Se me pedirem o nome de um grande gramático, é bem provável que o primeiro a brotar das minhas boas lembranças seja o do professor Walter Pelegrini, um dos mais respeitados pioneiros do ensino em Maringá. Tive a graça de conviver com vários outros notáveis conhecedores do nosso idioma, tais como Expedito Neme, Agostinho Baldin, Juliano Tamanini, Maria Céli Pazini, Leônidas Avelino. Porém Walter era realmente especial.
Nascido paulista em Gália (26-5-1940), formado em Letras e em Direito, veio bem jovem para Maringá. Poderia ter feito carreira brilhante como advogado, mas gostava mesmo era de ser professor, e como tal foi um dos mais competentes e admirados que a cidade já conheceu. Primeiro no Gastão e no Santa Cruz, depois como um dos primeiros docentes da UEM.
No dia em que ele precocemente faleceu (15-11-2003), senti um abalo muito forte. Fiquei pensando: puxa, que desperdício de talento e cultura. Um homem tão inteligente e que passou a vida inteira estudando e ensinando os mistérios e encantos da língua portuguesa... De repente... pufff... lá se foi o nosso Walter para a eternidade, levando uma riquíssima bagagem que poderia ter continuado a partilhar por muitos anos com milhares de alunos.
Certa vez ele enviou para a revista “”Aqui” um texto no qual usou a palavra “seriíssimo”. O revisor estranhou e amputou um “i”, reduzindo o elegante superlativo à sua variante informal: “seríssimo”. Walter telefonou explicando que a forma “seríssimo” também era aceita, porém ele preferia “seriíssimo”. Propuseram publicar novamente o texto na edição seguinte, dessa vez com os dois “ii” no devido lugar e com os respectivos pingos. Ele agradeceu, mas dispensou.
Dias após o querido mestre apareceu ao vivo na redação da “Aqui”. Pensaram que estava bravo. Não estava. Ria até. Mas a conversa com a rapaziada acabou virando uma “seriíssima” e proveitosa aula.
– Os adjetivos terminados em “io” – disse ele – formam o superlativo perdendo a vogal final e dobrando o ‘i’: precário–precariíssimo, sumário-sumariíssimo, sóbrio-sobriíssimo, macio-maciíssimo. Mas existem alguns casos interessantes: sábio, por exemplo, poderia ser “sabiíssimo”, no entanto superlativou-se como “sapientíssimo” (do latim sapiens, sapientis)... Quem sabe porque os sábios, em geral, sejam chegadões em línguas clássicas. E há o caso de “feiíssimo”, que, por ser difícil de pronunciar, no fim ficou sendo “feíssimo” mesmo...
Porém a paixão maior do professor Walter foi sempre o estudo da sintaxe. Relia com frequência longos trechos do bom Camões, só pelo prazer de caçar sujeitos, objetos e adjuntos em labirintos sintáticos geniais como este: “As armas e os barões assinalados que da ocidental praia lusitana por mares nunca dantes navegados passaram ainda além da Taprobana...”
Grande Walter Pelegrini, um personagem inesquecível, sapientíssimo e seriíssimo professor de todos nós que tivemos a bênção de receber suas preciosas aulas. Até um dia.
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Nascido paulista em Gália (26-5-1940), formado em Letras e em Direito, veio bem jovem para Maringá. Poderia ter feito carreira brilhante como advogado, mas gostava mesmo era de ser professor, e como tal foi um dos mais competentes e admirados que a cidade já conheceu. Primeiro no Gastão e no Santa Cruz, depois como um dos primeiros docentes da UEM.
No dia em que ele precocemente faleceu (15-11-2003), senti um abalo muito forte. Fiquei pensando: puxa, que desperdício de talento e cultura. Um homem tão inteligente e que passou a vida inteira estudando e ensinando os mistérios e encantos da língua portuguesa... De repente... pufff... lá se foi o nosso Walter para a eternidade, levando uma riquíssima bagagem que poderia ter continuado a partilhar por muitos anos com milhares de alunos.
Certa vez ele enviou para a revista “”Aqui” um texto no qual usou a palavra “seriíssimo”. O revisor estranhou e amputou um “i”, reduzindo o elegante superlativo à sua variante informal: “seríssimo”. Walter telefonou explicando que a forma “seríssimo” também era aceita, porém ele preferia “seriíssimo”. Propuseram publicar novamente o texto na edição seguinte, dessa vez com os dois “ii” no devido lugar e com os respectivos pingos. Ele agradeceu, mas dispensou.
Dias após o querido mestre apareceu ao vivo na redação da “Aqui”. Pensaram que estava bravo. Não estava. Ria até. Mas a conversa com a rapaziada acabou virando uma “seriíssima” e proveitosa aula.
– Os adjetivos terminados em “io” – disse ele – formam o superlativo perdendo a vogal final e dobrando o ‘i’: precário–precariíssimo, sumário-sumariíssimo, sóbrio-sobriíssimo, macio-maciíssimo. Mas existem alguns casos interessantes: sábio, por exemplo, poderia ser “sabiíssimo”, no entanto superlativou-se como “sapientíssimo” (do latim sapiens, sapientis)... Quem sabe porque os sábios, em geral, sejam chegadões em línguas clássicas. E há o caso de “feiíssimo”, que, por ser difícil de pronunciar, no fim ficou sendo “feíssimo” mesmo...
Porém a paixão maior do professor Walter foi sempre o estudo da sintaxe. Relia com frequência longos trechos do bom Camões, só pelo prazer de caçar sujeitos, objetos e adjuntos em labirintos sintáticos geniais como este: “As armas e os barões assinalados que da ocidental praia lusitana por mares nunca dantes navegados passaram ainda além da Taprobana...”
Grande Walter Pelegrini, um personagem inesquecível, sapientíssimo e seriíssimo professor de todos nós que tivemos a bênção de receber suas preciosas aulas. Até um dia.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 20-5-2021)
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Texto enviado pelo autor
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