ardente!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Naquele beijo roubado
ficou a eterna lembrança
de quem foi o mais amado
no silêncio da esperança!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Nas horas das aflições
com desespero e temor,
busco o Senhor das ações
no reencontro de amor!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

No lindo olhar verde-mar
onde sozinho navego,
nas ondas do meu sonhar,
mil utopias carrego!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

No meu livro preferido
acho a folha perfumada
de quando eu, surpreendido,
recebi da minha amada!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

O burburinho dolente
no riacho acolhedor,
traz de volta, complacente,
o passado abrasador!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Ó Francisco, padroeiro
da trova e do trovador,
de Jesus és o luzeiro,
do pobre és o defensor!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Os seus olhos de criança,
meu coração disparado
são os frutos da esperança
de um amor afortunado!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

O Zé, cheio de cachaça,
se mete a tal valentão,
com a vizinha se engraça
e recebe um bofetão!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Pé de moleque, cocadas,
canjica, bolo, quentão,
batidas tão perfumadas
pra esquentar o coração!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Poder amar sem medida,
de peito aberto, sem medo,
chorar, cantar todo dia...
É a vida sem segredo!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Quero abrandar a rudeza
tirar a dor que admoesta,
vestir-me com a leveza
das borboletas em festa!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Senhor, meu Deus amoroso,
ponho em Ti minha esperança,
muda o que está nebuloso,
dê a nós mais segurança!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Tanta dor e sofrimento
marcam o ano que findou,
mas Deus, num deslumbramento,
a vacina abençoou!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Trovador não tem idade;
fala de Deus e do amor,
nas trovas mostra a saudade,
um coração sonhador!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Ver o mundo com olhar
especial, glamoroso,
é um dom peculiar
próprio do poeta ardoroso.

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TROVAS PREMIADAS

A atitude petulante
que eu lia na sua face
foi de fato relevante...
Destruiu o nosso enlace!
(Menção Especial – São José dos Campos /SP)
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A justiça verdadeira
somente Deus pode dar.
A dos homens é matreira,
pretende ao povo enganar!
(4. Lugar – Menção honrosa – Ocara/CE – 2019)
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Aquela que tem piedade
é pessoa de valor.
Sabe unir fraternidade
com a caridade e o amor.
(2. Lugar – Cantagalo/RJ – 2017)
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Do negro céu estrelado
a estrela mais resplendente
dá ao mundo o mais sagrado
e iluminado presente!
(Cantagalo/RJ – 2020)
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Meninos... Bola de meia
no chão batido da vida,
buscam o que Deus semeia;
muita bênção merecida!
(2. Lugar – Menção Especial – Colômbia – 2020)
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Quando se vive a partilha
entre irmãos, finda a guerra...
Não mais a gente se humilha
todo conflito se encerra!
(5. Lugar – Curitiba – 2019)
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Sempre tive muita sorte,
mas sequer eu atinava
que era Deus o meu suporte
que a mim sempre abençoava!
(2. Lugar – Petrópolis/RJ – 2020)
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Viçosa, terra encantada!
Seu povo não é incréu,
bela serra abençoada
a orar na Igreja do céu!
(2. lugar – Maranguape/CE – 2016)

Fonte:
Autores diversos da UBT-Angra dos Reis. Sementes poéticas. SP: Daya Ed., 2021.
Livro enviado por Jessé Nascimento.

Samuel da Costa (Em perpétuos ciclos)


Em memória de João Carlos Pereira

‘’Eu prefiro as certezas do sim!
Do que a incertezas do talvez.’’
Clarisse da Costa


Uma vaga leve fragrância de flor de laranja alternado por um forte olor almiscarado estava suspenso no ar. Uma explosão de fortes e vívidas cores irritou muito o agente de segurança que vagava pelo salão. O vai e vem de gente negra, de vários tons de pele escura, pulseiras reluzentes, enormes brincos, lenços na cabeça, turbantes variados e as roupas berrantes e chamativas.

E o som baixo e discreto de eufônicas de variadas línguas estrangeiras que se lançavam no ar e intercambiavam entre as pessoas que ocupavam os espaços como se fosse uma perfeita sinfonia. O agente de segurança de idade avançada sentiu um frio na espinha como nunca tinha sentido antes.
***

— Aquieto-me para recomeçar um novo ciclo professor Muteia. O texto quase parece com o de uma falecida autora. Mas a obra é minha com toda a certeza!

O rascunho estava na mesa, Adérito Muteia relutava em pegar o manuscrito para ler. O literato africano já tinha recebido uma cópia em mídia digital. Mas algo gritava dentro dele e de forma desesperada.

