sábado, 15 de maio de 2021

Júlia Lopes de Almeida (A Morte da velha)

A Presciliana Duarte de Almeida

Cabelos brancos, finos, em bandós; rosto redondo, amolecido, sulcado por muitas linhas fundas; olhos azuis, cariciosos e transparentes como as pupilas das crianças; corpo pesado, grosso, baixo e curvado; pés e mãos inchados, pernas paralíticas – tal era a velhinha cuja vida deslizara entre sacrifícios, que ela, na sua crença de religiosa, espera ver transformados em flores no céu!

Muito surda, mas extraordinariamente bondosa e ativa, ela não parava de trabalhar, na sua grande cadeira de rodas, recortando papéis para as confeitarias. Os recursos eram minguados: o irmão, desde que se mudara para aquele sobrado da rua do Hospício, não lhe dava vintém, e ainda se queixava de ter de sustentar tantas bocas.

Só filhas quatro, de mais a mais doentes e pouco jeitosas. Só uma bonita, a última, e essa era também a de melhor gênio, talvez por mais esperançada no futuro. Mãe não tinham, e fora a velha, tia Amanda, quem tivera com elas todo o trabalho da criação, bem como já tinha tido com o irmão. Estava afeita. Afeita mas cansada.

O irmão, empregado público, era viúvo, mal-humorado e envelhecido precocemente. A esse tinha ela criado nos braços, desde os mais tenros meses; fora para ele uma segunda mãe. Quantas vezes contava às sobrinhas as travessuras do seu pequeno Luciano, que aí estava agora tristonho, achacado e impertinente! E ela gozava relatando os episódios da meninice dele: os caprichos que lhe satisfazia para o não ver chorar, as horas que perdia de sono para o embalar nos braços, os sustos com as doenças e as quedas, e uma noite que passara em claro para fazer um trajo de anjo com que Lucianinho foi à procissão do Corpo de Deus.

– Nesse tempo o vigário do Engenho...

Mas as sobrinhas interrompiam-na: queriam saber como era o vestido, esforçando-se por imaginar a figura do pai, agora tão enrugado e taciturno, com seis anos apenas e vestidinho de anjo!

A velha satisfazia-lhes a curiosidade com um sorriso de gosto: era um vestidinho salpicado de lantejoulas e guarnecido de rendas.

Nada faltou ao irmão – nem a cabeleira em cachos, com o seu grande diadema cheio de pedrarias, alto na frente, em bico; nem as asas de penas brancas, entre as quais pusera um ramo de flores do campo, em tufos de filó; nem as meias arrendadas, e os sapatos de cetim branco com uma roseta azul, nem as pulseiras, o colar, o lenço guarnecido de rendas, cuja extremidade ele oferecera graciosamente a outro anjo que ia a seu lado, no mesmo passo. As sobrinhas ouviam-na rindo e faziam-na repetir certas travessuras do pai, a que elas achavam muita graça, mas que lhes pareciam absurdas. Custava-lhes a crer que o pai, tão sisudo, tivesse feito aquilo; mas a tia afirmava-lhes tudo com segurança, mesmo diante dele, que não protestava, e elas ficavam satisfeitas, tendo com as antigas maldades do pai como que uma desculpa para as suas.

Entretanto, tia Amanda não parava de trabalhar; cosia as meias de toda a gente de casa, cortava papéis de balas para uma vizinha doceira e rendas para os pudins das confeitarias.

Ganhava pouco, e esse pouco dava-o, tão habituada estava desde moça a trabalhar para os outros.

A pouco e pouco a pobre velhinha foi também perdendo a memória: confundia datas, relatava atrapalhadamente os fatos; a sua tesourinha já se não movia com tanta delicadeza, as mãos tornaram-se-lhe mais pesadas, a vista enfraqueceu; os pontos nas meias já não formavam o mesmo xadrezinho chato e igual, e o serviço das confeitarias começou a escassear até que lhe faltou completamente.

Nesse dia a pobrezinha chorou. O irmão não lhe dava nada... como poderia ela socorrer as desgraçadas que até então protegera?

No fim do mês lá foram ter com ela a viúva pobre dos sete filhos e a comadre tísica. A velha não teve coragem de lhes contar a verdade; corou... e prometeu mandar-lhes no outro dia alguma coisa. E no outro dia mandava o que a casa de penhores lhe dera pelo seu relógio antigo, e que ela tinha destinado para a primeira sobrinha que casasse.

Mas a história do relógio foi depressa sabida pela gente de casa. As filhas de Luciano contaram ao pai, indignadas, que a tia o expunha ao ridículo, mandando empenhar coisas, como se não tivesse que comer em casa! O Luciano ouviu-as, mordendo o bigode branco, com a indignação das filhas a refletir-se-lhe nos olhos. Foi imediatamente falar à irmã. Achou-a cosendo na sua cadeira de rodas, os óculos caídos sobre o nariz, a cabeça pendida.

Vendo-o, ela sorriu. Ele perguntou-lhe num tom azedado pelo seu mau fígado:

– Então? é verdade que você mandou empenhar o seu relógio de ouro?

– É, respondeu ela na sua costumada placidez.

– Mas eu não quero isso! Hão de pensar lá fora que não lhe dou de comer! Tome cuidado!

A velha estremeceu, e nos seus olhos azuis brilhou, fugitiva, uma expressão dolorosa.

Tome cuidado! Quantas vezes dissera ela aquelas mesmas palavras ao Lucianinho, nos velhos tempos! Dizia-lhas com meiguice, alisando--lhe os cabelos, ou entre dois beijos:

– “Olha, meu filho, toma cuidado! não te exponhas ao sol... não comas frutas verdes! estuda bem as lições... Toma cuidado contigo, meu amor!”

E eram quase súplicas aqueles conselhos!

E aí estava agora o Luciano a dizer-lhe colérico e brutalmente as mesmas palavras! E ela curvava a cabeça ao irmão, e obedecia-lhe, e temia-o! ela, que o criara desde pequenino, que por causa dele perdera um casamento, que por causa dele se tinha sempre sacrificado! Era duro, mas era assim. Há sempre mais paciência para as maldades de uma criança do que para as rabugices de um velho! Reconhecia isso e calava-se. “Luciano é doente, pensava ela, e é por isso que me trata com tão mau humor! é doença, não é ruindade de coração... Se ele foi sempre tão bom! Aquilo há de passar.”

No fim do mês a questão estava esquecida, e a velha recebeu a visita da comadre tísica e da viúva pobre. Não tinha um vintém, e resolvera dizer isso mesmo às suas protegidas; mas exatamente nessa ocasião a tísica mostrou-lhe uma receita do médico, tossindo a cada palavra, com a mão espalmada no peito; e a viúva levou-lhe pela primeira vez o filho mais novo, um lindo menino de olhos azuis e de cabelos loiros.

A velha enterneceu-se e prometeu mandar no dia seguinte alguma coisa, tanto a uma como a outra.

Nessa mesma tarde disse ao Luciano, muito constrangida:

– Hoje vieram cá aquelas pobres... Coitadas! custa-me tanto não lhes dar esmola... se você me pudesse emprestar... é pouca coisa, bem vê...

– Acha muito o que eu ganho? não se lembra que mal me dá o ordenado para sustentar as quatros filhas e nós?

E como ela lhe explicasse a precária situação das duas mulheres:

– Ora, a viúva que empregue os filhos mais velhos e ponha os outros em asilos; e quanto à tísica...

– Se eu tivesse vinte anos de menos, não te pediria isto, Luciano! Lembra-te bem!

Mas o Luciano não se lembrou!

Ela quis referir-se ao tempo em que o ajudava trabalhando para fora, cuidando-lhe dos filhos, indo muitas vezes para a cozinha, e deitando-se fora de horas para lhe engomar as camisas... quis referir--se, mas envergonhou-se, e disse de si para si:

– Aquilo é doença; não é ruindade de coração!

No entanto, o seu bom Lucianinho e as filhas comentavam entre si a caduquice da velha. E, realmente, desde aquele dia, a paralítica decaiu muito; incomodava toda a gente. Era preciso levá-la ao colo para a cama, despi-la, vesti-la, lavá-la, levar-lhe a comida à boca. Ela impacientava-se quando lhe tardavam com o almoço; gritava de lá que a queriam matar à fome, que era melhor enterrarem-na de uma vez. E a criada, a quem ela dera outrora presentes, ria-se; e as sobrinhas, que ela tantas vezes carregara ao colo, levantavam os ombros, enfadadas. Luciano repreendia--as, mas ia dizendo que efetivamente a irmã era insuportável!

Apesar de muitíssimo idosa, a pobre senhora tinha apego à vida; já muito confusa das ideias, completamente inerte, tinha impertinências, ralhava lá da sua cadeira de rodas com toda a gente: esta porque não lhe dava água, aquela porque lhe apertara de propósito o cós da saia, aquela outra porque lhe deitava veneno na comida...

Deslizavam assim amargamente os meses quando, um dia, uma criada, muito pálida, com os olhos esgazeados e os cabelos hirtos, entrou aos gritos na sala de jantar, exclamando:

– Fogo! fogo! há fogo em casa!

Levantaram-se todos da mesa.

Por uma janela aberta entrou uma lufada de fumo; viu-se brilhar a chama. A porta estava tomada pelo fogo.

– Fujam pelo telhado! gritou o Luciano.

E ouviam-se vozes lá fora, dizendo como um eco:

– Fujam pelo telhado!

Na sua grande cadeira de rodas, a velha presenciava aquela cena, sem se poder mover, aterrorizada e sem voz. O irmão empurrava as filhas, atava num guardanapo as joias tiradas à pressa de uma cômoda, punha na mão da criada os talheres de prata, olhava para trás, para o fogo que vinha lambendo a parede, impelido pelo vento; corria, atirava para o telhado os móveis mais leves, pressurosamente, abria e fechava gavetas, e saltava por fim também pela janela, para o telhado, o único meio de salvação que a Providência lhe oferecia!

A velha ficou só. Tentou mexer-se, tentou gritar: debalde.

Pior que o incêndio e que o medo foi a impressão deixada pela fugida do irmão.

O seu espírito cansado como que se esclareceu nesse momento.

E dessa vez não disse de si para si, para desculpá-lo: “Aquilo é doença, não é ruindade de coração!...”

