EU NÃO ME CHAMO TOB. Foi, todavia, este nome que me dei, por conta própria, de mentirinha. Sou um gato. Um gato de verdade. Um pequeno felino com pelos bonitos, bem cuidados e bem tratados. Apesar disto, não gosto deste meu nome que achei ou li não me recordo onde. Nem um pouco ele me atrai. Acho que Tob não pega bem para um doméstico da minha envergadura.
Se eu pudesse ser batizado, mudaria, ou escolheria um patronímico mais simpático, mais atraente, mais chamativo, mais condizente com a minha raça. Embora viva dentro de casa, e tenha uma vida maravilhosa, de rei, não sou nenhum destes bichanos gorduchos e preguiçosos. Nem durmo no saco. Não caço ratos. Minha comida é de primeira e meus donos (principalmente a Luaninha, no albor dos quinze anos, com aquele adorno na cabeça, em forma de barrete, cobrindo os longos cabelos em cachos, única filha de dona Rita e seu Moisés) me tratam como se eu pertencesse à família.
Outro dia comentei com meu amigo que mora na praça aqui perto. Ele é um gato sujo, sarnento, cheio de pulgas, carroceria corrida, anda todo torto, e descadeirado. Não tem nome de batismo, eu o chamo de Chico. Chico, coitado, um dia come, outro passa fome. Um dia bebe outro não. Anda miando de déu em déu, o infeliz, jogado à sorte, ao Deus dará.
Quando falei em trocar de nome, ele se virou para mim e argumentou com a sapiência dos animais que, embora sem um pingo de sorte nos costados, têm uma larga experiência de vida, pelos maus momentos que traz grudado pelos escaldados horríveis da vida.
— Que nome gostaria de ter?
— Pensei em Salem...
— Isso lá é nome de gato? O que me diz de Tom?
— Já existe um montão, Chico. Sem contar que temos um simpático muito famoso. Lembra do Jerry da televisão? O que me diz de Tim?
— Tim? Ki...ki...ki... você acabaria virando alvo de piadinhas de mau gosto...
— Como assim?
— Seus amigos, menos eu, claro, lhe alcunhariam de Fim, Mim, Sim, Quim, Vim... Imagine, “e ai, amigo Pim! Tudo bem?”.
— Restaria, então, Bob!
— Bob, meu chapa, é nome de gato preguiçoso e lerdo. E você não me parece um gato molenga. Pelo menos na aparência. Você é gato de “madame”, de família abastada. De boa família, por sinal. E o mais importante: tem pedigree.
— Mesmo assim eu queria mudar de nome. O que eu mesmo me dei, por conta, Tob, está me deixando incomodado...
— Deixa de bobeira, Tob. Tira isto da cabeça. Procure se espelhar em mim, como exemplo.
— Como exemplo? Estou voando. Desenha!
— Filtra de novo!
— Como disse?
— Esquece, Tob. Veja minha situação. Nem nome tenho. Você que me arranjou este tal de Chico. Pois bem. Sem falar, mas já falando, não tenho um lar. Vivo ao relento, jogado, em busca de restos de comida e camundongos. Na moral, colega. Preferiria mil vezes ser chamado de Tob e desfrutar de um cantinho só meu, que ser este Chico aqui que você tão bem conhece e vive assim, como eu vivo, aliás, como vegeto. Pobre, maltratado, precisando, como se diz aí no mundo dos humanos: “Matar um leão a cada dia para sobreviver”. Desculpe o que vou dizer, Tob. Você chora de barriga cheia. Deus, meu prezado, não dá asas à cobra.
— Tudo bem. Estou de acordo com o que disse. Mas quero mudar de nome.
— Tob!...
— Falo sério, Chico. Nunca falei tão sério em minha vida. Me ajuda aí, vai!...
— Calma.
— Estou calmo.
— Relaxa.
— Estou relaxado.
— Um... ah... sim... claro...
— Desembucha, Chico.
— O que me diz de Stuart Little?
— Stuart Little?
— Sim, meu amigo. Era aquele pequeno gato... ou era rato...?... não me recordo...! No filme “O pequeno Stuart, dublado pelo grande ator Rodrigo Santoro.
— Stuart Little? Acho meio americanizado.
— Como disse?
— Filtra de novo!
— Aprendeu, hein malandro? Estou gostando de ver...
— Não tem outro, Chico?
— Sim, me veio à mente agora. Como não pensei nisso antes? Burro, como sou burro!
— Deixa de se mimosear, cara. Fala. No que pensou?
— No gato Snowbell!
— Sei... sei... e quem dublou este gato? O Rodrigo Santoro?
— Não, Snowbell quem dublou foi o Miguel Falabella. Como ele tem cinco gatos, ou pelo menos, na época possuía cinco persas, Flora, Nicoleta, Scarlet, Zípora e Farac...
— Chico, como sabe de tudo isto?
— Velha história, meu chapa. Nem gosto de lembrar...
— Fala ai, mano velho. Se abre comigo...
— Ta legal. Namorei Scarlet. Meu Pai amado, que gata!...