— Minha querida Fabiana de Lima, não creio que posso satisfazer os anseios de vossa senhoria no momento.

O palavrório afetado, com leve sotaque luso, irritou a jovial loura, vestida sobriamente como uma aluna de pós-graduação a apresentar uma tese, com seu tailleur chanel azul limão. Os olhos castanhos em chamas dela cravaram profundamente em Muteia, o africano devolveu semicerrando os olhos negros profundos. Seria uma reunião e tanto pensou Muteia àquela hora.

O agente de segurança passou ao lado de onde Fabiana e Muteia foram se alojar. O homem da lei, muito idoso para um agente de campo, parou e se voltou de forma abrupta para o casal. Mil vozes mínimas em desesperos urraram dentre dele, o casal impassível sequer deu pela existência do homem idoso impecavelmente vestido que andava com a ajuda de uma bengala e de óculos escuros. Cansado o homem sai da sala onde estava, sai como quem foge para salvar a vida cambaleando e lânguido.

— Então irá fazer mudanças no texto? Olha, ô miúda, eu não tenho muito tempo para aspirantes a escritores, és ambiciosa demais e não creio que...

— Balela, professor Muteia! — Falou em tom de desafio — Não vim de tão longe para ter a sua aprovação pessoal!

— Não me interrompa de novo, miúda! Não vou e não quero te dar aprovação alguma, não é este o meu papel!

Muteia estava falando com a jovem adulta na frente dele como se estivesse de novo em campo de batalha. O adido militar já tinha visto isto antes, bem falantes e corajosos jovens combatentes recém saídos de treinamento apressados, em desespero eles choraram e se esconderam quando os combates começavam de fato.

— Não quero ser grosseira professor, me desculpe, eu só vim de muito longe e quero ser publicada, eu quero ser mais útil!

Muteia sentiu um zumbido que crescia e crescia, um drone pensou, dois drones na verdade calculou o professor africano. E o literato ficou mais relaxado e pensou em um charuto, sentia a necessidade de um charuto a bem da verdade.

E não demorou muito um jovem secretário indiano bem alinhado veio com uma bandeja de madeira com as bordas artesanalmente decoradas. Nela uma caixa de charutos pintada a mão e de copo de cristal decorado, nela havia chá de lima-da-pérsia gelado. O jovem de cabelos negros e olhos negros vivazes serviu o casal e desapareceu tão rápido quanto chegou.

Miúda não somente querer, pensar ou mesmo desejar! Na verdade, é tudo isto junto temperado com as a casualidades que a vida nos impõe! E temos que viver e conviver não somente com as nossas escolhas, mas também com as escolhas alheias.

O zumbido ficou mais alto, e o literato esperou e esperou enquanto pegou o cortador de charutos Don Emmanuel e o isqueiro à querosene com tanque de óleo transparente. O professor, literato e adido militar preparou e acendeu o charuto cubano que tinha levado à boca e deu uma demorada baforada.

A jovem escritora levantou a mão fechada em punho na frente do Muteia, abriu e fechou! O drone parado a poucos metros dos dois se esmigalhou e caiu no meio da rua, caiu na calçada e não atingiu ninguém. Muteia dá uma segunda baforada seguida de um discreto sorriso de marfim e bate palmas.

— Jovem e impulsiva! E nada discreta pelo que vejo!

O segundo drone parado a quilômetros de distância caiu lentamente, foi para em uma mata fechada do que seria um jardim de uma luxuosa casa abandonada. Muteia, muito cansara em dar aulas para estes jovens impulsivos.

— Vamos ver com mais cuidado o que temos aqui. — Muteia pegou o manuscrito em cima da mesa e leu: Eu falo entre estátuas!

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Minha Estante de Livros (Volpone ou A Raposa, de Ben Jonson)


Volpone ou A Raposa, é a história de um homem rico, velho e sem filhos, apaixonado pelas boas coisas da vida e sobretudo pelo dinheiro que as compra. Ao seu redor vive uma nuvem de falsos amigos que ambicionam se tornarem seus herdeiros. Para se divertir com eles, Volpone se faz passar por moribundo, fazendo com que cada um acredite que será seu beneficiário. Dessa exposição de vícios e mesquinhez resulta uma visão absolutamente cínica da natureza humana.