O calor afogueava-lhe as faces, onde há muito não subia o sangue; no meio daquela solidão pavorosa, ouvindo o crepitar da madeira nuns estalidos secos, a bulha surda de uma ou de outra viga que se desmoronava, o luf-luf da chama que subia, a velha sorria com ironia,
lembrando-se da precaução do Luciano em arrecadar as coisas que ela, a irmã abandonada, lhe ajudara a ganhar...

E voltou de novo o olhar para a janela; então, entre o fumo já espesso, viu desenhar-se ali uma figura de homem.

O coração bateu-lhe com alegria.

– É Luciano que se lembrou de mim!...

Era um bombeiro que lhe estendia a mão, chamando-a. A velha fez-lhe um gesto – que se retirasse!

Nisso, um rolo de fumo negro interpôs-se entre ambos, como um véu de crepe. Perderam-se de vista. O bombeiro voltou para fora, quase asfixiado. A velha fechou os olhos e esperou a morte.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Ânsia eterna. 2. ed. rev. 
Brasília : Senado Federal, 2020. Publicada originalmente em 1903.

Vinicius de Moraes em Prosa e Verso – 1

A maior solidão é a do ser que não ama


A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Ária para Assovio

Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio

As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és?

O madrigal se escreve:
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve

(Sê… mínima e breve
A música do perfume
Não guarda ciúme)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

A Você, Com Amor

O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia…
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar…

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda…

E a música inaudível…

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar…

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

A Impossível Partida

Como poder-te penetrar, ó noite erma, se os meus olhos cegaram nas luzes da cidade
E se o sangue que corre no meu corpo ficou branco ao contato da carne indesejada?…
Como poder viver misteriosamente os teus recônditos sentidos
Se os meus sentidos foram murchando como vão murchando as rosas colhidas
E se a minha inquietação iria temer a tua eloqüência silenciosa?…
Eu sonhei!… Sonhei cidades desaparecidas nos desertos pálidos
Sonhei civilizações mortas na contemplação imutável
Os rios mortos… as sombras mortas… as vozes mortas…
…o homem parado, envolto em branco sobre a areia branca e a quietude na face…
Como poder rasgar, noite, o véu constelado do teu mistério
Se a minha tez é branca e se no meu coração não mais existem os nervos calmos
Que sustentavam os braços dos Incas horas inteiras no êxtase da tua visão?…
Eu sonhei!… Sonhei mundos passando como pássaros
Luzes voando ao vento como folhas
Nuvens como vagas afogando luas adolescentes…
Sons… o último suspiro dos condenados vagando em busca de vida…
O frêmito lúgubre dos corpos penados girando no espaço…
Imagens… a cor verde dos perfumes se desmanchando na essência das coisas…
As virgens das auroras dançando suspensas nas gazes da bruma
Soprando de manso na boca vermelha dos astros…
Como poder abrir no teu seio, oh noite erma, o pórtico sagrado do Grande Templo
Se eu estou preso ao passado como a criança ao colo materno
E se é preciso adormecer na lembrança boa antes que as mãos desconhecidas me arrebatem?…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Imagem: montagem por JG Feldman

Graciliano Ramos (O estribo de prata)

— Este caso se deu, começou Alexandre, um dia em que fui visitar meu sogro, na fazenda dele, léguas distantes da nossa. Já contei aos senhores que os arreios do meu cavalo eram de prata.

— De ouro, gritou Cesária.

— Estou falando nos de prata, Cesária, respondeu Alexandre. Havia os de ouro, é certo, mas estes só serviam nas festas. Ordinariamente eu montava numa sela com embutidos de prata. As esporas, as argolas da cabeçada e as fivelas dos loros eram também de prata. E os estritos, aerados, faiscavam como espelhos. Pois sim senhores, eu tinha ido visitar meu sogro, o que fazia uma ou duas vezes por mês. Almocei com ele e passamos o dia conversando em política e negócios. Foi aí que ficou resolvida a minha primeira viagem ao sul, onde me tornei conhecido e ganhei dinheiro. Acho que me referi a uma delas. Adquiri um papagaio...

— Por quinhentos e tantos mil réis, disse mestre Gaudêncio. Já sabemos. Um papagaio que morreu de fome.

— Isso mesmo, seu Gaudêncio, prosseguiu o narrador, o senhor tem boa memória. Muito bem. Passei o dia com meu sogro, à tarde montamos a cavalo, percorremos a vazante, as plantações e os currais. Justei e comprei cem bois de era, despedi-me do velho e tomei o caminho de casa. Ia principiando a escurecer, mas não escureceu. Enquanto o sol de punha, a lua cheia aparecia, uma lua enorme e vermelha, de cara ruim, dessas que anunciam infelicidade. Um cachorro na beira do caminho uivou desesperado, o focinho para cima, farejando miséria. — "cala a boca, diabo." Bati nele com o bico da bota, esporeei o cavalo e tudo ficou em silêncio. Depois de um golpe curto, ouvi de novo os uivos do animal, uns uivos compridos e agoureiros. Não sou homem que trema à toa, mas aquilo me arrepiou e deu-me um babecum forte no coração. Havia no campo uma tristeza de morte. A lua crescia muito limpa, tinha lambido todas as nuvens, estava com intenção de ocupar metade do céu. E cá embaixo era um sossego que a gemedeira do cachorro tornava medonho. Benzi-me e rezei baixinho uma oração de sustância e disse comigo: — "Está-se preparando uma desgraça neste mundo, minha Nossa Senhora." Afastei-me dali, os gritos de agouro sumiram-se, avizinhei-me da casa pensando em desastres e olhando aquela claridade que tingia os xiquexiques e os mandacarus. De repente, quando mal me precatava, senti uma pancada no pé direito. Puxei a rédea, parei, ouvi um barulho de guizo, virei-me para saber de que se tratava e avistei uma cascavel assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.

— Dois metros, seu Alexandre? Inquiriu o cego preto Firmino. Talvez seja muito.

— Espere, seu Firmino, bradou Alexandre zangado. Quem viu a cobra foi o senhor ou fui eu?

— Foi o senhor, confessou o negro.

— Então escute. O senhor, que não vê, quer enxergar mais que os que têm vista. Assim é difícil a gente se entender, seu Firmino. Ouça calado, pelo amor de Deus. Se achar falha na história, fale depois e me xingue de potoqueiro.

— Perdoe, rosnou o preto. É que eu gosto de saber as coisas por miúdo.

— Saberá, seu Firmino, berrou Alexandre. Quem disse que o senhor não saberá? Saberá. Mas não me interrompa, com os diabos. Ora muito bem. A cascavel mexia-se com raiva chocalhando e preparando-se para armar novo bote. Tinha dado o primeiro, de que falei, uma pancada aqui no pé direito. — "Os dentes não me alcançaram porque estou bem calçado", foi o que presumi. Saltei no chão e levantei o chicote, pois ali perto não havia pau nem pedra. A miserável enrolava-se, os olhos redondos pregados em mim e a língua fora da boca. Zás! Desmanchei-lhe a rodilha com uma chicotada. Tentou endireitar-se, estraguei-lhe os planos e com o chicote fui batendo, batendo, até que, desanimada, ela meteu o rabo entre as pernas e botou-se devagarinho para um monte de garranchos de coivara.

— Como é isso, seu Alexandre? Perguntou o cego. A cascavel meteu o rabo entre as pernas? Cascavel não tem pernas.

— Está claro que não tem, respondeu Alexandre. Quando a gente diz que uma criatura mete o rabo entre as pernas, quer dizer que ela se encolhe, capionga, percebe? Foi o que se deu. Não é preciso um bicho ter penas para meter o rabo entre as pernas. Seu Firmino é pessoa de entendimento curto e não compreende isto. A cascavel, que não tinha pernas, meteu o rabo entre as pernas e esgueirou-se para os garranchos e folhas secas que havia junto da estrada. Corri atrás dela e obriguei-a a voltar. Amiudei os golpes, a desgraçada bambeou e nem pediu fogo para o cachimbo. Machuquei-lhe a cabeça com o salto da bota. Estrebuchou, fez o que pôde para arrumar-se em novelo, depois se aquietou e ficou estirada na poeira. Baixei-me e medi o corpo mole: nove palmos e meio espichados. Isto é com o senhor, seu Firmino. Nove palmos e meio, entendeu? Mais de dois metros, pensou eu. Que diz?

— Deve ser isso mesmo, resmungou o negro. Não sei não. Estou escutando. Sempre me dou mal quando faço perguntas. O senhor é que sabe.

— Perfeitamente, concluiu Alexandre. A cobra tinha mais de dois metros. Tirei a vagem da cauda e contei nela dezessete anéis, o que significa dezessete anos, como ninguém ignora. Vejam vossemecês: dezessete anos. Era uma cobra muito velha, muito prática. Se eu não estivesse com os pés bem protegidos, não teria escapado, os senhores não ouviriam este caso. Ó Cesária, veja se arranja dois dedos de cachimbo lá dentro. Eu preciso molhar a palavra. E os nossos amigos estão com o ouvido seco. Vá buscar o cachimbo, Cesária. E procure o chocalho da cascavel, que você guardou.

Cesária levantou0se da esteira e desapareceu. Alexandre enxugou na manga da camisa o rosto suado. Mestre Gaudêncio, curandeiro, seu Libório cantador e Das Dores comentaram baixinho o tamanho e a idade da cobra. Passados alguns minutos, Cesária voltou com uma garrafa e uma xícara.

— Preparei o cachimbo. Aguardente não falta, e as abelhas trabalham de graça. Mas o chocalho sumiu-se. Estava no jirau, misturado com balaios e combucos: provavelmente anda escondido num buraco de ratos.

— Faz pena, rosnou Alexandre. Eu queria encostá-lo nas unhas de seu Firmino. É o diabo. Acabou-se. Bote o cachimbo na xícara, Cesária.

A garrafa se esvaziou, os amigos elogiaram a bebida. Alexandre temperou a goela e reatou a história:

— Montei-me novamente. E aí findou o desespero que o choro brabo do cachorro tinha dado. A luz vermelha diminuiu e a noite se tornou uma noite de lua cheia igual às outras noites de lua cheia –: "Toda aquela armação de infelicidade foi para mim", assuntei cá por dentro. Mas agora não havia perigo, porque a oração que eu tinha rezado era poderosa e o couro da bota era duro. Entrei em casa sem nuvens.