— E por que não ficou com ela?
— Porque o Caco Antibes foi mais esperto.
— Quem, Gato Antibes?
— Caco, seu besta. Caco. Caco Antibes. Era um personagem do Falabella em “Sai de baixo”. Mas deixa pra lá. Vamos focar no nome. Stuart Little ou Snowbell?
— Stuart Little cairia melhor...
— Não simpatizou com Snowbell?
— Stuart Little, como você relatou aí, foi dublado pelo Rodrigo Santoro, o grande.
— Certo, meu camarada. Só não recordo se Stuart era um gato ou um rato... ou as duas coisas ao mesmo tempo...
— Pois é... bem... acho que vou ficar com esse Stuart mesmo. Ainda que a contragosto, por ser, como disse, bastante americanizado.
— Papagaios, mano. Não gostou do Snowbell?
— Não é isto, Chico. É que estou me recordando agora. Snowbell era meio... meio abichalhado. “Gato-gata”. Não iria pegar bem. De mais a mais, na minha idade, entrar no armário, sair do armário... dar uma desmunhecada... fora de cogitação. Como Luaninha me veria? Decidido! Ficarei com o Rodrigo Santoro, O Grande.
— Você quer dizer, adotará o Stuart Little?
— Com certeza!
— Mas Little é um rato ou um gato? Que droga, sinceramente não me recordo com precisão. Rato, gato, gato, rato? Faz tempo! Ainda estava nos braços de Scarlet. Ah... bons tempos, aquele... não fosse o Miguel Falabella... Alto lá... quem é Luaninha?
— Uma gata, Chico. E que gata! Pense numa gata “maneira”, tipo cheguei...!
— Você nunca me falou dela...
— Chico, esquece. A partir de hoje, deixo de ser o Tob para ser o grande Stuart Little.
— OK. Só para lembrar. Grande foi o Rodrigo Santoro que dublou o bicho, mano. Não confunda.
— Foi mal. Não confundirei. Pode estar certo. Snowbell não me cairia bem. Fora de cogitação. De mais a mais, a Luaninha, minha dona... ei, alto lá, para seu governo, não quero lhe falar dela. Esquece a moça, digo a gata. Fique longe da minha beldade. Você com ela, ao lado dela... Credo em cruz, nem morta, Chico, nem morta... Ouviu?
— Como disse, Tob, digo Stuart?... A Luaninha, nesta confusão toda, é uma moça, ou é uma gata? Fiquei confuso. Responda, abre o jogo. Gata ou moça?
— Filtra de novo, Chico. Filtra de novo!
Se eu pudesse ser batizado, mudaria, ou escolheria um patronímico mais simpático, mais atraente, mais chamativo, mais condizente com a minha raça. Embora viva dentro de casa, e tenha uma vida maravilhosa, de rei, não sou nenhum destes bichanos gorduchos e preguiçosos. Nem durmo no saco. Não caço ratos. Minha comida é de primeira e meus donos (principalmente a Luaninha, no albor dos quinze anos, com aquele adorno na cabeça, em forma de barrete, cobrindo os longos cabelos em cachos, única filha de dona Rita e seu Moisés) me tratam como se eu pertencesse à família.
Outro dia comentei com meu amigo que mora na praça aqui perto. Ele é um gato sujo, sarnento, cheio de pulgas, carroceria corrida, anda todo torto, e descadeirado. Não tem nome de batismo, eu o chamo de Chico. Chico, coitado, um dia come, outro passa fome. Um dia bebe outro não. Anda miando de déu em déu, o infeliz, jogado à sorte, ao Deus dará.
Quando falei em trocar de nome, ele se virou para mim e argumentou com a sapiência dos animais que, embora sem um pingo de sorte nos costados, têm uma larga experiência de vida, pelos maus momentos que traz grudado pelos escaldados horríveis da vida.
— Que nome gostaria de ter?
— Pensei em Salem...
— Isso lá é nome de gato? O que me diz de Tom?
— Já existe um montão, Chico. Sem contar que temos um simpático muito famoso. Lembra do Jerry da televisão? O que me diz de Tim?
— Tim? Ki...ki...ki... você acabaria virando alvo de piadinhas de mau gosto...
— Como assim?
— Seus amigos, menos eu, claro, lhe alcunhariam de Fim, Mim, Sim, Quim, Vim... Imagine, “e ai, amigo Pim! Tudo bem?”.
— Restaria, então, Bob!
— Bob, meu chapa, é nome de gato preguiçoso e lerdo. E você não me parece um gato molenga. Pelo menos na aparência. Você é gato de “madame”, de família abastada. De boa família, por sinal. E o mais importante: tem pedigree.
— Mesmo assim eu queria mudar de nome. O que eu mesmo me dei, por conta, Tob, está me deixando incomodado...
— Deixa de bobeira, Tob. Tira isto da cabeça. Procure se espelhar em mim, como exemplo.
— Como exemplo? Estou voando. Desenha!
— Filtra de novo!
— Como disse?