A penetração psicológica, a habilidade da construção dramática e sobretudo a verve utilizada por Ben Jonson fizeram de Volpone ou a raposa uma das melhores obras da literatura inglesa.
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Benjamin Jonson, conhecido como Ben Jonson (1572 - 1637), foi um dramaturgo, poeta e ator inglês da Renascença. Ben Jonson é considerado um dos três pilares da era elisabetana, ao lado de Marlowe e Shakespeare, entre suas peças mais conhecidas estão Volpone, A Feira de São Bartolomeu: uma Comédia e O Alquimista. De fundamental importância para a renovação do teatro na primeira metade do século XVII. Suas peças eram tão populares em sua época quanto as do próprio William Shakespeare (1564-1616), seu rival contemporâneo e conterrâneo. Mestre do diálogo e do perfeito delineamento de personagens, manejava enredos muito bem construídos e defendia que o teatro era para divertir e instruir. Sua fórmula de comédia de costumes, que tinha por base uma curiosa teoria dos humores, continuou a exercer profunda influência na dramaturgia europeia por mais de dois séculos seguintes.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Solange Colombara (Portfólio de Spinas) 10

 

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 47, 48 e 49


O LAZER DA FORMIGA


A formiga entrou no cinema porque achou a porta aberta e ninguém lhe pediu bilhete de entrada. Até aí, nada de mais, porque não é costume exigir bilhete de entrada a formigas. Elas gozam de certos privilégios, sem abusar deles.

O filme estava no meio. A formiga pensou em solicitar ao gerente que fosse interrompida a projeção para recomeçar do princípio, já que ela não estava entendendo nada; o filme era triste, e os anúncios falavam de comédia. Desistiu da ideia; talvez o cômico estivesse nisso mesmo.

A jovem sentada à sua esquerda fazia ruído ao comer pipoca, mas era uma boa alma e ofereceu pipoca à formiga. — Obrigada — respondeu ela —, estou de luto recente. — Compreendo — disse a moça —, ultimamente há muitas razões para não comer pipoca.

A formiga não estava disposta a conversar, e mudou de poltrona. Antes não o fizesse. Ficou ao lado de um senhor que coleciona formigas, e que sentiu, pelo cheiro, a raridade de sua espécie. Você será a 7001a da minha coleção, disse ele, esfregando as mãos de contente. E abrindo uma caixinha de rapé, colocou dentro a formiga, fechou a caixinha e saiu do cinema.
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ONDE NINGUÉM ENTRA

Na casa do rei, que é um palácio de corindo e pórfiro vermelho antigo, não posso entrar, mas nos jardins do rei, abertos à visitação pública, eu e meus amigos e os amigos de meus amigos temos direito de passear e até de fazer piquenique.

Vivemos de olhos cravados nas janelas da casa do rei, pois há expectativa de ele assomar e saudar-nos ou fazer um gesto qualquer. Até agora isto não aconteceu. Começamos a suspeitar que o rei não mora, nunca morou em sua casa.

Então onde mora o rei, e se não mora ali, por que não nos franqueiam a entrada da casa? O guarda explicou-nos que seria contra o protocolo, e não pode haver rei sem protocolo. E que não fazia mal o rei, por hipótese, não morar ali ou mesmo em nenhum lugar, pois o rei não é propriamente uma pessoa, mas uma instituição, ao passo que nós, seus súditos, somos pessoas físicas e em geral não nos comportamos bem nos paços.

Um dia destes alguém, desconhecido de nós todos, tentou forçar a entrada na casa do rei e foi dissuadido com bons modos. Como insistisse, removeram-no à força. Meu filho de oito anos, que assistiu à cena, perguntou: “Quem sabe se era o rei que queria entrar?”.
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O PERGUNTAR E O RESPONDER

O espelho recusou-se a responder a Lavínia que ela é a mais bela mulher do Brasil. Aliás, não respondeu nada. Era um espelho muito silencioso. Lavínia retirou-o da parede e colocou outro, que emitia sons ininteligíveis, e foi também substituído.

O terceiro espelho já fazia uso moderado da palavra, porém não dizia coisa com coisa.

Um quarto espelho chegou a pronunciar nitidamente esta frase:

“Vou pensar”. Ficou pensando a semana inteira, sem chegar à conclusão.

Lavínia apelou para um quinto espelho, e este, antes que a vaidosa senhora fizesse a interrogação aflita, perguntou-lhe:

— Mulher, haverá no Brasil espelho mais belo do que eu?