— Com o chocalho da cobra no bolso, murmurou o cego.

— Naturalmente, com o chocalho da cobra no bolso. Cesária se espantou: dezessete anos para uma cascavel é muito ano. Fui dormir, e no dia seguinte ninguém se lembrava disso. Entreguei-me de corpo e alma aos arranjos necessários à viagem para o sul. Gastei o tempo arrumando cargas. Um mês depois, exatamente um mês depois, tudo pronto, as reses no curral, os tangerinos amolando o ferro da aguilhada, mandei selar o cavalo e resolvi despedir-me de meu pai, meu sogro e alguns amigos da vizinhança. Vesti a roupa de casimira, calcei as botas, amarrei no pescoço colarinho e gravata, tomei café e dirigi-me ao copiar, onde encontrei o cavalo sem arreios. Gritei para o interior da casa, aborrecido com aquela demora, e um moleque apareceu atrapalhado, cinzento de medo, e falou assim: — "Não posso trazer a sela não, seu major. Rebentou o torno da parede e está caída, pesada que não me ajudo com ela. Faz meia hora que procuro carregá-la." Pensei que o diabo do sujeito estivesse com embromações e fui ver a coisa de perto. Achei realmente o torno quebrado e a sela no chão. Tentei suspendê-la, resistiu. O loro esquerdo levantou-se, mas o direito parecia plantado na terra. Acocorei-me para examinar aquele negócio e tomei um susto dos demônios: o estribo estava grande que era um despotismo, sim senhores. Mal pude movê-lo. Desatei-o, chamei dois homens e conseguimos arrastá-lo até ao copiar. Foi um assombro, toda gente arregalou os olhos, sem adivinhar o motivo do crescimento. Vieram pessoas de longe, a casa se encheu, fervilharam perguntas — "como foi, onde foi, porque vira, porque mexe" — e ninguém entendia nada. Eu coçava a cabeça e puxava pelos miolos. Fiquei três dias matutando. Afinal, depois de muito pesar, compreendi tudo e dei a Cesária as explicações que agora vou dar aos senhores. Acho que hão de concordar comigo. Naquela noite de lua cheia supus que a cascavel me tivesse mordido o couro da bota. Convenci-me, porém, que os dentes da bicha tinham ferido o estribo e deixado lá o veneno que existia no corpo dela. Um mês depois, com a força da lua, o estribo inchava, como incham todas as mordeduras de cobras. Era por isso que ele estava tão crescido e tão pesado. Mandei chamar um mestre na rua e, com martelo e escopro, retiramos do estribo cinco arrobas de prata, antes que o metal desinchasse. Isso se repetiu durante alguns anos: todos os meses o estribo inchava, inchava e, conforme a força d alua, eu tirava dele três, quatro, cinco arrobas de prata.

Seu Libório cantador, mestre Gaudêncio curandeiro, o cego preto Firmino e Das Dores levantaram-se admirados.

— O senhor deve ter ganho uma fortuna, seu Alexandre, exclamou o cantador.

— Um pouco, seu Libório, sempre arranjei algum dinheiro, graças a Deus.

— E o estribo, seu Alexandre? O senhor ainda tem esse estribo? Perguntou o cego.

— Não, seu Firmino, respondeu o dono da casa. Com o tempo ele deixou de inchar e tornou-se um estribo comum. Julgo que o veneno perdeu a valia. Natural, não é verdade?

Fonte:
Graciliano Ramos. Alexandre e outros heróis. Publicação em 1962.

Estante de Livros (O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos)

“O Meu Pé de Laranja Lima” é um livro infanto-juvenil do escritor José Mauro de Vasconcelos, publicado pela primeira vez em 1968.

Foi adaptado para o teatro, televisão e cinema, sendo dois filmes, um em 1970 e outro em 2013. Na televisão foi exibido como novela pela TV Tupi, em 1970, e duas versões pela Rede Bandeirantes, em 1980 e 1998.

É um dos livros mais vendidos do Brasil, com cerca de 2 milhões de cópias. Já foi traduzido para mais de 50 idiomas.

PRINCIPAIS PERSONAGENS

Zezé: protagonista da história. É um menino de cinco anos muito traquino e danando. Morador de Bangu, subúrbio do Rio de Janeiro, vivia aprontando e apanhando quando suas travessuras eram descobertas. Também é um menino muito inteligente e não aparenta ter cinco anos.

Luís: irmão por quem Zezé tinha grande orgulho, pois é um menino independente e aventureiro. Zezé o chama de rei Luiz.

Totó: é o irmão mais velho de Zezé. É um jovem interesseiro, mente com frequência e é egoísta às vezes.

Glória: é a irmã mais velha de Zezé e sempre disposta a defendê-lo. Ela é como uma protetora para ele.

Pai: não tem o nome registrado na obra. É um homem frustrado por não poder sustentar a casa, o que o faz ser impaciente com os filhos. Na tentativa de educar os filhos, muitas vezes bate neles, mesmo se arrependendo depois. Alcoolatra.

Mãe: também sem registro de nome. É uma mulher que cuida e se preocupa muito com os filhos. Devido a situação financeira, toma uma atitude e vai trabalhar para sustentar a família.

Manuel Valadares: também chamado de Portuga. É um senhor já idoso e muito rico que acolhe Zezé como um filho e o enche de carinho e atenção, a ponto de se tornarem melhores amigos.

Minguinho
: também chamado de Xururuca. É o pé de laranja lima que fica no fundo da casa. Zezé tem Minguinho como um grande amigo, a quem faz confidências.

RESUMO DO ROMANCE


O livro é dividido em duas partes, a primeira conta a história do menino Zezé e suas travessuras.

Zezé era um menino travesso que vivia aprontando e, consequentemente, quando pego levava surras e mais surras tanto do pai quanto do irmão mais velho, Totó. Às vezes, até de sua irmã, mas ela era mais carinhosa e protetora dele.

Zezé era tão traquino que diziam que ele “tinha o diabo no corpo”. Certa vez,  apanhou tanto que teve que ficar uma semana sem ir à escola. Contudo, também era um menino esperto, inteligente e que aprendeu a ler sozinho aos 5 anos.

Ele e sua família viviam em uma casa confortável, mas o pai perdeu o emprego e eles foram obrigados a mudar para um lugar mais humilde. Sua mãe, que antes era dona de casa, teve que ir trabalhar na cidade.

A casa nova tinha várias árvores ao seu redor e cada um poderia escolher uma para ser “sua”. Por ter ficado por último, Zezé ficou com um minguado pé de laranja lima.

A princípio não gostou, mas com o tempo foi pegando apreço pela árvore, a ponto de nomeá-la de Minguinho. Quando estava sozinho, chamava na forma íntima de “Xururuca”.

Um dia, após pegar carona no carro luxuoso do Portuga, que não gostou da situação, Zezé levou uma baita surra e prometeu se vingar.

No entanto, o menino foi cativado pela atenção e carinho dados por Manuel Valadares. Nasceu então uma relação afetuosa entre os dois, o que Zezé não encontrava em sua família.

Ninguém sabia dessa amizade. Por uma fatalidade do destino, Manuel Valadares sofre um atropelamento e falece. Uma tristeza arrebate fortemente Zezé, que acaba adoecendo.

Para piorar a vida do menino, decidem cortar Minguinho. A árvore estava crescendo demais, algo que não era esperado.

A situação da família mudou quando o pai de Zezé conseguiu um emprego. Apesar das mudanças e da chegada da nova idade, 6 anos, Zezé não esqueceu da tragédia com sua árvore.

O ápice da obra acontece quando Minguinho dá sua primeira flor branca:

 “ — A primeira flor de Minguinho. Logo ele vira uma laranjeira adulta e começa a dar laranjas.

Fiquei alisando a flor branquinha entre os dedos. Não choraria mais por qualquer coisa. Muito embora Minguinho estivesse tentando me dizer adeus com aquela flor, ele partia do mundo dos meus sonhos para o mundo da minha realidade e dor.

— Agora vamos tomar um mingauzinho e dar umas voltas pela casa como você fez ontem. Já vem já.”


ANÁLISE

Narrado em primeira pessoa, a obra é quase uma autobiográfica de José Mauro de Vasconcelos. Isso porque conta com alguns trechos que habitam a memória de infância do autor.

A história tenta alertar os leitores diante dos abusos que muitas crianças passam. O personagem principal era vítima de violência física e psicológica, suas punições eram as piores possíveis.

Como Zezé é o próprio narrador, o leitor pode acompanhar as situações e sofrer junto com ele, ou seja, o leitor é emergido na narrativa a ponto de compartilhar dos mesmos sentimentos.

É possível perceber o quanto a falta de atenção e negligência dos pais para com seus filhos pode se tornar um problema. As crianças, na tentativa de fugir do abandono familiar, começam a criar um mundo particular, paralelo.

Em contraponto, o afeto e amizade que Zezé encontra em Portuga mostra as transformações causadas pelo carinho e cuidado perante ao outro.

CONTEXTO HISTÓRICO

O livro “O Meu Pé de Laranja Lima” foi lançado em um dos momentos mais delicados da história, a Ditadura Militar no Brasil (1960 entre 1970). Como o livro tem enfoque na infância e não apresenta nenhum teor político, não sofreu nenhum tipo de censura.

Enquanto a ditadura era instalada, as produções culturais passaram a ter grande relevância, pois a televisão conseguiu atingir as casas das mais diferentes classes sociais. Foi justamente no ano de 1970 que a antiga Rede Tupi levou ao ar o primeiro capítulo da novela baseada no livro.

“Meu Pé de Laranja Lima” está disponível em PDF em
http://www.jfpb.jus.br/arquivos/biblioteca/e-books/meu_pe_de_laranja_lima.pdf

Fonte:
Guia Estudo. Acesso em 15.05.2021

sexta-feira, 14 de maio de 2021

1º Concurso de Pantun do Brasil 2020-2021 (Resultado Nacional/Internacional)


CTS/UBT SEÇÃO CAICÓ-RN

104 Pantuns Recebidos


1º Lugar:
Luiz Hélio Friedrich
(Curitiba/PR)


PANTUN DO AMOR E PERDÃO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
para que eu possa sentir,
não precisar de perdão
e nosso amor ressurgir.

