segunda-feira, 24 de maio de 2021

José Lucas de Barros (Caderno Poético) VII, motes e glosas


"É mais feliz a velhice
Que é por alguém amparada."


Distante da meninice,
Nos remansos da saudade,
Havendo fraternidade
É mais feliz a velhice;
Há mais encanto e meiguice
Sobre a fronte esbranquiçada...
Mais branda se torna a estrada
Que é pisada com amor,
Como dói menos a dor
Que é por alguém amparada.
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Esse pecado que eu fiz
Só Deus pode perdoar.


Até ficarei feliz
Se o padre, por caridade,
Perdoar pela metade
Esse pecado que eu fiz.
Pecar não foi o que eu quis,
Vou dizer aos pés do altar
Quando for me confessar
Ao capuchinho barbudo,
Porém pecado rabudo
Só Deus pode perdoar.
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Eu vim ao mundo chorando,
Mas meu destino é cantar.


Mamãe me disse que quando
A parteira entrou no quarto,
Sem prejudicar seu parto
Eu vim ao mundo chorando;
A vida foi-me ensinando
Sorrir mais do que chorar,
Pela sorte ou pelo azar,
Que não vale viver triste;
Por isso, a tristeza existe,
Mas meu destino é cantar.
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Não pode haver poesia
No cheiro da gasolina.


Se o poeta passa o dia
Nos manejos de uma bomba,
O sonho suspira e tomba,
Não pode haver poesia;
Tudo quanto a musa cria
Vai caindo na rotina...
A neurose da buzina
Do motorista insistente
Sufoca e mata o repente
No cheiro da gasolina!

(Ao poeta Manoel Juvêncio da Silva, 
que trabalhava num posto de gasolina, 
em Serra Negra do Norte)
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"Nosso velho burocrata
Diz não ter substituto."


O livro cheira a barata,
O balcão suja os clientes;
Cochila detrás das lentes
Nosso velho burocrata.
Falta o termo, esquece a data,
Mastiga mais um minuto...
Pra recolher o tributo,
O freguês fica maluco,
Mas, mesmo assim, o caduco
Diz não ter substituto.
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"O bolo tem quatro velas
Que o tempo não apagou."


Quatro luminosas telas,
Quatro cristais de magia,
Por quatro anos de poesia
O bolo tem quatro velas;
Quatro esperanças singelas,
Quatro dons que o céu guardou,
Quatro almas que Deus salvou
Com quatro messes divinas,
Quatro estrelas peregrinas
Que o tempo não apagou.
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“Quero que a morte retarde,
Mas, chegando, seja breve!"


Não sei bem se sou covarde,
Ou tenho alguma coragem,
Mas minha fatal viagem
Quero que a morte retarde;
Ela vindo sem alarde,
Juro não lhe fazer greve...
Que a terra me seja leve
E que a hora derradeira
Não me venha de carreira,
Mas, chegando, seja breve!
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"Se eu não matar a saudade
Ela finda me matando!"


A própria felicidade
Parece chegar ao fim;
Não sei que será de mim,
Se eu não matar a saudade!
Todo instante ela me invade,
Machucando, machucando!
Não sei, meu Deus, até quando
Terei essa dor no peito!
Eu já vi que não há jeito,
Ela finda me matando!

Fonte:
José Lucas de Barros. Pelas trilhas do meu chão. 
Natal/RN: CJA Ed., 2014

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