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

Mário Quintana em Prosa e Verso – 18 –


DAS IDEIAS


Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez, que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua…
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DA AMIZADE ENTRE MULHERES

Dizem-se amigas... Beijam-se... Mas qual!
Haverá quem nisso creia?
Salvo se uma das duas, por sinal,
For muito velha, ou muito feia...
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DA FELICIDADE

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!
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DA REALIDADE

O sumo bem só no ideal perdura...
Ah! Quanta vez a vida nos revela
Que "a saudade da amada criatura"
É bem melhor do que a presença dela...
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DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
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DA DISCRIÇÃO

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo de teu amigo
Possui amigos também...
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DA PREGUIÇA

Suave Preguiça, que do mau-querer
E de tolices mil ao abrigo nos pões...
Por causa tua, quantas más ações
Deixei de cometer!
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DO OVO DE COLOMBO

Nos acontecimentos, sim, é que há Destino:
Nos homens, não - espuma de um segundo...
Se Colombo morresse em pequenino,
O Neves descobria o Novo Mundo!
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DO MAL DA VELHICE

Chega a velhice um dia... E a gente ainda pensa
Que vive... E adora ainda mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torná-la ainda mais comprida…
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DA MODERAÇÃO

Cuidado! Muito cuidado...
Mesmo no bom caminho urge medida e jeito.
Pois ninguém se parece tanto a um celerado
Como um santo perfeito...
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DA CALÚNIA

Sorri com tranquilidade
Quando alguém te calunia.
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...
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DA EXPERIÊNCIA

A experiência de nada serve à gente.
É um médico tardio, distraído:
Põe-se a forjar receitas quando o doente
Já está perdido...
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DE COMO PERDOAR AOS INIMIGOS

Perdoas... és cristão... bem o compreendo...
E é mais cômodo, em suma.
Não desculpes, porém, coisa nenhuma,
Que eles bem sabem o que estão fazendo...
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DA CONDIÇÃO HUMANA

Se variam na casca, idêntico é o miolo,
Julguem-se embora de diversa trama:
Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo
Que o mais sutil dos sábios quando ama.
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DA PRÓPRIA OBRA

Exalta o Remendão seu trabalho de esteta...
Mestre Alfaiate gaba o seu corte ao freguês...
Por que motivo só não pode o Poeta
Elogiar o que fez?

Fonte:
Mário Quintana. O Espelho Mágico. Publicado originalmente em 1951.

Luís Fernando Veríssimo (Trapezista)

Querida, eu juro que não era eu. Que coisa ridícula! Se você estivesse aqui — Alô? Alô? — olha, se você estivesse aqui ia ver a minha cara, inocente como o Diabo. O quê? Mas como, ironia? "Como o Diabo" é força de expressão, que diabo. Você acha que eu ia brincar numa hora desta? Alô! Eu juro, pelo que há de mais sagrado, pelo túmulo de minha mãe, pela nossa conta no banco, pela cabeça dos nossos filhos que não era eu naquela foto de carnaval no Cascalho que saiu na Folha da Manhã. O quê? Alô! Alô! Como é que eu sei qual é a foto? Mas você não acaba de dizer... Ah, você não chegou a dizer... ah, você não chegou a dizer qual era o jornal. Bom, bem. Você não vai acreditar mas acontece que eu também vi a foto. Não desliga! Eu também vi a foto e tive a mesma reação. Que sujeito parecido comigo, pensei. Podia ser gêmeo. Agora, querida, nunca, em nenhum momento, está ouvindo? Em nenhum momento me passou pela cabeça a ideia de que você fosse pensar — querida, eu estou até começando a achar graça —, que você fosse pensar que aquele era eu. Por amor de Deus. Pra começo de conversa você pode me imaginar de pareô vermelho e colar havaiano, pulando no Cascalho com uma bandida em cada braço? Não, faça-me o favor. E a cara das bandidas! Francamente, já que você não confia na minha fidelidade, que confiasse no meu bom gosto, poxa! O quê? Querida, eu não disse "pareô vermelho". Tenho a mais absoluta, a mais tranquila, a mais inabalável certeza que eu disse apenas "pareô". Como é que eu podia saber que era vermelho se a fotografia não era em cores, certo? Alô? Alô? Não desliga! Não... Olha, se você desligar está tudo acabado. Tudo acabado. Você não precisa nem voltar da praia. Fica aí com as crianças e funda uma colônia de pescadores. Não, estou falando sério.

Perdi a paciência. Afinal, se você não confia em mim não adianta nada a gente continuar. Um casamento deve se... se... como é mesmo a palavra?... se alicerçar na confiança mútua. O casamento é como um número de trapézio, um precisa confiar no outro até de olhos fechados. É isso mesmo. E sabe de outra coisa? Eu não precisava ficar na cidade durante o carnaval. Foi tudo mentira. Eu não tinha trabalho acumulado no escritório coisíssima nenhuma. Eu fiquei sabe para quê? Para testar você. Ficar na cidade foi como dar um salto mortal, sem rede, só para saber se você me pegaria no ar. Um teste do nosso amor. E você falhou. Você me decepcionou. Não vou nem gritar por socorro. Não, não me interrompa.

