sábado, 15 de maio de 2021

Vinicius de Moraes em Prosa e Verso – 1

A maior solidão é a do ser que não ama


A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
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Ária para Assovio

Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio

As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és?

O madrigal se escreve:
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve

(Sê… mínima e breve
A música do perfume
Não guarda ciúme)
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A Você, Com Amor

O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia…
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar…

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda…

E a música inaudível…

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar…

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris
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A Impossível Partida

Como poder-te penetrar, ó noite erma, se os meus olhos cegaram nas luzes da cidade
E se o sangue que corre no meu corpo ficou branco ao contato da carne indesejada?…
Como poder viver misteriosamente os teus recônditos sentidos
Se os meus sentidos foram murchando como vão murchando as rosas colhidas
E se a minha inquietação iria temer a tua eloqüência silenciosa?…
Eu sonhei!… Sonhei cidades desaparecidas nos desertos pálidos
Sonhei civilizações mortas na contemplação imutável
Os rios mortos… as sombras mortas… as vozes mortas…
…o homem parado, envolto em branco sobre a areia branca e a quietude na face…
Como poder rasgar, noite, o véu constelado do teu mistério
Se a minha tez é branca e se no meu coração não mais existem os nervos calmos
Que sustentavam os braços dos Incas horas inteiras no êxtase da tua visão?…
Eu sonhei!… Sonhei mundos passando como pássaros
Luzes voando ao vento como folhas
Nuvens como vagas afogando luas adolescentes…
Sons… o último suspiro dos condenados vagando em busca de vida…
O frêmito lúgubre dos corpos penados girando no espaço…
Imagens… a cor verde dos perfumes se desmanchando na essência das coisas…
As virgens das auroras dançando suspensas nas gazes da bruma
Soprando de manso na boca vermelha dos astros…
Como poder abrir no teu seio, oh noite erma, o pórtico sagrado do Grande Templo
Se eu estou preso ao passado como a criança ao colo materno
E se é preciso adormecer na lembrança boa antes que as mãos desconhecidas me arrebatem?…
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Imagem: montagem por JG Feldman

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