Para que eu possa sentir
nascendo nova paixão
e nosso amor ressurgir...,
...abra-me o seu coração!

Nascendo nova paixão
assim, também eu renasço;
abra-me o seu coração,
envolva-me em grande abraço!

 Assim, também eu renasço;
e peço, a voz embargada:
-Envolva-me em grande abraço,
não fale, não diga nada!

= = = = = = = = = = =

2º Lugar:
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
(Juiz de Fora/MG)

PANTUN DO PRISIONEIRO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
vou lhe dizer, sem rancor,
não precisar de perdão
por roubar o meu amor.

Vou lhe dizer, sem rancor,
com afeto verdadeiro,
por roubar o meu amor,
você me fez prisioneiro.

Com afeto verdadeiro,
iluminando os meus passos,
você me fez prisioneiro
no aconchego dos seus braços.

Iluminando os meus passos,

nesta prisão encantada
no aconchego dos seus braços,
não fale, não diga nada.
= = = = = = = = = = =

3º Lugar:
Lucrecia Welter Ribeiro
(Toledo/PR)


PANTUN DA ACOLHIDA

 Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)

 
Aperte mais minha mão,
enquanto o silêncio fala.
Não precisar de perdão
é acolher a quem resvala.
 
Enquanto o silêncio fala,
renovemos a promessa!
É acolher a quem resvala
que faz o amor não ter pressa.
 
Renovemos a promessa

sentindo o aperto de mão
que faz o amor não ter pressa
ao pulsar do coração!
 
Sentindo o aperto de mão
e a promessa renovada,
ao pulsar do coração,
não fale, não diga nada!

= = = = = = = = = = =

4º Lugar:
Lilia Maria Machado Souza
(Curitiba/PR)


PANTUN DA VOZ DO VENTO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
o amor outra chance implora.
Não precisar de perdão
aponta-nos nova aurora.

O amor outra chance implora,
não desperdice o momento.
Aponta-nos nova aurora,
a voz que se ouve no vento.

Não desperdice o momento,
a sua mão eu aceito.
A voz que se ouve no vento
ecoa a voz em meu peito.

A sua mão eu aceito.
A palavra inconfessada
ecoa a voz em meu peito.
Não fale, não diga nada.

= = = = = = = = = = =

5º Lugar:
Vanda Fagundes Queiroz
(Curitiba/PR)

PANTUM DA VOZ NO GESTO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
para a falta cometida
não precisar de perdão,
que errar faz parte da vida.
 
Para a falta cometida,
vale a pena compreender
que errar faz parte da vida...
Perdoe, sem nada dizer.
 
Vale a pena compreender:
Silêncio é voz eloquente!
Perdoe, sem nada dizer,
é um gesto suficiente.
 
Silêncio é voz eloquente!
Minha mão sendo apertada
é um gesto suficiente...
Não fale, não diga nada!
= = = = = = = = = = =

6º Lugar:
César Augusto Ribas Sovinski
(Curitiba/PR)

PANTUN DO PERDÃO
 
Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,  
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.   
(Amália Max/PR)
 
Aperte mais minha mão,
enxugue a face molhada.
Não precisar de perdão
já é página virada.
 
Enxugue a face molhada,
entre, a casa está tão fria.
Já é página virada
a promessa feita um dia.
 
Entre, a casa está tão fria,
venha aquecer nosso lar.
A promessa feita um dia
não vale a pena lembrar.
 
Venha aquecer nosso lar.
Tola promessa jurada
não vale a pena lembrar.
Não fale, não diga nada.

= = = = = = = = = = =

7º LUGAR:
Arlindo Tadeu Hagen
(Juiz de Fora/MG)


PANTUN DA GRATIDÃO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
com ternura e suavidade.
Não precisar de perdão
é quase felicidade.

Com ternura e suavidade,
sigamos juntos, querida;
é quase felicidade
ter um amor nesta vida.

Sigamos juntos, querida,
vivendo o que há pela frente.
Ter um amor nesta vida
bendiz a vida da gente.

Vivendo o que há pela frente,
uma prece sussurrada
bendiz a vida da gente:
não fale, não diga nada!

= = = = = = = = = = =

8º Lugar:
Jerson Lima de Brito
(Porto Velho/RO)

PANTUN DA CUMPLICIDADE

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)

Aperte mais minha mão
quando um erro sem valor
não precisar de perdão
neste lar cheio de amor.

Quando um erro sem valor
encontra a luz da brandura,
neste lar cheio de amor
nenhuma crise perdura.

Encontra a luz da brandura
seu olhar, na turbulência;
nenhuma crise perdura
perante o dom da indulgência.

Seu olhar, na turbulência,
recebe missão sagrada:
perante o dom da indulgência,
não fale, não diga nada!

= = = = = = = = = = =

9º Lugar:
Edy Soares
(Vila Velha/ES)


PANTUN DO REGRESSO
 
Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)

 
Aperte mais minha mão;
perceba em nossa ansiedade,
não precisar de perdão,
quem deixou tanta saudade.
 
Perceba em nossa ansiedade:
A partida é sempre ingrata…
Quem deixou tanta saudade,
 por amor, não se maltrata!
 
A partida é sempre ingrata…
Nunca mais me diga adeus.
Por amor, não se maltrata…
Cole os seus lábios nos meus!
 
Nunca mais me diga adeus,
tire essa roupa molhada,
cole os seus lábios nos meus…
Não fale, não diga nada!
= = = = = = = = = = =

10º Lugar:
Alba Helena Corrêa
(Niterói/RJ)


PANTUN DO CORAÇÃO CULPADO...
                                                                 
Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
e sentirá, de repente,
não precisar de perdão
por um erro tão frequente...

E sentirá, de repente,
quando o amor foge à razão,
por um erro tão frequente,
o culpado é o coração.  

Quando o amor foge à razão,
o deslize é preterido,
o culpado é o coração.
Venha, em silêncio, querido!

O deslize é preterido:
sinto minha alma lavada.
Venha, em silêncio, querido:
Não fale, não diga nada!

= = = = = = = = = = =

11º Lugar:
Márcia Jaber
(Juiz de Fora/MG)


PANTUN DA RECONCILIAÇÃO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão,
para essa mágoa pungente
não precisar de perdão,
ir-se embora, simplesmente.

Para essa mágoa pungente,
a dominar-me, sem dó,
ir-se embora simplesmente,
basta uma palavra só.

A dominar-me, sem dó,
toda essa angústia da ausência...
Basta uma palavra só,
qual um beijo em sua essência.

Toda essa angústia da ausência,
pela paixão, avivada
qual um beijo em sua essência...
Não fale, não diga nada.

= = = = = = = = = = =

12º Lugar:
Silvania Maria Costa
(Campo Mourão/PR)


PANTUN DO SILÊNCIO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)

Aperte mais minha mão,
no momento de partir.
Não precisar de perdão,
ajudará prosseguir.
 
No momento de partir,
não se detenha por mim.
Ajudará prosseguir,
não ver que choro no fim.

Não se detenha por mim,
palavras não são seu forte.
Não ver que choro no fim,
suponho que seja sorte.
 
Palavras não são seu forte,
deixe-me, silente, a estrada.
Suponho que seja sorte,
não fale, não diga nada.

= = = = = = = = = = =

13º Lugar:
Lóla Prata
(Bragança Paulista/SP)


PANTUN DAS PAZES

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)

Aperte mais minha mão,
me abrace forte, lhe digo,
não precisar de perdão
quem é meu mais doce abrigo.

Me abrace forte, lhe digo,
evite que tudo acabe.
Quem é meu mais doce abrigo,
vai impedir que eu desabe.

Evite que tudo acabe
por promessa descumprida;
vai impedir que eu desabe,
grande amor da minha vida!

Por promessa descumprida,
não paremos a jornada,
grande amor da minha vida!
Não fale, não diga nada!

= = = = = = = = = = =

14º Lugar:
Malu Bontorin
(Curitiba/PR)


PANTUM DO BEIJO SELADO

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)


Aperte mais minha mão
e, mesmo sem seu amor,
não precisar de perdão:
- Preciso de seu calor!

E, mesmo sem seu amor,
venha do ato de bondade,
preciso de seu calor:
-Deite, sinta-se à vontade.

Venha do ato de bondade,
o bem, sempre é revelado...
Deite, sinta-se à vontade,
será um beijo selado...

O bem sempre é revelado,
com ou sem hora marcada;
será um beijo selado,
não fale...não diga nada.

= = = = = = = = = = =

15º Lugar:
Edweine Loureiro da Silva
(Saitama/Japão)


PANTUN DA PROMESSA QUEBRADA
 

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa quebrada
não precisar de perdão.
(Amália Max/PR)

 
Aperte mais minha mão,
para a nossa despedida
não precisar de perdão
em nova curva da vida.
 
Para a nossa despedida
ser uma boa lembrança,
em nova curva da vida
mantenhamos a esperança.

Ser uma boa lembrança
também se torna alegria:
mantenhamos a esperança
no entardecer deste dia.
 
Também se torna alegria
a despedida calada.
No entardecer deste dia,
não fale, não diga nada.

= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Fiel Depositário: Francisco Gabriel Ribeiro
Coordenador Final: Professor Garcia

Julgadores:
Mara Melinni
Professor Garcia
Rozani Garcia

Fonte:
Resultado enviado pelo Professor Garcia

1º Concurso de Pantun do Brasil 2020-2021 (Resultado Estadual – RN)


CTS / UBT SEÇÃO CAICÓ-RN


17 Pantuns recebidos

1º Lugar
Mara Melinni
Caicó/RN


PANTUN DO SONHO ACORDADO

Irmão, não fiques tristonho
se a estrada é longa e sofrida
porque a beleza de um sonho
vale a espera de uma vida!
(José Lucas de Barros – RN)


Se a estrada é longa e sofrida,
ante o espinho, olha entre as flores;
vale a espera de uma vida
levar teu sonho, onde fores.

Ante o espinho, olha entre as flores,
é alegre e triste a jornada...
Levar teu sonho, onde fores,
é o sonho da caminhada.