Desculpas não adiantam mais. O próximo som que você ouvir será do meu corpo se estatelando, com o baque surdo da desilusão, no duro chão da realidade. Alô? Eu disse que o próximo som... que... O quê? Você não estava ouvindo nada? Qual foi a última coisa que você ouviu, coração?

Pois sim, eu não falei — tenho certeza absoluta que não falei — em "pareô vermelho". Sei lá que cor era o pareô daquele cretino na foto. Você precisa acreditar em mim, querida. O casamento é como um número de...

Sim. Não. Claro. Como? Não. Certo. Quando você voltar pode perguntar para o... Você quer que eu jure? De novo? Pois eu juro. Passei sábado, domingo, segunda e terça no escritório. Não vi carnaval nem pela janela. Só vim em casa tomar um banho e comer um sanduíche e vou logo voltar para lá. Como? Você telefonou para o escritório. Meu bem, é claro que a telefonista não estava trabalhando, não é, bem. Ha, ha, você é demais. Olha, querida? Alô? Sábado eu estou aí. beijo nas crianças. Socorro. Eu disse, um beijo.

Fonte:
Luís Fernando Veríssimo. As mentiras que os homens contam. Publicado em 2000.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Versejando 95


 

Humberto de Campos (Ilusão)

Abraçado a um poste de iluminação elétrica, tonto de cerveja e de fome, o velho boêmio levantou os olhos para as estrelas longínquas, naquela madrugada fria, sentindo a terra, em torno, estremecer e rodar. Com medo de cair, o notívago apertou mais o poste de encontro ao peito, fechou os olhos e começou a sonhar.

A principio era um monte de moedas de ouro, postas umas sobre as outras, que lhe dava quase pelos joelhos. De repente, o monte começou a subir, a crescer, a avolumar-se, atingindo a sua altura e galgando o espaço, rápido, como um caule dourado de crescimento vertiginoso. O boêmio acompanhava o desenvolvimento daquela árvore curiosa, quando, no escândalo daquela ascensão, lhe viu desaparecer a ponta nas nuvens, estabelecendo uma corda de ouro, fina e imensa, ligando a terra ao céu. Olhava-a ele admirado, quando ouviu uma voz, que lhe dizia:

- Sobe, Alfredo!

O notívago segurou-se à corda de ouro, feita de moedas acumuladas, e principiava a subi-la, quando esta, de repente, estalou, partindo-se, fazendo-o vir aos trambolhões pela altura, estatelar-se, com força, no chão.

Abrindo os olhos, o boêmio sentiu-se assentado no calçamento da rua, ao lado do poste. Espantado, passeou a vista em redor, e, detendo-a em certo ponto, viu, no asfalto, caída da algibeira de algum transeunte, uma pequena moeda de cem réis. Estendendo a mão, apanhou-a, revirou-a nos dedos, examinou-a e, ao fim de tudo isso, pensou, num sorriso de consolo:

- Felizmente, sempre ficou, no chão, a ponta da corda!

E metendo o níquel no bolso, continuou, aos trancos, o seu caminho.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Ronnaldo de Andrade (Album de Spinas) 3

EM QUESTIONAMENTO

Aumento meus vícios,
destruo meus sonhos,
produzo meus versos

áridos, ásperos, azedos qual limão;
causas da estrada infinita amorosa!
A cabeça pesada, passos dispersos,
sinto-me alucinado, em um labirinto
de dúvidas; gostos vis, controversos.
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NOS PASSOS DO REALISMO

Arrancam as roupas,
transam pelas vielas,
vergonha não existe.

Andam aos gritos, cantarolam bêbados,
propelem pedras contra alguns animais,
enquanto o astro-rei escaldante assiste
às peripécias desses impudentes seres;
nessa desordenância a ordem preexiste!
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O VIAJANTE

Atraque seu barco,
atire-se nas águas,
viva esse instante.

Permita que a sereia cante
às dores de amores findos,
um hino para cada amante.
Depois siga avante. Vá, vá
singrando o mar, ó viajante.
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O VIAJANTE II

Singrando o mar,
furando as ondas,
avisto o barquinho.

Ele some assim, bem devagarinho,
naquele seu sobe, desce contínuo,
livre, semelhante a um passarinho.
Na bandeira levantada está escrito:
"Nenhum homem deverá ir sozinho".
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O VIAJANTE III

Tentando se libertar
da intensa sensação
de amor tresloucado,

que faz do nosso peito
um hospício; a paz (ah!
a paz) ser rio estourado;
sim, assim vai o homem,
sem o bem mais amado!

