LOGO QUE Furdelungo Gonozor deu a dentada certeira no pedaço de filé que estava em seu prato, o dente de cima, exatamente o do meio, foi junto, de roldão, com o naco de carne. Furdelungo fechou a boca correndo, segurou a carne para não engolir e se levantou como que impulsionado por um par de molas. Correu ao banheiro, com a mão direita tampando a boca, enquanto com a esquerda, fingia tirar alguma coisa movimentando um palito invisível.
Os amigos não entenderam bem seu pedido de desculpas balbuciado às carreiras, dito à boca torta, mas como estavam todos à deriva e entregues aos vapores do álcool, continuaram com seus copos bebendo tranquilamente como se nada de anormal tivesse acontecido.
Na verdade não aconteceu mesmo. O fato de Furdelungo ter mordido a carne e, na mesma abocanhada deixado ir junto o dente, o problema era dele, só dele. Os amigos de farra não tinham nada a ver com o problema. Desta forma, ao galgar o reservado, se trancou na primeira privada que viu aberta. Em seguida, depois de se certificar de que não havia ninguém estranho por perto, se aproximou do espelho a fim de analisar o tamanho do estrago.
Cuspiu nas mãos a carne mastigada e procurou, no que restara dela: o pedaço do dente. Só então se propôs a encarar diretamente a lâmina de cristal diante de si. Arregalou os olhos. Ficou assustado com a cratera aberta. Parecia maior que o buraco deixado pelo Word Trade Center em Nova York, depois dos operários terem retirado a última viga de concreto que pertencera às saudosas Torres Gêmeas.
O que fazer? Não poderia retornar à mesa daquele jeito. Jamais! Nem encarar os colegas. A não ser que ficasse de boca fechada, mudo, feito uma porta mal humorada o resto do dia. Não daria certo. Lembrou-se de um tubo de Super Bonder que pegara a mania de carregar na bolsa junto com os documentos pessoais, depois que levara um coice de um cavalo num acampamento onde fora passar um final de semana com alguns colegas e seus óculos, nessa ocasião, devido ao incidente com o quadrúpede, foram parar longe, quebrados e amassados, com as lentes cada uma para um canto, mais sobressaltadas que a própria armação.
O negócio, agora, era ir até o carro, discretamente pegar a bolsa no bagageiro e tentar colar o pedaço no lugar de onde se soltara. Antes de deixar o WC, lavou bem lavado o valioso caquinho, assoprou e enxugou cuidadosamente em seu lenço, e então seguiu até seu automóvel. Passou a mão na bolsa e retornou ao lavatório.
Gastou quase uma eternidade para fazer a operação “tapa buraco” improvisando uma espécie de restauração paliativa que, pelo menos, aguentasse até o dia seguinte, segunda-feira e não o fizesse passar uma vergonha maior diante da galera. Se os amigos dessem com ele, daquele jeito e, pior, naquele estado desesperador, sem o dente da frente, certamente iriam cair na gargalhada e a gozação seria inevitavelmente fulminante. Dentinho colado e reposto novamente no lugar de origem, voltou a se olhar no vidro metalizado.
Sorriu largamente. O trabalho ficara perfeito. Ninguém notaria a diferença. Precisaria agora, ter só um pouco de atenção, mastigar devagar e pausadamente os alimentos e não abusar muito da sorte. Qualquer descuido seria fatal, inclusive se não tomasse o mínimo de cuidado, poderia vir a engolir o pedaço de dente e aí sim, até que um profissional moldasse outro, obviamente ficaria uns dias em seu quarto trancafiado e longe de todos. Tudo pronto, tudo em cima, tudo legal, como mandava o figurino. Guardou a cola salvadora e se dispôs a sair.
O diabo quando não vem, manda o secretário. Dito e feito. No que chega à porta vai e vem, eis que, sem esperar, surge a rapaziada em sentido contrário (os amigos que ele deixara na mesa) que, embora tivessem bebido um pouco além da conta, acabaram sentindo a ausência um tanto prolongada de Furdelungo Gonozor. O que encabeçava a frente do grupo, estabanadamente, empurrou com toda a força as duas bandas da portinhola, e o fez com vontade e sem nenhum tipo de aviso. Também, avisar a quem?
Desta sorte, o troço, ao ser aberto, foi de encontro à boca de Furdelungo, que sem esperar, recebeu literalmente uma pancada igual, ou pior que o coice do quadrúpede do acampamento. Pego de surpresa pela segunda vez, escorregou e voou diretamente para o chão caindo de boca no piso ladrilhado.
Um pequeno filete de sangue pôs-se a escorrer intermitentemente. Os amigos se dignaram indignadamente a socorrê-lo, apavorados, gritando, espavoridos, alarmados, boquiabertos e, de certa forma, apatetados diante daquela cena inesperada. Sem saber exatamente o que acontecia, um dos rapazes pisou nos óculos de Furdelungo. Um segundo que se posicionara logo atrás, calcou (sem querer, claro), a sola de seu tênis em cima de uma chusma de sangue, exatamente onde caíra o caquinho de dente recém-colado.
— Furdelungo, meu brother... você está bem? Foi mal! Acabei de quebrar seus óculos.