É alegre e triste a jornada...
Se acaso a espera te cansa,
é o sonho da caminhada,
sonhar junto com a esperança.

Se acaso a espera te cansa,
mesmo assim, deixa teu sonho
sonhar junto com a esperança...
Irmão, não fiques tristonho!
= = = = = = = = = = =

2º Lugar
Professor Garcia
Caicó/RN


PANTUN DO SONHO DISTANTE

Irmão, não fiques tristonho
se a estrada é longa e sofrida,
porque a beleza de um sonho
vale a espera de uma vida!
(José Lucas de Barros – RN)


Se a estrada é longa e sofrida,
seja a distância que for,
vale a espera de uma vida
por um romance de amor.

Seja a distância que for,
não desprezes tua amada,
por um romance de amor
vale qualquer caminhada.

Não desprezes tua amada,
não abandones teu bem,
vale qualquer caminhada
se ele é teu, de mais ninguém.

Não abandones teu bem,
por mais que dure o teu sonho;
se ele é teu, de mais ninguém,
irmão, não fiques tristonho!
= = = = = = = = = = =

3º Lugar
Ieda Lima
Caicó/RN


PANTUN DO ENCORAJAMENTO

Irmão, não fiques tristonho
se a estrada é longa e sofrida,
porque a beleza de um sonho
vale a espera de uma vida!

(José Lucas de Barros – RN)

Se a estrada é longa e sofrida,
semelhante ao vento a esmo...
Vale a espera de uma vida,
não desistir de si mesmo.

Semelhante ao vento a esmo...
Somos dois semeadores!
Não desistir de si mesmo
é o lema dos sonhadores.

Somos dois semeadores
cultivando amor fecundo;
é o lema dos sonhadores
devolver a paz ao mundo.

Cultivando amor fecundo
pelo exemplo, me proponho
devolver a paz ao mundo...
Irmão, não fiques tristonho!

= = = = = = = = = = =

4º Lugar
Plácido Ferreira do Amaral Júnior
Caicó/RN

PANTUN DO SONHADOR

Irmão, não fiques tristonho
se a estrada é longa e sofrida,
porque a beleza de um sonho
vale a espera de uma vida!
(José Lucas de Barros – RN)


Se a estrada é longa e sofrida,
mesmo extensa a caminhada,
vale a espera de uma vida
indo com fé na jornada.

Mesmo extensa a caminhada
não sejas nunca um medroso,
indo com fé na jornada,
além de ser cauteloso.

Não sejas nunca um medroso
apesar de sonhador,
além de ser cauteloso
e tendo ao lado o temor.

Apesar de sonhador
sem um semblante risonho
e tendo ao lado o temor,
irmão, não fiques tristonho.

= = = = = = = = = = =

5º Lugar
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley
Natal/RN


PANTUM DE UM SONHO ENCANTADOR

Irmão, não fiques tristonho,
se a estrada, é longa e sofrida
porque a beleza de um sonho,
vale a espera de uma vida.
(José Lucas de Barros – RN)


Se a estrada, é longa e sofrida,
não temas, suplício teu,
vale a espera de uma vida,
se o teu sonho, te envolveu.

Não temas, suplício teu,
se com fé, superas tudo,
se o teu sonho, te envolveu,
há o aguardo, sobretudo.

Se com fé, superas tudo,
encontrarás, tirocínio.
Há o aguardo, sobretudo.
Do teu sonhar: O fascínio...

Encontrarás, tirocínio,
teu devaneio risonho,
do teu sonhar, o fascínio!
Irmão, não fiques tristonho.
= = = = = = = = = = =

6º Lugar
Rozanni Garcia
Caicó/RN


PANTUN DE UMA VIDA ESPERANÇOSA

Irmão, não fiques tristonho
se a estrada é longa e sofrida,
porque a beleza de um sonho
vale a espera de uma vida!
(José Lucas de Barros – RN)


Se a estrada é longa e sofrida,
não sucumbas ao cansaço.
Vale a espera de uma vida,
refazer-se a cada passo.

Não sucumbas ao cansaço,
há uma luz no fim do dia...
refazer-se a cada passo
é viver em harmonia.

Há uma luz no fim do dia,
te cobrindo feito um véu...
é viver em harmonia,
quando olhares para o céu.

Te cobrindo feito um véu,
neste dia tão risonho,
quando olhares para o céu,
irmão, não fiques tristonho.
= = = = = = = = = = =

7º Lugar
Marcos Antônio Campos
Natal/RN


PANTUM DO GIRAMUNDO

Irmão, não fiques tristonho
se a estrada é longa e sofrida,
porque a beleza de um sonho
vale a espera de uma vida.
(José Lucas de Barros – RN)


Se a estrada é longa e sofrida,
pelos problemas da trilha,
vale a espera de uma vida
pelejar contra a bastilha.

Pelos problemas da trilha
fatigado e maltrapilho
pelejar contra a bastilha
tal qual guerreiro andarilho.

Fatigado e maltrapilho
por um longo tempo ausente
tal qual guerreiro andarilho
regressei sobrevivente.

Por um longo tempo ausente,
seduzido por um sonho,
regressei sobrevivente.
Irmão, não fiques tristonho.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Fiel Depositário: Jerson Lima de Brito
Coordenador Final: Prof. Garcia

Julgadores:
Arlindo Tadeu Hagen
Cézar Augusto Defilippo
Lília Souza


Fonte:
Resultado enviado pelo Professor Garcia

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Adega de Versos 21: Dorothy Jansson Moretti

 

Nelson Rodrigues (O Pediatra)

Saiu do telefone e anunciou para todo o escritório:

— Topou! Topou!

Foi envolvido, cercado por três ou quatro companheiros. O Meireles cutuca:

— Batata?

Menezes abre o colarinho: — "Batatíssima!". 
 
Outro insiste:

— Vale? Justifica?

Fez um escândalo:

— Se vale? Se justifica? Ó rapaz! É a melhor mulher do Rio de Janeiro! Casada e te digo mais: séria pra chuchu!

Alguém insinuou: — "Séria e trai o marido?".

Então, o Menezes improvisou um comício em defesa da bem-amada:

— Rapaz! Gosta de mim, entende? De mais a mais, escuta: o marido é uma fera! O marido é uma besta!

Ao lado, o Meireles, impressionado, rosna:

— Você dá sorte com mulher! Como você nunca vi! — E repetia, ralado de inveja: — Você tem uma estrela miserável!

O AMOR IMORTAL

Há três ou quatro semanas que o Menezes falava num novo amor imortal. Contava, para os companheiros embasbacados: — "Mulher de um pediatra, mas olha: — Um colosso!".

Queriam saber:

— "Topa ou não topa?".

Esfregava as mãos, radiante:

— Estou dando em cima, salivando. Está indo.

Todas as manhãs, quando o Menezes pisava no escritório, os companheiros o recebiam com a pergunta: — "E a cara?".

Tirando o paletó, feliz da vida, respondia:

— Está quase. Ontem, falamos no telefone quatro horas! Os colegas pasmavam para esse desperdício: — "Isso não é mais cantada, é ... E o vento levou".

Meireles sustentava o princípio que nem a Ava Gardner, nem a Cleópatra justificam quatro horas de telefone. Menezes protestava:

— Essa vale! Vale, sim senhor! Perfeitamente, vale! E, além disso, nunca fez isso! É de uma fidelidade mórbida! Compreendeu? Doentia!

E ele, que tinha filhos naturais em vários bairros do Rio de Janeiro, abandonara todos os outros casos e dava plena e total exclusividade à esposa do pediatra. Abria o coração no escritório:

— Sempre tive a tara da mulher séria! Só acho graça em mulher séria!

Finalmente, após quarenta e cinco dias de telefonemas desvairados, eis que a moça capitula. Toda a firma exulta. E o Menezes, passando o lenço no suor da testa, admitia: — "Custou, puxa vida! Nunca uma mulher me resistiu tanto!".

E, súbito, o Menezes bate na testa:

— É mesmo! Está faltando um detalhe! O apartamento!

Agarra o Meireles pelo braço: — "Tu emprestas o teu?".

O outro tem um repelão pânico:

— Você é besta, rapaz! Minha mãe mora lá! Sossega!

Mas o Menezes era teimoso. Argumenta:

— Escuta, escuta! Deixa eu falar. A moça é séria. Séria pra burro. Nunca vi tanta virtude na minha vida. E eu não posso levar para uma baiúca. Tem que ser,olha: — apartamento residencial e familiar. É um favor de mãe pra filho caçula.

O outro reagia: — "E minha mãe? Mora lá, rapaz!".

Durante umas duas horas, pediu por tudo:

— Só essa vez. Faz o seguinte: — manda a tua mãe dar uma volta. Eu passo lá duas horas no máximo!

Tanto insistiu que, finalmente, o amigo bufa:

— Vá lá! Mas escuta: — pela primeira e última vez!

Aperta a mão do companheiro:

— És uma mãe!

DECISÃO

Pouco depois, Menezes ligava para o ser amado: — Arranjei um apartamento genial.

Do outro lado, aflita, ela queria saber tudinho: "Mas é como, hein?". Febril de desejo, deu todas as explicações: — "Um edifício residencial, na rua Voluntários. Inclusive, mora lá a mãe de um amigo. Do apartamento, ouve-se a algazarra das crianças".

Ela, que se chamava Yeda, suspira:

— Tenho medo! Tenho medo!

Ficou tudo combinado para o dia seguinte, às quatro da tarde. No escritório, perguntaram:

— E o pediatra?

Menezes chegou a tomar um susto. De tanto desejar a mulher, esquecera completamente o marido. E havia qualquer coisa de pungente, de tocante, na especialidade do traído, do enganado. Fosse médico de nariz e garganta, ou simplesmente de clínica geral, ou tisiólogo, vá lá. Mas pediatra! O próprio Menezes pensava: — "Enquanto o desgraçado trata de criancinhas, é passado pra trás!". E, por um momento, ele teve remorso de fazer aquele papel com um pediatra. Na manhã seguinte, com a conivência de todo o escritório, não foi ao trabalho. Os colegas fizeram apenas uma exigência: — que ele contasse tudo, todas as reações da moça. Ele queria se concentrar para a tarde de amor. Tomou, como diria mais tarde, textualmente, "um banho de Cleópatra". A mãe, que era uma santa, emprestou-lhe o perfume. Cerca do meio-dia, já pronto e de branco, cheiroso como um bebê, liga para o Meireles:

— Como é? Combinaste tudo com a velha?