— Esquece, Tob. Veja minha situação. Nem nome tenho. Você que me arranjou este tal de Chico. Pois bem. Sem falar, mas já falando, não tenho um lar. Vivo ao relento, jogado, em busca de restos de comida e camundongos. Na moral, colega. Preferiria mil vezes ser chamado de Tob e desfrutar de um cantinho só meu, que ser este Chico aqui que você tão bem conhece e vive assim, como eu vivo, aliás, como vegeto. Pobre, maltratado, precisando, como se diz aí no mundo dos humanos: “Matar um leão a cada dia para sobreviver”. Desculpe o que vou dizer, Tob. Você chora de barriga cheia. Deus, meu prezado, não dá asas à cobra.
— Tudo bem. Estou de acordo com o que disse. Mas quero mudar de nome.
— Tob!...
— Falo sério, Chico. Nunca falei tão sério em minha vida. Me ajuda aí, vai!...
— Calma.
— Estou calmo.
— Relaxa.
— Estou relaxado.
— Um... ah... sim... claro...
— Desembucha, Chico.
— O que me diz de Stuart Little?
— Stuart Little?
— Sim, meu amigo. Era aquele pequeno gato... ou era rato...?... não me recordo...! No filme “O pequeno Stuart, dublado pelo grande ator Rodrigo Santoro.
— Stuart Little? Acho meio americanizado.
— Como disse?
— Filtra de novo!
— Aprendeu, hein malandro? Estou gostando de ver...
— Não tem outro, Chico?
— Sim, me veio à mente agora. Como não pensei nisso antes? Burro, como sou burro!
— Deixa de se mimosear, cara. Fala. No que pensou?
— No gato Snowbell!
— Sei... sei... e quem dublou este gato? O Rodrigo Santoro?
— Não, Snowbell quem dublou foi o Miguel Falabella. Como ele tem cinco gatos, ou pelo menos, na época possuía cinco persas, Flora, Nicoleta, Scarlet, Zípora e Farac...
— Chico, como sabe de tudo isto?
— Velha história, meu chapa. Nem gosto de lembrar...
— Fala ai, mano velho. Se abre comigo...
— Ta legal. Namorei Scarlet. Meu Pai amado, que gata!...
— E por que não ficou com ela?
— Porque o Caco Antibes foi mais esperto.
— Quem, Gato Antibes?
— Caco, seu besta. Caco. Caco Antibes. Era um personagem do Falabella em “Sai de baixo”. Mas deixa pra lá. Vamos focar no nome. Stuart Little ou Snowbell?
— Stuart Little cairia melhor...
— Não simpatizou com Snowbell?
— Stuart Little, como você relatou aí, foi dublado pelo Rodrigo Santoro, o grande.
— Certo, meu camarada. Só não recordo se Stuart era um gato ou um rato... ou as duas coisas ao mesmo tempo...
— Pois é... bem... acho que vou ficar com esse Stuart mesmo. Ainda que a contragosto, por ser, como disse, bastante americanizado.
— Papagaios, mano. Não gostou do Snowbell?
— Não é isto, Chico. É que estou me recordando agora. Snowbell era meio... meio abichalhado. “Gato-gata”. Não iria pegar bem. De mais a mais, na minha idade, entrar no armário, sair do armário... dar uma desmunhecada... fora de cogitação. Como Luaninha me veria? Decidido! Ficarei com o Rodrigo Santoro, O Grande.
— Você quer dizer, adotará o Stuart Little?
— Com certeza!
— Mas Little é um rato ou um gato? Que droga, sinceramente não me recordo com precisão. Rato, gato, gato, rato? Faz tempo! Ainda estava nos braços de Scarlet. Ah... bons tempos, aquele... não fosse o Miguel Falabella... Alto lá... quem é Luaninha?
— Uma gata, Chico. E que gata! Pense numa gata “maneira”, tipo cheguei...!
— Você nunca me falou dela...
— Chico, esquece. A partir de hoje, deixo de ser o Tob para ser o grande Stuart Little.
— OK. Só para lembrar. Grande foi o Rodrigo Santoro que dublou o bicho, mano. Não confunda.
— Foi mal. Não confundirei. Pode estar certo. Snowbell não me cairia bem. Fora de cogitação. De mais a mais, a Luaninha, minha dona... ei, alto lá, para seu governo, não quero lhe falar dela. Esquece a moça, digo a gata. Fique longe da minha beldade. Você com ela, ao lado dela... Credo em cruz, nem morta, Chico, nem morta... Ouviu?
— Como disse, Tob, digo Stuart?... A Luaninha, nesta confusão toda, é uma moça, ou é uma gata? Fiquei confuso. Responda, abre o jogo. Gata ou moça?
— Filtra de novo, Chico. Filtra de novo!
Fonte:
Texto enviado pelo autor.
Parte integrante do livro de crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, ‘COMÉDIAS DA VIDA NA PRIVADA’ –
Texto enviado pelo autor.
Parte integrante do livro de crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, ‘COMÉDIAS DA VIDA NA PRIVADA’ –
Editora AMC-GUEDES - Rio de Janeiro. 2021
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