“Minha Santa Luzia Protetora dos olhos, e agora???...” — resmungou intimamente Furdelungo Gonozor. Queria sumir, escafeder, virar purpurina. Ser abduzido, morrer, se pudesse optar por uma escolha. Acabara de perder seu precioso pedacinho de dente. Os óculos, os óculos que se danem pra lá.
Os amigos não entenderam bem seu pedido de desculpas balbuciado às carreiras, dito à boca torta, mas como estavam todos à deriva e entregues aos vapores do álcool, continuaram com seus copos bebendo tranquilamente como se nada de anormal tivesse acontecido.
Na verdade não aconteceu mesmo. O fato de Furdelungo ter mordido a carne e, na mesma abocanhada deixado ir junto o dente, o problema era dele, só dele. Os amigos de farra não tinham nada a ver com o problema. Desta forma, ao galgar o reservado, se trancou na primeira privada que viu aberta. Em seguida, depois de se certificar de que não havia ninguém estranho por perto, se aproximou do espelho a fim de analisar o tamanho do estrago.
Cuspiu nas mãos a carne mastigada e procurou, no que restara dela: o pedaço do dente. Só então se propôs a encarar diretamente a lâmina de cristal diante de si. Arregalou os olhos. Ficou assustado com a cratera aberta. Parecia maior que o buraco deixado pelo Word Trade Center em Nova York, depois dos operários terem retirado a última viga de concreto que pertencera às saudosas Torres Gêmeas.
O que fazer? Não poderia retornar à mesa daquele jeito. Jamais! Nem encarar os colegas. A não ser que ficasse de boca fechada, mudo, feito uma porta mal humorada o resto do dia. Não daria certo. Lembrou-se de um tubo de Super Bonder que pegara a mania de carregar na bolsa junto com os documentos pessoais, depois que levara um coice de um cavalo num acampamento onde fora passar um final de semana com alguns colegas e seus óculos, nessa ocasião, devido ao incidente com o quadrúpede, foram parar longe, quebrados e amassados, com as lentes cada uma para um canto, mais sobressaltadas que a própria armação.
O negócio, agora, era ir até o carro, discretamente pegar a bolsa no bagageiro e tentar colar o pedaço no lugar de onde se soltara. Antes de deixar o WC, lavou bem lavado o valioso caquinho, assoprou e enxugou cuidadosamente em seu lenço, e então seguiu até seu automóvel. Passou a mão na bolsa e retornou ao lavatório.
Gastou quase uma eternidade para fazer a operação “tapa buraco” improvisando uma espécie de restauração paliativa que, pelo menos, aguentasse até o dia seguinte, segunda-feira e não o fizesse passar uma vergonha maior diante da galera. Se os amigos dessem com ele, daquele jeito e, pior, naquele estado desesperador, sem o dente da frente, certamente iriam cair na gargalhada e a gozação seria inevitavelmente fulminante. Dentinho colado e reposto novamente no lugar de origem, voltou a se olhar no vidro metalizado.
Sorriu largamente. O trabalho ficara perfeito. Ninguém notaria a diferença. Precisaria agora, ter só um pouco de atenção, mastigar devagar e pausadamente os alimentos e não abusar muito da sorte. Qualquer descuido seria fatal, inclusive se não tomasse o mínimo de cuidado, poderia vir a engolir o pedaço de dente e aí sim, até que um profissional moldasse outro, obviamente ficaria uns dias em seu quarto trancafiado e longe de todos. Tudo pronto, tudo em cima, tudo legal, como mandava o figurino. Guardou a cola salvadora e se dispôs a sair.
O diabo quando não vem, manda o secretário. Dito e feito. No que chega à porta vai e vem, eis que, sem esperar, surge a rapaziada em sentido contrário (os amigos que ele deixara na mesa) que, embora tivessem bebido um pouco além da conta, acabaram sentindo a ausência um tanto prolongada de Furdelungo Gonozor. O que encabeçava a frente do grupo, estabanadamente, empurrou com toda a força as duas bandas da portinhola, e o fez com vontade e sem nenhum tipo de aviso. Também, avisar a quem?
Desta sorte, o troço, ao ser aberto, foi de encontro à boca de Furdelungo, que sem esperar, recebeu literalmente uma pancada igual, ou pior que o coice do quadrúpede do acampamento. Pego de surpresa pela segunda vez, escorregou e voou diretamente para o chão caindo de boca no piso ladrilhado.
Um pequeno filete de sangue pôs-se a escorrer intermitentemente. Os amigos se dignaram indignadamente a socorrê-lo, apavorados, gritando, espavoridos, alarmados, boquiabertos e, de certa forma, apatetados diante daquela cena inesperada. Sem saber exatamente o que acontecia, um dos rapazes pisou nos óculos de Furdelungo. Um segundo que se posicionara logo atrás, calcou (sem querer, claro), a sola de seu tênis em cima de uma chusma de sangue, exatamente onde caíra o caquinho de dente recém-colado.
— Furdelungo, meu brother... você está bem? Foi mal! Acabei de quebrar seus óculos.
“Minha Santa Luzia Protetora dos olhos, e agora???...” — resmungou intimamente Furdelungo Gonozor. Queria sumir, escafeder, virar purpurina. Ser abduzido, morrer, se pudesse optar por uma escolha. Acabara de perder seu precioso pedacinho de dente. Os óculos, os óculos que se danem pra lá.
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Texto enviado pelo autor.
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