— Combinei. Mamãe vai passar a tarde em Realengo.

Menezes trata de almoçar. "Preciso me alimentar bem", era o que pensava. Comeu e reforçou o almoço com uma gemada. Antes de sair de casa, ligou para Yeda:

— Meu amor, escuta. Vou pra lá.

E ela:

— Já?

Explica:

— Tenho que chegar primeiro. E olha: vou deixar a porta apenas encostada. Você chega e empurra. Não precisa bater. Basta empurrar.

Geme: — "Estou nervosíssima!".

E ele, com o coração aos pinotes:

— Um beijo bem molhado nesta boquinha.

— Pra ti também.

ESPANTO

Às três e meia, ele estava no apartamento, fumando um cigarro atrás do outro. Às quatro, estava junto à porta, esperando. Yeda só apareceu às quatro e meia. Ela põe a bolsa em cima da mesa e vai explicando:

— Demorei porque meu marido se atrasou.

Menezes não entende: — "Teu marido?"

E ela:

— Ele veio me trazer e se atrasou. Meu filho, vamos que eu não posso ficar mais de meia hora. Meu marido está lá embaixo, esperando.

Assombrado, puxa a pequena:

— "Escuta aqui. Teu marido? Que negócio é esse? Está lá embaixo! Diz pra mim: — teu marido sabe?".

Ela começou:

— Desabotoa aqui nas costas. Meu marido sabe, sim. Desabotoa. Sabe, claro.

Desatinado, apertava a cabeça entre as mãos: — "Não é possível! Não pode ser! Ou é piada tua?".

Já impaciente, Yeda teve de levá-lo até a janela. Ele olha e vê, embaixo, obeso e careca, o pediatra. Desesperado, Menezes gagueja:

— "Quer dizer que...". E, continua: "Olha aqui. Acho melhor a gente desistir. Melhor, entende? Não convém. Assim não quero".

Então, aquela moça bonita, de seio farto, estende a mão:

— Dois mil cruzeiros. É quanto cobra o meu marido. Meu marido é quem trata dos preços. Dois mil cruzeiros.

Menezes desatou a chorar.

Fonte:
Nelson Rodrigues. A vida como ela é…
Disponível em Portal São Francisco

Carolina Ramos (Poemas Escolhidos) 13

LONGE

"Longe é um lugar que não existe" (Richard Bach)

Ante a força do amor.., a distância inexiste!
O longe é o tal lugar, sem sol, que não existe
para alguém, confiante, à espera de outro alguém!
Quem sente o coração pulsar de amor, no peito,
bem sabe o que é sonhar e entende esse preceito
que o poeta, em seu verso, explica muito bem!

Longe!... Estranho lugar... Tão triste se existisse!
Bendito seja o amor, que anula essa crendice
de que a distância é algoz e afasta enamorados!
Quem ama tem o amado, em qualquer tempo, perto!
E todo instante é o instante ansiado e sempre certo,
que une dois corações, num só... se apaixonados!

Mesmo a enfrentar a dor de uma cruel partida...
partida que se estenda a extremos do além vida,
o abraço da saudade a nos ligar insiste!
E a força da ternura deste abraço traz
uma força que acalma,,, e concordar nos faz
que esse Longe é um lugar… que, afinal, não existe!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

CORDA AFINADA

Meu coração, tu sempre foste amigo,
nas horas de alegria ou de amargura,
a dividir as emoções comigo,
a pulsar no meu peito com ternura!

E agora sabes, meu viver eu ligo
a uma corda bem frágil, mal segura!
Caso eu não possa mais contar contigo,
largo a corda e... me espera a sepultura!

Sacode a inércia que ao teu sono alenta…
Reage, coração! Pulsa! Desperta!
Se não consegues... pelo menos, tenta!

Torna a afinar as cordas, "meu violão"...
pois para quem o ritmo e o tom acerta,
a vida há de ser sempre uma canção!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

ROTA FINAL

Há de chegar a minha vez! Um dia,
o Supremo Juiz hei de enfrentar,
E minha alma, de mágoas não vazia,
dos passos dados, contas há de dar.

Se pela vida, às vezes, maltratada,
sorri, bebendo o pranto que chorei,
também amei... e muito fui amada!
E tanto amada fui, o quanto amei!

Não importa o que diga a inveja fria,
que meus passos procura macular,
minha alma se reflete na Poesia,
exposta à luz, sem véus e sem corar.

A Deus entregarei, humildemente,
erros e acertos, glórias e cansaços!
E, na certeza de ter sido gente,
me atirarei, confiante, nos Seus braços!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

PAZ

Eu quero a Paz de amar a toda a gente...
de ter leais amigos e, amplamente,
poder cantar e não sentir vergonha
por ver ao meu redor o amargo tédio
dos sonhos, que agonizam, sem remédio,
no pranto que se esconde numa fronha!

Não quero a Paz do ilhado que, em si mesmo,
enterra o espinho recolhido a esmo...
nem quero a Paz das dúvidas caladas!
Desdenho a Paz cruel feita de medos,
que amarra pulsos... tranca em vis segredos
os anseios das almas conformadas!

Quero a Paz conquistada a todo instante!
A Paz estímulo que diz: – Avante!
Não a Paz das renúncias doloridas...
Paz da omissão covarde que se oculta
no rictus de um sorriso, Paz que insulta
os passos sem porquês de tantas vidas!

Não quero a Paz, tristonha e silenciosa,
da derradeira pétala da rosa
que entregue à brisa, sem destino, seca.
Eu quero a verde Paz das verdes folhas,
que sombra distribuem, sem escolhas,
ao pobre, ao rico, ao justo... e ao que mais peca!

Desejo a Paz do mar que beija a areia...
A Paz de crer que a vida não é feia!...
A doce Paz, com gosto de esperanças,
que se partilha e jovialmente rola
de mão em mão - qual colorida bola
de um irrequieto jogo de crianças!

Anseio a Paz serena do poeta!
Utópica e total! A Paz completa
que vai além da vida, sem ser morte.
A Paz que desconhece desenganos,
que valoriza os méritos humanos
e ao trabalho enobrece e dá suporte!

Paz de crer que o Amanhã ainda existe!
E que o mundo é feliz... e não mais triste,
o irmão abraça o irmão, fraternalmente!
A Paz fruto do Ideal, o mais sagrado,
de ver o mundo inteiro congraçado:
- a PAZ feita de AMOR... de AMOR, somente!...
= = = = = = = = = = =
Prêmio Literário Internazionale "Nova Sociale"
Medaglia di Mérito Internazíonale - Poesia "PAZ"
Conferisce alla Poetissa Carolina Ramos - Santos - SP - Brasile
Nocera Superiore - Salermo - ITÁLIA - 03/10/2010
Versão livre, para o idioma italiano, de Giuliana Russo


Fonte:
Carolina Ramos. Destino: poesias. São Paulo: EditorAção, 2011.
Livro enviado pela poetisa.

Somerset Maughan (O Dr. Sabe-tudo)

Estava disposto a antipatizar com Max Kelada antes mesmo de conhecê-lo.

Terminara a guerra e era grande a afluência de passageiros aos navios de carreira. Dificilmente se conseguia acomodação e quem desejasse viajar tinha que se conformar com o que as agências ofereciam. Ninguém pensava na possibilidade de ocupar sozinho um camarote, e me senti feliz quando me deram um onde havia apenas duas camas. Mas quando me disseram o nome do companheiro, a minha satisfação se desfez. Era como uma sugestão de vigias rigidamente fechadas, ausência de ar no camarote, durante a noite.

Já era desagradável compartilhar de um camarote durante quatorze dias (eu viajava de São Francisco para Yokoama); mas a partilha ter-me-ia parecido menos desalentadora se o passageiro se chamasse Smith ou Brown.

Quando embarquei já estava no camarote a bagagem do Sr. Kelada. Desagradou-me o aspecto; rótulos em excesso nas malas de mão e demasiado grande a mala de camarote.

O Sr. Kelada já retirara do estojo os objetos de toucador, e observei que era cliente do maravilhoso Mousieur Coty, pois no lavatório o seu perfume, a sua loção e a sua brilhantina. As escovas do Sr. Kelada, em suportes de ébano com o monograma em ouro, eram o que havia de melhor na matéria.

Antipatizei inteiramente com o Sr. Kelada.

Dirigi-me para a sala de fumar. Pedi um baralho e pus-me a jogar "paciência". Mal começara, aproximou-se alguém, perguntando-me se o meu nome não era esse mesmo.

— Eu sou o Sr. Kelada — acrescentou, com um sorriso em que mostrava uma fila de dentes brilhantes; e sentou-se.

— Ah, sim, creio que estamos no mesmo camarote.

— É o que chamo de sorte. A gente nunca sabe com quem vai no camarote. Fiquei contentíssimo ao saber que você era inglês. Gosto muito que nós, ingleses, fiquemos juntos, a bordo, está entendendo?

Pestanejei.

— É inglês? — perguntei, talvez sem habilidade.

— Totalmente. Acha-me parecido com um americano? Sou inglês até a medula.

Para prová-lo, o Sr. Kelada tirou do bolso um passaporte e, ufano, agitou-o junto ao meu nariz.

O Rei Jorge tem muitos súditos estranhos. O Sr. Kelada era baixo e de construção vigorosa, moreno e escanhoado; possuía um nariz carnudo e adunco, e uns olhos muito grandes, brilhantes e límpidos.

Os cabelos negros e longos eram reluzentes e encaracolados. Falava com uma fluência nada inglesa e os gestos eram exuberantes. Tinha a íntima convicção de que um exame mais detido naquele passaporte britânico me revelaria que o Sr. Kelada nascera sob céu mais azul do que se vê geralmente na Inglaterra.

— O que vai tomar? — perguntou-me.

Olhei-o hesitante. A lei seca estava em vigor e, segundo todas as aparências, o navio estava integralmente seco.

— Quando não estou com sede, não sei se o que me desagrada mais é "ginger ale" ou limonada.

Mas no rosto do Sr. Kelada um sorriso oriental.