Murilo Rubião (A noiva da casa azul)


"A figueira começou a dar os seus primeiros figos; as vinhas, em flor, exalam o seu perfume. Levanta-te, amiga minha, formosa minha, e vem."
(Cântico dos Cânticos, II, 13)


Não foi a dúvida e sim a raiva que me levou a embarcar no mesmo dia com destino a Juparassu, para onde deveria ter seguido minha namorada, segundo a carta que recebi.

Sim, a raiva. Uma raiva incontrolável, que se extravasava ao menor movimento dos outros viajantes, tornando-me grosseiro, a ponto dos meus vizinhos de banco sentirem-se incomodados, sem saber se estavam diante de um neurastênico ou débil mental.

A culpa era de Dalila. Que necessidade tinha de me escrever que na véspera de partir do Rio dançara algumas vezes com o ex-noivo? Se ele aparecera por acaso na festa, e se fora por simples questão de cortesia que ela não o repelira, por que mencionar o fato?

Não me considero ciumento, mas aquela carta bulia com os meus nervos. Fazia com que, a todo instante, eu cerrasse os dentes ou soltasse uma praga.

Acalmei-me um pouco ao verificar, pela repentina mudança da paisagem, que dentro de meia hora terminaria a viagem e Juparassu surgiria no cimo da serra, mostrando a estaçãozinha amarela. As casas de campo só muito depois, quando já tivesse desembarcado e percorrido uns dois quilômetros a cavalo. A primeira seria a minha, com as paredes caiadas de branco, as janelas ovais.

Deixei que a ternura me envolvesse e a imaginação fosse encontrar, bem antes dos olhos, aqueles sítios que representavam a melhor parte da minha adolescência.

Sem que eu percebesse, desaparecera todo o rancor que nutrira por Dalila no decorrer da viagem. Nem mesmo a impaciência de chegar me perturbava. Esquecido das prevenções anteriores, aguardava o momento em que eu apertaria nos braços a namorada. Cerrei as pálpebras para fruir intensamente a vontade de beijá-la, abraçá-la. Nada falaria da suspeita, da minha raiva. Apenas diria:

- Vim de surpresa para ficarmos noivos.

O chefe do trem arrancou-me bruscamente do meu devaneio:

- O senhor pretende mesmo desembarcar em Juparassu?

- Claro. Onde queria que eu desembarcasse?

- É muito estranho que alguém procure esse lugar.

Não sabendo a que atribuir a impertinência e a estranheza do funcionário da estrada, resmunguei um palavrão, que o deixou confuso, a pedir desculpas pela sua involuntária curiosidade.

Juparassu! Juparassu surgia agora ante os meus olhos, no alto da serra. Mais quinze minutos e estaria na plataforma da estação, aguardando condução para casa, onde mal jogaria a bagagem e iria ao encontro de Dalila.

Sim, ao encontro de Dalila. De Dalila que, em menina, tinha o rosto sardento e era uma garota implicante, rusguenta. Não a tolerava e os nossos pais se odiavam. Questões de divisas dos terrenos e pequenos casos de animais que rompiam tapumes, para que maior fosse o ódio dos dois vizinhos.

Mas, no verão passado, por ocasião da morte de meu pai, os moradores da Casa Azul, assim como os ingleses das duas casas de campo restantes, foram levar-me suas condolências, e tive dupla surpresa: Dalila perdera as sardas, e seus pais, ao contrário do que pensava, eram ótimas pessoas.

Trocamos visitas e, uma noite, beijei Dalila.

Nunca Juparassu apareceu tão linda e nunca as suas serras foram tão azuis.

Logo que desci na estaçãozinha solícito, o agente tomou-me as malas:

- O senhor é o engenheiro encarregado de estudar a reforma da linha, não? Por que não avisou com antecedência? Arrumaríamos o nosso melhor quarto.

- Ora, meu amigo, não sou engenheiro, nem pretendo ver obra alguma.

- Então, o que veio fazer aqui?

Refreei uma resposta malcriada, que a insolente pergunta merecia, notando ser sincero o assombro do empregado da estrada.

- Tenciono passar as férias em minha casa de campo.

- Não sei como poderá.

- É coisa tão fantástica passar o verão em Juparassu? Ou, quem sabe, andam por aqui temíveis pistoleiros?

- Pistoleiros não há, mas acontece que as casas de campo estão em ruínas.

Tive um momento de hesitação. Estaria falando com um cretino ou fora escolhido para vítima de desagradável brincadeira? O homem, entretanto, falava sério, parecia uma pessoa normal. Achei melhor não insistir no assunto:

- Quem me alugaria um cavalo, para dar umas voltas pelas vizinhanças?

A resposta me desconcertou: não existiam cavalos no lugar.

- E para que cavalos, se nada há de interesse para ver nos arredores?

