Há uma regra não escrita, mas que parece ter validade mundial ontem, hoje e sempre: quando o leitor esbarra em um erro ortográfico ou de gramática, o livro inteiro desce um degrau no conceito. Milhares de palavras íntegras e orações perfeitas são maculadas por um deslize. Ou, o que é pior: as ideias expostas, a história contada, as teses defendidas sofrem um abalo sísmico. Quando a compreensão é atingida pelo erro, vá lá, estamos diante de muitos graus na Escala Richter. Porém, na maioria acachapante dos casos, a falha passa despercebida por muita gente, e em nada afeta o conteúdo. O que minimiza o fato, mas não destrói a questão de que haverá desmerecimento.
Por isso sempre fui e sempre serei um fã incondicional dos revisores. Eles estão ali para garantir a saúde do texto oferecendo uma segunda opinião. Os brilhantes, e não são muitos, leem palavras, frases e parágrafos permanecendo vigilantes ao sentido. Manuseiam as vírgulas com a delicadeza de um ourives; notam os acentos como um maestro a escutar cada detalhe da orquestra; caçam falhas de digitação como a tricotadeira que não perde um só ponto. São atentos como o analista, seguros de que o discurso poderá trair o desejo do escritor (para o bem ou para o mal). Então, apontando a falha no ato, darão ao autor a rara oportunidade de pensar melhor antes de o livro ser impresso.
Sei que não é fácil receber o original de volta da revisão. É triste ver que poucas páginas escapam virgens – o que exige muita humildade no momento de aceitar ou recusar as modificações sugeridas. A primeira reação é um enorme "não é possível, eu redijo bem, o revisor quer escrever por mim". Depois, aos poucos, domamos a fera e baixamos a crista, reconhecendo que a vaidade sempre foi péssima conselheira. Quando redator publicitário, eu implorava por revisão considerando o próprio autor o menos qualificado para o trabalho. Em uma agência consegui que a coordenadora de produção lesse os textos, e muita dor de cabeça foi evitada. Desconfie dos que odeiam revisores; achar-se infalível é a primeira de muitas falhas. E a maior delas.
Pena que na vida não tenhamos essa figura tão útil a marcar em vermelho nossas palavras e atitudes. Para muitos, revisor de plantão seria luxo. Para outros, porém, necessidade. O problema é que o revisor acabaria mal visto ou mal interpretado justamente por quem mais precisa dele.
- Olha, lá, que linda! Vou chegar nela e dizer "Que tal darmos as mãos para mim dançar contigo"?
" O certo seria "eu dançar contigo".
- Eu dançar com você? Jamais!
- Não, você não entendeu: é "eu" com ela.
- Nada disso! Vi primeiro. Além do mais, sou o autor da cantada. Você, no máximo, revisa.
- Tá bom, tá bom. Vou sugerir outra forma, já que você não alcançou; "que tal dançarmos juntos".
- Ih, olha aí o cara! Só pode estar de brincadeira. Homenagem atroz, só comigo e duas mulheres, compreendeu?
- Ménage à trois. É francês.
- Só podia ser mesmo: coisa de fresco. Levo outro homem para cama e, quando vejo, a vaca torce o rabo.
- É a porca quem torce o rabo. A vaca vai para o brejo.
- Bem isso. Olha lá: outro cara pegou a menina na frente de eu.
- Na minha frente.
- Que seja, então, na frente de nós dois. Ei, espera, aonde você vai ?
- "Mim" precisa de um uísque…
Por isso sempre fui e sempre serei um fã incondicional dos revisores. Eles estão ali para garantir a saúde do texto oferecendo uma segunda opinião. Os brilhantes, e não são muitos, leem palavras, frases e parágrafos permanecendo vigilantes ao sentido. Manuseiam as vírgulas com a delicadeza de um ourives; notam os acentos como um maestro a escutar cada detalhe da orquestra; caçam falhas de digitação como a tricotadeira que não perde um só ponto. São atentos como o analista, seguros de que o discurso poderá trair o desejo do escritor (para o bem ou para o mal). Então, apontando a falha no ato, darão ao autor a rara oportunidade de pensar melhor antes de o livro ser impresso.
Sei que não é fácil receber o original de volta da revisão. É triste ver que poucas páginas escapam virgens – o que exige muita humildade no momento de aceitar ou recusar as modificações sugeridas. A primeira reação é um enorme "não é possível, eu redijo bem, o revisor quer escrever por mim". Depois, aos poucos, domamos a fera e baixamos a crista, reconhecendo que a vaidade sempre foi péssima conselheira. Quando redator publicitário, eu implorava por revisão considerando o próprio autor o menos qualificado para o trabalho. Em uma agência consegui que a coordenadora de produção lesse os textos, e muita dor de cabeça foi evitada. Desconfie dos que odeiam revisores; achar-se infalível é a primeira de muitas falhas. E a maior delas.
Pena que na vida não tenhamos essa figura tão útil a marcar em vermelho nossas palavras e atitudes. Para muitos, revisor de plantão seria luxo. Para outros, porém, necessidade. O problema é que o revisor acabaria mal visto ou mal interpretado justamente por quem mais precisa dele.
- Olha, lá, que linda! Vou chegar nela e dizer "Que tal darmos as mãos para mim dançar contigo"?
" O certo seria "eu dançar contigo".
- Eu dançar com você? Jamais!
- Não, você não entendeu: é "eu" com ela.
- Nada disso! Vi primeiro. Além do mais, sou o autor da cantada. Você, no máximo, revisa.
- Tá bom, tá bom. Vou sugerir outra forma, já que você não alcançou; "que tal dançarmos juntos".
- Ih, olha aí o cara! Só pode estar de brincadeira. Homenagem atroz, só comigo e duas mulheres, compreendeu?
- Ménage à trois. É francês.
- Só podia ser mesmo: coisa de fresco. Levo outro homem para cama e, quando vejo, a vaca torce o rabo.
- É a porca quem torce o rabo. A vaca vai para o brejo.
- Bem isso. Olha lá: outro cara pegou a menina na frente de eu.
- Na minha frente.
- Que seja, então, na frente de nós dois. Ei, espera, aonde você vai ?
- "Mim" precisa de um uísque…
Fonte:
Rubem Penz. Enquanto tempo: crônicas.
Rubem Penz. Enquanto tempo: crônicas.
Porto Alegre: BesouroBox, 2013.
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