— Uísque com soda, ou Martini seco, é só dizer a palavra.

De cada um dos bolsos posteriores das calças retirou um frasco, colocando-o sobre a mesa, diante de mim. Escolhi o martini. Ele chamou o garçom e pediu gelo e dois copos.

— Um ótimo coquetel — disse eu.

— Pois há em quantidade na fonte de origem, e se você tiver amigos a bordo, diga-lhes que descobriu um indivíduo que dispõe de todo o álcool do mundo.

O Sr. Kelada era loquaz. Falou de Nova Iorque e de São Francisco. Discutiu peças de teatro, filmes, política. Era patriota. O pavilhão britânico é um impressionante pedaço de pano, mas quando é enfeitado por um homem de Alexandria ou Beirute, não posso evitar a impressão de que perde um quê de sua dignidade. O Sr. Kelada era íntimo. Não gosto de me fazer importante mas julgo sempre inconveniente que uma pessoa totalmente estranha não me conceda o tratamento de senhor. O Sr. Kelada certamente para me deixar à vontade, não usava tal formalidade. Não gostei dele. Deixei as cartas de lado quando ele se sentou: mas, achando que para a primeira vez a nossa conversa já se estendera demais, continuei com a "paciência".

— O três no quarto — disse o Sr. Kelada.

— Nada há demais desesperante quando estamos jogando paciência do que nos dizerem onde devemos por a carta que viramos, antes de termos tempo de olhar por nós mesmos.

— Está andando, está andando — gritou: — O dez no valete.

Com o coração cheio de ódio, terminei o jogo. Neste momento ele segurou o baralho.

— Gosta de truques com cartas?

— Não; detesto truques com cartas, respondi.

— Bem, vou mostrar-lhe só este.

Mostrou-me três. Depois, disse que ia descer para o salão de refeições e escolher um lugar.

— Oh, não se incomode — disse ele. Já reservei um lugar para você. Achei que, como estávamos no mesmo camarote, bem podíamos sentar-nos à mesma mesa.

Sim, eu não gostava do Sr. Kelada. Não somente eu compartilhava o camarote com ele e fazia três refeições por dia na mesma mesa, como também não podia passear pelo convés sem que se juntasse a mim. Era inútil fingir que não o via. Nunca lhe ocorria que não era desejado. Tinha a convicção de que os outros ficavam tão contentes de vê-lo como ele de os ver. Se estivéssemos em casa, poderíamos empurrá-lo escada abaixo, batendo com a porta, sem que surgisse no seu cérebro a suspeita de que não era uma visita desejada. Era muito sociável e, em três dias, já se dava com todo o mundo a bordo.

Dominava tudo. Arranjava apostas, dirigia leilões, organizava subscrições para os prêmios nas competições esportivas, inventava partidas de chinquilho, promoveu o concerto e o baile à fantasia. Estava sempre em toda a parte. Sem dúvida, era o homem mais odiado do navio. Chamavamos-lhe o Dr. Sabe-tudo, mesmo diante dele. O Sr. Kelada considerava-se elogiado. Mas, nas horas das refeições era que se tornava ainda mais intolerável. Então, durante a melhor parte de uma hora, tinha-nos à sua mercê. Era jovial, veemente, loquaz e questionador. Sabia tudo melhor do que qualquer pessoa; e afrontava a sua vaidade presunçosa quem discordasse dele. Não abandonava um assunto, por menor importância que tivesse, a não ser quando conseguisse reduzir o interlocutor ao seu ponto de vista. Nunca lhe ocorria a possibilidade de que pudesse estar equivocado. Era o homem que sabia.

Sentavamo-nos à mesa do médico. O Sr. Kelada sem dúvida manteria pacificamente a hegemonia, pois o médico era preguiçoso e eu, frigidamente indiferente; mas havia também um homem chamado Ramsay como companheiro de mesa. Era tão dogmático como o Sr. Kelada e irritava-se amargamente com a inabalável firmeza do levantino (oriental). As discussões que travaram eram ardentes e intermináveis. Ramsay estava no serviço consular dos Estados Unidos em Kobe. Era um americano do meio oeste, grande e pesado. A gordura esticava-lhe a epiderme, e por sua vez esticara-lhe seus ternos de confecção. Viajava de volta para o seu posto, depois de uma rápida visita a Nova Iorque onde fora buscar a mulher, que estivera passando um ano em sua terra.

A Sr.ª Ramsay era uma mulher miúda e linda, de maneiras agradáveis e portadora de senso de humor. O serviço consular é mal pago e ela vestia com simplicidade, mas sabia tirar partido de seus vestidos. O efeito que causava era de serena distinção. Não teria lhe prestado atenção particular se ela não tivesse uma qualidade que poderá ser bastante comum nas mulheres, mas que hoje não é comum no comportamento delas. Não era possível olhar a Sr.ª Ramsay sem notar desde logo a sua modéstia. Fulgia na sua pessoa como uma flor na lapela. Uma noite, durante o jantar, a conversa casualmente recaiu sobre o tema pérolas.

Os jornais vinham noticiando a cultura de pérolas pelos hábeis processos dos japoneses e o médico observou que as pérolas cultivadas diminuiriam o valor das verdadeiras. Aquelas já eram ótimas; em breve seriam perfeitas. O Sr. Kelada, como era de seu hábito, embrenhou-se no novo tema. Disse-nos tudo o que havia sobre pérolas. Creio que Ramsay soubesse pouco sobre elas, mas não pôde resistir à oportunidade de zombar do levantino e, em cinco minutos, estávamos numa discussão exaltada.

Eu já assistira a outros gestos de impetuosidade e volubilidade do Sr. Kelada, nunca, porém, o vira tão impetuoso e volúvel como agora. Finalmente, estimulou-o qualquer coisa que Ramsay disse, porque ele deu um soco na mesa e gritou:

— Bem, acho que entendo do que estou falando. Vou ao Japão exatamente para tratar desse negócio de pérolas. Estou no ramo e não há qualquer homem no ramo que não lhe afirme que o digo sobre pérolas é lei. Conheço as melhores pérolas do mundo e o que não conheço não vale a pena conhecer.

Eram novas para nós, porque o Sr. Kelada, apesar de toda sua loquacidade, não dissera a ninguém qual a sua ocupação. Sabíamos apenas vagamente que ia ao Japão a negócios. Olhou a volta da mesa, triunfalmente.

— Os japoneses jamais conseguirão uma pérola cultivada que um perito, como eu, não conheça, olhando-a com o canto do olho. — Apontou para o colar que a Sr.ª Ramsay usava: — Pode confiar na minha palavra, Sr.ª Ramsay: "este colar que a senhora está usando nunca valerá um centavo menos do que vale agora."

A Sr.ª Ramsay, à sua maneira modesta, corou um pouco e empurrou o colar para dentro do vestido. Ramsay inclinou-se para a frente. Olhou para nós todos. Um sorriso brincava nos seus olhos.

— É um belo colar, esse da minha mulher, não acha?

— Notei-o logo — respondeu o Sr. Kelada — Hanhan, disse cá comigo; essas pérolas são verdadeiras.

— Não fui eu quem as comprou, naturalmente. Gostaria de saber quanto calcula que custaram.

— Oh, no comércio em grosso devem ter andado em quinze mil dólares. Mas se forem compradas na Quinta Avenida, não me surpreenderia se dissessem que o preço andou pelos trinta mil.

Ramsay sorriu com crueldade.

— Pois vai surpreender-se ao saber que a minha comprou esse colar no balcão de bijuterias de uma loja de departamentos na véspera de nossa saída de Nova Iorque por dezoito dólares.

O Sr. Kelada ruborizou-se.

— Tolice! O colar é legítimo; é, pelo tamanho, um dos mais belos que eu já vi.

— Quer fazer uma aposta? Aposto cem dólares como é imitação.

— Aceito.

— Ora Elmer, você não pode apostar numa certeza — disse a Sr.ª Ramsay.

Trazia um leve sorriso nos lábios e o tom de sua voz era levemente súplice.

— Acha? Se tenho uma oportunidade como esta de ganhar dinheiro facilmente, seria um tolo se não aproveitasse.

— Mas como vamos provar? — continuou ela. — é apenas a minha palavra contra a do Sr. Kelada.

— Permita-me examinar o colar; se for imitação, hei de lhe dizer logo. Posso perder cem dólares.— Disse o Sr. Kelada.

— Tire-o querida. Deixe o Sr. Kelada examiná-lo à vontade.

A Sr.ª Ramsay vacilou um momento. Levou as mãos ao fecho. — Não posso abrir — disse — O Sr. Kelada terá de contentar-se com a minha palavra.

Invadiu-me a súbita suspeita de que estava para acontecer qualquer coisa infeliz, e não me ocorreu nada para dizer. Ramsay levantou-se bruscamente.

— Eu abro.

Entregou o colar ao Sr. Kelada. O levantino retirou do bolso uma lupa e examinou-o atentamente. Um sorriso de triunfo espalhou-se pelo rosto liso e trigueiro. Devolveu o colar. Ia falar quando subitamente reparou no rosto da Sr.ª Ramsay. Estava tão pálido que parecia que ela ia desmaiar. Encarava-o de olhos muito abertos, aterrorizados. Transmitia um desesperado apelo; tão claro que estranhei que o marido não o notasse. O Sr. Kelada ficou silencioso, a boca entreaberta. Enrubesceu violentamente. Quase podia ver-se o esforço que fazia sobre si mesmo.

— Enganei-me — disse — É uma excelente imitação, mas naturalmente, quando examinei o colar com a lupa, vi que não era legítimo. Creio que vale dezoito dólares, no máximo.

— Talvez isso o ensine a não ser tão auto-suficiente de outra vez, meu jovem amigo — disse Ramsay tomando a nota.

Notei que as mãos do Sr. Kelada tremiam.

A história espalhou-se pelo navio, como sucede sempre com as histórias e, naquela noite, ele teve de enfrentar a zombaria de muitos. Era um grande motivo para hilariedade o ter sido apanhado em erro o Dr. Sabe-Tudo. Mas a Sr.ª Ramsay se retirou para o camarote com uma dor de cabeça.