Procurei tranquilizar o meu interlocutor, pois pressentia estar sob suspeita de loucura. Menti-lhe, dizendo que há muitos anos não vinha àquelas paragens. O meu objetivo era apenas de rever lugares por onde passara em data bem remota.

O agente sentiu-se aliviado:

- O senhor me assustou. Pensei que conversava com um paranóico. - E, amável, se prontificou a me acompanhar no passeio. Recusei o oferecimento. Necessitava da solidão a fim de refazer-me do impacto sofrido por acontecimentos tão desnorteantes.

Não caminhara mais de vinte minutos, quando estaquei aturdido: da minha casa restavam somente as paredes arruinadas, a metade do telhado caído, o mato invadindo tudo.

Apesar das coisas me aparecerem com extrema nitidez, espelhando uma realidade impossível de ser negada, resistia à sua aceitação. Rodeei a propriedade e encontrei, nos fundos, um colono cuidando de uma pequena roça. Aproximei-me dele e indaguei se residia ali há muito tempo.

- Desde menino - respondeu, levantando a cabeça.

- Certamente conheceu esta casa antes dela se desintegrar. O que houve? Foi um tremor de terra? - insisti, à espera de uma palavra salvadora que desfizesse o pesadelo.

- Nada disso aconteceu. Sei da história toda, contada por meu pai.

A seguir, relatou que a decadência da região se iniciara com uma epidemia de febre amarela, a se repetir por alguns anos, razão pela qual ninguém mais se interessou pelo lugar. Os moradores das casas de campo sobreviventes nunca mais voltaram, nem conseguiram vender as propriedades. Acrescentou ainda que o rapaz daquela casa fora levado para Minas com a saúde precária e ignorava se resistira à doença.

- E Dalila? - perguntei ansioso.

Disse que não conhecera nenhuma pessoa com esse nome e foi preciso explicar-lhe que se tratava da moça da Casa Azul.

- Ah! A noiva do moço desta casa?

- Não era minha noiva. Apenas namorada.

-  Não? Será que... - deixou a frase incompleta: - É o senhor, o jovem que morava aqui?

Para evitar novas perguntas, preferi negar, insistindo na pergunta anterior:

- E Dalila?

- Morreu.

Fiquei siderado ao ver ruir a tênue esperança que ainda alimentava. Sem me despedir, retomei a caminhada. Os passos trôpegos, divisando confusamente a vegetação na orla da estreita picada, subi até uma pequena colina. Do alto da elevação, avistei as ruínas da Casa Azul. Avistei-as sem assombro, sem emoção. Cessara toda a minha capacidade emocional. Os meus passos se tornaram firmes novamente, e de lá de dentro dos escombros eu iria retirar a minha amada.

Descolorida e quieta a Casa Azul está na minha frente. Caminho por entre os seus destroços. A escadinha de tijolos semidestruída. Aqui nos beijamos. Beijamo-nos no alpendre, cheio de trepadeiras, cadeiras de balanço, onde, por longas horas, ficávamos assentados. Depois do alpendre esburacado, o corredor. Dalila me veio fortemente. Subo a custo os degraus apodrecidos da escada de madeira. Chego ao quarto dela: teias de aranha. Vazio, vazio, meu Deus! Grito: Dalila, Dalila! Nada. Corro aos outros quartos. Todos vazios. Só teias de aranha, as janelas saindo das paredes, o assoalho apodrecendo.

Desço. Grito mais: Dalila, Dalila! Grito desesperado: Dalila, minha querida! O silêncio, um silêncio brutal responde ao meu apelo. Volto ao quarto dela: parece que Dalila está lá e não a vejo. O seu corpo miúdo, os olhos meigos, os cabelos dourados. Abraça-me e não sinto os seus braços.

A noite já estava aparecendo por entre o teto fendido. Grito ainda: Dalila, Dalila, meu amor! Corta-me a agonia. Corro desvairado.

Fonte:
Murilo Rubião. Contos reunidos. Conto publicado originalmente em 1947.

Jaqueline Machado (As veredas do grande sertão)

“Só se pode viver perto de outro e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Diadorim, meu amor! Como posso explicar o poder do amor que eu criei, minha vida o diga: Diadorim tomou conta de mim. E, eu o abracei com as asas de todos os pássaros.”

Com esse belíssimo trecho do célebre livro “Grande Sertão: Veredas”, de 1956, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, dou início a um breve desabafo, o qual retiro agora de minhas entranhas, para falar desta obra.

Grande Sertão não foi escrito para ser apenas lido, mas sentido ... Caso contrário, quase nada será compreendido.

