Jorge chegou da rua irritado, descarregou em cima da mulher:
— Não aguento mais as despesas. O ônibus subiu, o cigarro aumentou, os impostos se multiplicam, o cafezinho não para, só o meu lucro não cresce.
A mulher simplificou tudo:
— Por que você não faz greve?
Ele quis rir, mas a vontade era pouca, acabou gritando:
— Se eu fizer greve, Ester, morremos os dois de fome. Não vê que a minha profissão é liberal? Se eu não trabalhar, não ganho nada. Ainda não inventaram o sindicato particular pra defender os direitos individuais. Além do mais, greve particular não pega, se a gente não trabalha, perde a clientela.
Ester virou o rosto, começou a abrir os embrulhos de compras:
— Olha, você se queixa, mas as costureiras estão cobrando os olhos da cara. Esse vestidinho aqui, simples, simples, só de feitio foi quinhentas pratas, fora a fazenda. E esta sandália italiana, feita no Brasil, foi seiscentos e cinquenta, a italiana mesmo custa mil e quinhentos, pra fazer economia comprei duas nacionais. E esta bolsa, olha aí, sem nada, nenhum enfeite, novecentos e um, tive de implorar pro homem deixar por novecentos, você me conhece, passo qualquer vexame pra fazer poupar o seu dinheirinho. E esta calcinha de lycra...
— Chega! Não quero ver nem ouvir mais nada. Me arrebento feito um cão pra fazer frente à inflação e você me aparece com esse luxo todo. Cadê a mesada que lhe dei?
Ester abriu a bolsa e contou as notas:
— Está aqui. Ainda tem duzentos e vinte cruzeiros e oitenta centavos. E ainda estamos no dia 15.
Jorge se queimou:
— E onde é que você vai arranjar o resto? Ela fez ar de superioridade:
— Pode deixar que me ajeito. Nunca lhe pedi mais do que você me dá, pedi?
Jorge não se conteve:
— Então me explica esse milagre que o papai aqui também quer fazer, tá, meu bem?
Ester deu uma gargalhada, foi pro quarto com os embrulhos, meteu tudo dentro do armário. Jorge ficou andando de um lado para o outro, impaciente. Chamou várias vezes, a mulher não respondeu. Duas horas depois, ela apareceu, elegantemente vestida, cercada de perfume por todos os lados. Jorge impediu sua passagem:
— Aonde é que você vai assim toda bacana? Ela ajeitou o broche de ouro, piscou os olhos com os cílios postiços, falou com voz pausada:
— Vou buscar o resto da mesada, meu caro. Você não queria saber o milagre? Pois fique sabendo que o santo de casa também faz milagre. Entra aí no quarto, tem um vestido que é o seu tamanho exato, por que não tenta?
Ester bateu a porta e deixou Jorge trancado no seu silêncio e na sua humilhação. Pegou uma garrafa de uísque e durante muito tempo passou bebendo, diante do vestido vazio. Duas horas depois, abriu a porta do apartamento com dificuldade. Quando ia entrar no elevador tropeçou e caiu em cima da vizinha que chegava:
— Que é isso, Dr. Jorge? Com salto sete e meio o senhor precisa andar com mais cuidado. Além disso, anágua não se usa mais e a sua está aparecendo.
Morto de vergonha, Jorge voltou pra casa e foi se olhar no espelho. Tinha esquecido de raspar o bigode.
— Não aguento mais as despesas. O ônibus subiu, o cigarro aumentou, os impostos se multiplicam, o cafezinho não para, só o meu lucro não cresce.
A mulher simplificou tudo:
— Por que você não faz greve?
Ele quis rir, mas a vontade era pouca, acabou gritando:
— Se eu fizer greve, Ester, morremos os dois de fome. Não vê que a minha profissão é liberal? Se eu não trabalhar, não ganho nada. Ainda não inventaram o sindicato particular pra defender os direitos individuais. Além do mais, greve particular não pega, se a gente não trabalha, perde a clientela.
Ester virou o rosto, começou a abrir os embrulhos de compras:
— Olha, você se queixa, mas as costureiras estão cobrando os olhos da cara. Esse vestidinho aqui, simples, simples, só de feitio foi quinhentas pratas, fora a fazenda. E esta sandália italiana, feita no Brasil, foi seiscentos e cinquenta, a italiana mesmo custa mil e quinhentos, pra fazer economia comprei duas nacionais. E esta bolsa, olha aí, sem nada, nenhum enfeite, novecentos e um, tive de implorar pro homem deixar por novecentos, você me conhece, passo qualquer vexame pra fazer poupar o seu dinheirinho. E esta calcinha de lycra...
— Chega! Não quero ver nem ouvir mais nada. Me arrebento feito um cão pra fazer frente à inflação e você me aparece com esse luxo todo. Cadê a mesada que lhe dei?
Ester abriu a bolsa e contou as notas:
— Está aqui. Ainda tem duzentos e vinte cruzeiros e oitenta centavos. E ainda estamos no dia 15.
Jorge se queimou:
— E onde é que você vai arranjar o resto? Ela fez ar de superioridade:
— Pode deixar que me ajeito. Nunca lhe pedi mais do que você me dá, pedi?
Jorge não se conteve:
— Então me explica esse milagre que o papai aqui também quer fazer, tá, meu bem?
Ester deu uma gargalhada, foi pro quarto com os embrulhos, meteu tudo dentro do armário. Jorge ficou andando de um lado para o outro, impaciente. Chamou várias vezes, a mulher não respondeu. Duas horas depois, ela apareceu, elegantemente vestida, cercada de perfume por todos os lados. Jorge impediu sua passagem:
— Aonde é que você vai assim toda bacana? Ela ajeitou o broche de ouro, piscou os olhos com os cílios postiços, falou com voz pausada:
— Vou buscar o resto da mesada, meu caro. Você não queria saber o milagre? Pois fique sabendo que o santo de casa também faz milagre. Entra aí no quarto, tem um vestido que é o seu tamanho exato, por que não tenta?
Ester bateu a porta e deixou Jorge trancado no seu silêncio e na sua humilhação. Pegou uma garrafa de uísque e durante muito tempo passou bebendo, diante do vestido vazio. Duas horas depois, abriu a porta do apartamento com dificuldade. Quando ia entrar no elevador tropeçou e caiu em cima da vizinha que chegava:
— Que é isso, Dr. Jorge? Com salto sete e meio o senhor precisa andar com mais cuidado. Além disso, anágua não se usa mais e a sua está aparecendo.
Morto de vergonha, Jorge voltou pra casa e foi se olhar no espelho. Tinha esquecido de raspar o bigode.
Fonte:
Leon Eliachar. A mulher em flagrante. (desenhos e paginação de Fortuna). Publicado em 1965.
Leon Eliachar. A mulher em flagrante. (desenhos e paginação de Fortuna). Publicado em 1965.
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