Na manhã seguinte, levantei-me e pus-me a fazer a barba. O Sr. Kelada permanecia deitado, fumando. Subitamente, ouvi um pequeno roçar, e vi uma carta deslizando por baixo da porta. Abri a porta e olhei para fora. Não havia ninguém. Tomei da carta e vi que estava endereçada para o Sr. Kelada. O nome estava escrito em letras de fôrma. Entreguei-lhe.

— De quem é? — Abriu-a. — Oh!

Tirou do envelope não uma carta, mas uma nota de cem dólares. Olhou para mim e tornou a enrubescer. Rasgou o envelope em pedacinhos e os pôs na minha mão.

— Quer fazer o favor de atirar pela vigia?

Fiz o que me pedia e depois olhei-o com um sorriso.

— Ninguém gosta de passar por um perfeito idiota — disse ele.

— As pérolas eram legítimas?

— Se eu tivesse uma linda mulher, não a deixaria passar um ano em Nova Iorque, enquanto eu estivesse em Kobe... — disse-me.

Nesse momento, não antipatizei de todo com o Sr. Kelada. Ele estendeu a mão, tirou a carteira, e nela colocou cuidadosamente a nota de cem dólares.

Fonte:
W. Somerset Maugham. Contos (Collected Stories). Publicado em 1924.

Festival Virtual de Poesias Inéditas da Estância da Poesia Crioula (Prazo: 28 de maio)


DOS OBJETIVOS


Art. 1º- O Festival Virtual de Poesias Inéditas é uma promoção da Estância da Poesia Crioula e consiste em um concurso artístico-literário de poesia, declamação e acompanhamento musical com temática gauchesca regionalista, ou seja, aquela que expressa os “Usos e costumes do povo gaúcho”, que visa à valorização e difusão da cultura gaúcha, contribuindo, desta forma, para a preservação do patrimônio cultural do Rio Grande do Sul e promovendo o intercâmbio cultural com todos os povos, divulgando e valorizando o trabalho dos poetas, declamadores e amadrinhadores.

Art. 2º- A coordenação do Festival Virtual de Poesias Inéditas será exercida por sua Comissão Executiva que cuidará da divulgação, organização, avaliação dos poemas finalistas e premiação.

DO CONCURSO

Art. 3º - Poderão participar do Festival Virtual de Poesias Inéditas poetas, declamadores e amadrinhadores de todas as querências.

- Parágrafo único – É vedada a participação de poetas componentes da diretoria da Estância da Poesia Crioula.

Art. 4º - Somente poderão participar poemas inéditos, ou seja, não publicados e/ou gravados e que estejam relacionados aos objetivos do evento.

Art. 5º - As inscrições serão efetuadas mediante envio da ficha de inscrição devidamente preenchida. Os poemas deverão ser digitados em texto Word, constando o titulo, sem a identificação do autor. Cada poema deverá ter uma ficha de inscrição e uma cópia em anexo no e-mail:
1aestanciadapoesiacrioula@gmail.com

Art. 6º - Não serão aceitas inscrições de poemas entregues diretamente a membros da comissão avaliadora.

Art. 7º - Cada autor poderá inscrever até 03 (três) poemas, onde poderá vir a ser classificado somente 01 (um).

Art. 8º - As inscrições terão início dia 01 de maio de 2021 e encerram-se dia 28 de maio de 2021, às 23h59m, conforme envio no e-mail: 1aestanciadapoesiacrioula@gmail.com

Art. 9º - Encerrado o prazo para as inscrições, serão selecionados 10 (dez) poemas finalistas, podendo haver desclassificação em caso de comprovações duvidosas ou em desacordo com este regulamento.

Art. 10º – Após a triagem, os poemas classificados serão divulgados na página da Estância da Poesia Crioula no facebook e mídias sociais até 04 de junho de 2021.

Art. 11º - Após a divulgação da triagem, os autores dos poemas finalistas, terão o prazo de 05 (cinco) dias corridos, para indicar os interpretes e amadrinhadores e até o dia 18 de junho de 2021 para envio dos vídeos gravados dos poemas.

Art. 12º - O Festival Virtual de Poesias Inéditas será realizado em 27 de Junho de 2021, as 10 h, quando serão apresentados os 10 poemas finalistas na página da Estância da Poesia Crioula no facebook.

Art. 13º - Cada declamador poderá interpretar somente 01 (um) poema dos finalistas ou na forma de dueto e cada instrumentista poderá acompanhar, no máximo, 02 (dois) poemas finalistas.

Art. 14º - Os declamadores dos poemas finalistas e amadrinhadores, deverão estar pilchados com indumentária gaúcha.

Art. 15º - As apresentações dos poemas finalistas serão por vídeos, enviados antecipadamente, conforme Art. 11º.

Art. 16º - Os vídeos gravados deverão ter boa qualidade de imagem e áudio. Se for por celular deverá ser na horizontal. A gravação poderá ser rejeitada se julgada de baixa qualidade e deverá ser regravada em tempo hábil para o evento.

Art. 17º - O Festival Virtual de Poesias Inéditas não oferece ajuda de custo para custeio de gravações dos vídeos, que deverão ser gravados de forma remota e individual, conforme a vontade dos artistas.

Art. 18º - Todas as inscrições efetuadas, automaticamente, aceitam os termos deste regulamento e autorizam a publicação dos vídeos e imagens na página da Estância da Poesia Crioula no facebook e mídias sociais.

DA PREMIAÇÃO

Art. 19º - Após a apresentação dos vídeos dos poemas finalistas, serão divulgados os vencedores do Festival Virtual de Poesias Inéditas, que receberão as seguintes premiações de participação:

POEMA: 1º, 2º e 3º Lugar
Troféu e Antologias da Estância da Poesia Crioula

INTÉRPRETE - 1º, 2º e 3º Lugar
Troféu e Antologias da Estância da Poesia Crioula

AMADRINHADOR - 1º, 2º e 3º Lugar
Troféu e Antologias da Estância da Poesia Crioula

Melhor vídeo de apresentação: Troféu

Melhor indumentária de apresentação: Troféu

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 20º - Casos omissos e ou eventuais dúvidas surgidas no decorrer do Festival Virtual de Poesias Inéditas 1ª Estância da Poesia Crioula serão resolvidos pela Comissão Executiva.

COMISSÃO EXECUTIVA

Maxsoel Bastos de Freitas
Léo Ribeiro de Souza
Cândido Brasil
 

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Varal de Trovas 500

 


Coelho Neto (Esperança)

Será crível que ainda resistas ou dar-se-á que haja fantasmas de ilusões?

Serás tu mesmo que ficaste à flor do túmulo, flutuando na morte, e que assim me apareces como sombra do que já não existe?

Serás tu mesma, Esperança, que vens a mim do fundo da noite perpétua?

Contam-se estrelas no céu, mortas há milênios, cuja luz, entretanto, ainda nos deslumbra e guia.

Serás tu como tais astros?

Se és, em verdade, a Esperança, por que me martirizas, tu, que sempre nos socorres como incentivo; tu, que nos manténs as forças para que prossigamos e, na tarde da desdita, promete-nos a manhã da felicidade?

Se és tu, benéfica, porque te fazes cruel acordando-me a alma no coração com o timbre da sua voz, com o rumor dos seus passos como se o trouxesses do além em visita à minha saudade?

A tais ruídos ilusórios, que se levantam no silêncio, encolho-me em mim mesmo, atento, e ouço-te que me dizes em segredo: “Ei-lo aí”. Volto-me comovido, certo de que o vou encontrar, e só, então, me convenço de que fui vítima do teu sortilégio, quem quer que sejas, tu, que me trazes em tormentos de enganos.

Por que zombas de mim?

Não! Não podes ser tu, Esperança. Tu morreste com ele, foste com ele enterrada, desapareceste para todo o sempre com a sua mocidade.

E como me rondas anunciando-me a sua presença, como se fosse possível realizar o milagre dos milagres de arrancar do poder da morte a presa que ela arrebatou?

Não! Não podes ser tu, deve ser o teu espectro que me obsidia, porque tu, Esperança, ainda que sejas mentirosa, as tuas mentiras têm sempre um fundo de verdade — são como as teias de aranha que, parecendo soltas no ar, prendem-se por fios tênues a ramos ou folhas de árvores, ou como as miragens que espelham visualidades no horizonte, mentiras que, entretanto, são projeções do real.

Mas como podes tu reproduzir a morte, tirar vida da sepultura, ressuscitar o que jaz na terra?

Não! Não és a Esperança, deves ser alguma adversa.

Vou caminhando descuidado. De repente ouço-te a voz tão perto como se saísse de mim próprio. Escuto e dizes-me que ele ainda vive, que o vou encontrar adiante, em ponto que costumava frequentar.

Aguardo-o, busco-o na multidão, procuro-o em certos grupos e avisto-o. É ele! É o seu corpo senhoril, é o seu andar garboso.

Reconheço-lhe o traje.

Adianto-me com o coração contente e os olhos rasos de água e a ilusão, de súbito, desfaz-se.

Só, então percebo o logro, lembrando-me da impossibilidade do seu retorno, porque ao destino para onde ele partiu vai-se por uma ponte estreita, que só dá passagem a um por um, e a fila não se interrompe como o curso dos rios.

E como poderá ele regressar se, até hoje, desde que começou na vida a marcha para o abismo, nenhum outro conseguiu ainda remontar a correnteza perene?

Se sei que mentes por que hei de dar ouvidos ao que me dizes? Se estou certo de que é falso tudo quanto me segredas, como me deixo enganar, ainda contando com o que me prometes?

Por que hás de insistir na tortura? Por que assopras o cineral se não há nele centelha que reanime o lume?

Que nos enganes com a vida, compreende-se a vida existe; mas que nos tentes iludir com a morte, é crueldade.

Que posso eu esperar de onde tudo é nada?

E, todavia, espero. Não me conformo com a ideia de que ele não tornará mais, nunca mais! ao meu afeto.

Espero em vão, bem sei! mas bendigo-te, Esperança, bendigo-te porque manténs a ilusão em minha alma.

Se a Saudade não tivesse, para nutrir-se, o alimento que lhe atiras, devorava-nos o coração.

Bendita sejas, pois, Esperança, doce e triste alívio de desventurados.

Fonte:
Coelho Neto. Mano – livro da saudade. Publicado em 1924.