Não tive tantas dificuldades em me familiarizar com a sua mensagem, já que se trata de assuntos comuns à minha pessoa. Quem me conhece sabe o quanto me dedico a tentar desvendar as questões sobre o Bem e o Mal que circundam o nosso mundo externo e interior.

“- Nonada”, com essa palavra, que equivale a algo como: “: Que nada” ou “Nada disso” que dá início à narrativa do protagonista, um senhor de idade avançada, que literalmente do nada, passa a contar suas aventuras a um forasteiro, começo o meu relato sobre o livro:

Aos 14 anos, Riobaldo ficou doente e sua mãe fez promessas para o filho ficar bom. Quando o menino voltou a se sentir saudável, foi avisado por sua mãezinha de que precisaria ficar no Porto do Rio de Janeiro, esmolando. Um pouco do dinheiro que conseguisse, seria para pagar uma missa, e a outra parte que sobrasse deveria ser colocada numa cabaça para descer o rio São Francisco abaixo até chegar a um santuário.

No decorrer da missão, ele avista um jovem de expressão suave e olhos verdes, sentado debaixo de uma árvore, pitando um cigarro. Os dois ficam amigos. O menino de expressão doce, compra queijo e rapadura e o convida a um passeio pelo rio. Em certo momento, Riobaldo começa a temer as fortes correntezas. É quando o amigo diz: “Tem que atravessar. “É preciso ter coragem”. Durante o trajeto, essa frase é repetida três vezes como se fosse uma prece ou um mantra de proteção.

Ao completarem a travessia, sentam em um matagal cheio de bambuzais e, ali comem o queijo e a rapadura, aspirando uma certa solenidade divina. Aquela refeição nos remete a uma espécie de festim sagrado, que celebra a “travessia da vida”.

Riobaldo queria cruzar o caminho por uma margem mais simples, mas o novo amigo o fez entender que é preciso exercitar a coragem para estar preparado, pois quando a vida inventa de exigir que se faça um sacrifício, não costuma amenizar o problema.

Os rios possuem três margens: a da embarcação, a da chegada e a do fundo que estrutura as águas. Assim é com nossas vidas, entre o nascimento e a morte: há o meio. O transcorrer de nossas vontades. E o cumprimento, em si, da missão que nascemos para cumprir.

No entanto, por falta de coragem, nós, em sua maioria, nascemos, crescemos, procriamos e morremos sem passar pelas grandes aventuras ou pelos grandes sertões, veredas da vida. Isso acontece, porque fazer escolhas e superar os medos é difícil. É como diz outra frase famosa do livro: “Viver é muito perigoso”...

O protagonista da história bem sabia de tudo isso. Cresceu, virou jagunço, viu coisa que até o “demo” duvida. Ele próprio já fizera coisas erradas e até um pacto com o “coisa ruim”, que na verdade, ninguém sabe ao certo se foi efetuado ou não. E hoje, envelhecido, vive a filosofar sobre a existência.

Na busca pela compreensão da vida, observa a natureza e se utiliza de todas as religiões. Eis aí, vestígios de culpa... O velho protagonista sempre foi homem matuto, mas o tempo a sobrar em sua velhice lhe despertou imensa curiosidade e profunda sabedoria.

Sobre as existências ele diz:

“Se o diabo existe? Se existe é nos crespos do homem (no interior). Pois, como pode o homem ser bom e ao mesmo tempo capaz das maiores atrocidades?...

Ainda refletindo sobre o que existe ou não existe. Cachoeira, é um barranco de chão e água caindo, por ele retumbando. Consumindo a água ou desfazendo o barranco, sobra cachoeira alguma. Então, a cachoeira existe ou não existe? “Viver é um negócio muito perigoso”,


Continua ele no transcorrer dos assuntos: “Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é muito provisório. Eu queria rezar o tempo todo”.

E para encerrar, a frase na qual reconheci a mim mesma e que me fez chorar ... “Por toda minha vida pensei por mim. Forro! Sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo mundo. Eu quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa”...

Nesse diálogo de infinitas sapiências, pude apenas escolher alguns trechos para dizer: João Guimarães Rosa, ao sentar para escrever este livro, tinha como missão despertar nossas almas para sermos o que realmente somos. Sem temores...Não fazendo como o próprio Riobaldo, que apesar de se considerar forro, passou a vida relutando contra o amor que sentia pelo amigo, também jagunço, que futuramente veio a se chamar Diadorim.

Há, mas Diadorim era mulher vestida de homem... No entanto, apenas sua alma sabia disso. Por temer a travessia, só pode abraçá-la com as asas de todos os pássaros quando os olhos de seu amor haviam se fechado para a vida. E o seu tempo para amar havia se encerrado.

Fonte:
Texto enviado pela autora.