domingo, 30 de maio de 2021

Estante de Livros (Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago)

Ensaio sobre a Cegueira é um romance publicado pela primeira vez em 1995, do escritor português José Saramago.

O romance é a mais famosa obra do português e três anos depois da publicação ganhou o Nobel de Literatura, em 1998.

Narra a história de uma epidemia de cegueira branca que se espalha por uma cidade e vai acometendo um por um, trazendo o caos e abalando as estruturas de uma sociedade civilizada.

É um romance que não apela pelo engraçado, não há alivio cômico. É uma obra que, mesmo sendo uma ficção, é bem detalhista e realista. Isto é, a amostra de uma possível realidade através da ficção.

De acordo com o próprio autor, é um livro terrível e com o intuito de fazer o leitor sofrer. Em uma apresentação pública sobre o romance, José Saramago disse:

Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.

PERSONAGENS PRINCIPAIS

Em Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago não identifica os personagens através de nomes, mas sim pelas características físicas, deficiências ou profissões que sejam consideradas marcantes.

O Primeiro Cego: o primeiro indivíduo que é acometido pela cegueira branca enquanto estava no trânsito.

O médico: é o oftalmologista, que é infectado após o contato com o Primeiro Cego.

A Mulher do Médico: a personagem mais relevante do romance e a única que consegue enxergar. Desta forma, é a orientadora e protetora dos infectados.

A mulher do Primeiro Cego: que vai reencontrar o marido no hospício.

O Cego Ladrão: morto pelos soldados ainda no manicômio.

O Velho da Venda Preta: era cego de um olho e paciente do Médico. A cegueira branca infectou o olho são.

Rapariga dos óculos escuros: prostituta, foi ao consultório do Médico devido a uma conjuntivite. No manicômio teve relações sexuais com ele.

O Rapazinho Estrábico: sem a mãe foi levado para o manicômio, e a Rapariga dos Óculos Escuros assume o papel materno.

O Cachorro das Lágrimas: animal de estimação adotado pela Mulher do Médico.

O cego da Pistola: comandante do grupo de cegos que causava terror dentro do manicômio.

O Cego da Contabilidade: o único que não foi infectado, pois já era cego antes da epidemia. Tinha vantagens sobre os outros, pois já sabia o alfabeto em braille e práticas de contabilidade.

Escritor: passa a morar no apartamento do Primeiro Cego, após ser expulso do seu. Mesmo com a cegueira branca não parou de escrever.

Resumo


Ensaio sobre a Cegueira começa com a narração de um homem em um sinal de trânsito, enquanto espera o sinal verde da sinaleira, e de repente uma nuvem branca começa a cobrir toda a sua visão. É o Primeiro Cego.

Contudo, não é uma cegueira tradicional, é uma cegueira branca, como se a visão tivesse sido acometida por um mar de leite. A sua mulher também contamina-se.

Tentando desvendar o problema da cegueira repentina, o Primeiro Cego vai a um oftalmologista buscar uma solução. Depois da consulta, o Médico também é acometido pela cegueira branca. Assim, a epidemia começa a se alastrar por toda a cidade.

Um Farmacêutico, uma Criança, um Ladrão, um Velho, um Médico. A cegueira se espalha como um vírus descontrolado que atinge qualquer pessoa, jovens e velhas, brancas e negras, pobre e ricas. A única que ficou isenta foi a Mulher do Médico.

Diante da epidemia, o governo decide colocar em quarentena, em um prédio que era um antigo manicômio, todas as pessoas que ficaram cegas .

Com recursos escassos e limitados, os instintos animais de sobrevivência começam à florar nas pessoas infectadas. A cada dia que passa mais pessoas vão sendo colocadas nesse ambiente, causando um caos cada vez maior.

Evitando o completo transtorno,  o Primeiro Cego, A mulher do Primeiro Cego, o Médico, a Mulher do Médico, o Velho e a Rapariga se juntam para tentar manter a organização e sobreviver em um ambiente em que as pessoas estavam se tornando irracionais.

Dentro do antigo hospício os infectados assumem um comportamento irracional de sobrevivência, exacerbando o instinto sexual, animal, social, ético, etc.

Isto é, fazem suas necessidades em qualquer lugar, matam sem motivo, estupram apenas pelo prazer de poder sobre o outro, comem a carne daqueles que estão mortos, etc. Enquanto isso, a epidemia atinge cada vez mais pessoas.

Os infectados ficaram presos em quarentena até que após um incêndio a Mulher do Médico, a única que não fora contaminada, percebe que não há mais guardas e que a epidemia tomou conta da cidade.

A Mulher do Médico descreve uma cena terrível do que se tornou a cidade. Corpos putrificados no meio da rua, cidade suja com fezes, ratos, lixos e urinas. Tudo junto, inclusive pessoas que ainda estavam vivas.

A partir de então, o desafio não é lutar por emprego, dinheiro ou sucesso, pois a cidade está toda destruída, mas sim conseguir abrigo, comida e sobrevida fora do manicômio.

Análise da obra

Ensaio sobre a Cegueira é contado em terceira pessoa, com narrador onisciente. O tipo de escrita é uma descrição fluida, com discurso direto mesclado com o indireto.

A escrita é típica do autor, sem recursos característicos do discurso direto, como parágrafo, travessão e aspas.

Além de não apresentar ponto de interrogação e exclamação, com os diálogos sendo identificados pelas letras maiúsculas para que o leitor não se confunda. Isto é, uma leitura marcada pela ausência de sinais de pontuação.

Ensaio sobre a Cegueira apresenta famosos ditados populares, como “Pior cego é aquele que não quer ver” e “Em terra de cego quem tem um olho é rei”.

O foco é fazer com que as pessoas passem a olhar para as outras, mas não com um olhar físico, mas olhar o interior, a essência do ser humano.

José Saramago foi muito resistente sobre a adaptação da obra para o cinema, mas, em 2008, um filme baseado no  foi lançado.

“Blindness” foi dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, que recebeu elogios de José Saramago sobre o longa-metragem.

“Estar tão feliz de ter visto o filme como estava quando acabou de escrever o livro. Agora conhecia a cara de suas personagens”.

TRECHOS DA OBRA

    “Por que foi que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.

    O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.

    Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou, Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam”.


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