CANÇÃO I
Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só si aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
CANÇÃO II
No desequilíbrio dos mares,
as proas giraram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que tu certamente vinhas.
Eu te esperei todos os séculos,
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.
Quando as ondas te carregaram,
meus olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro dessas águas sem fim.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
FIM
Ó tempos de incerta esperança
que assim vos desacreditastes!
Cresceram nuvens sobre a lua
e o vento passou pelas hastes.
Vinde ver meu jardim sem flores
no presente nem no futuro,
e a mão das águas procurando
um rumo pelo solo escuro!
Vinde ouvir a história da vida
no sopro da noite deserta.
Caíram as sombra das vozes
dentro da última estrela aberta.
Ai! tudo isto é letra do horóscopo...
E só tu, Estátua, resistes!
— Mas, embora nunca te quebres,
terás sempre os olhos mais tristes
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
MURMÚRIO
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
— vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no seu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
— vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
— Vê que nem te digo — esperança!
— Vê que nem sequer sonho — amor!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
SOLIDÃO
Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...
E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.
A noite fecha seus lábios
— terra e céu — guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.
Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
Fonte:
Cecília Meirelles. Viagem. Lisboa: Império, 1938.
Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só si aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...
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CANÇÃO II
No desequilíbrio dos mares,
as proas giraram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que tu certamente vinhas.
Eu te esperei todos os séculos,
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.
Quando as ondas te carregaram,
meus olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro dessas águas sem fim.
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FIM
Ó tempos de incerta esperança
que assim vos desacreditastes!
Cresceram nuvens sobre a lua
e o vento passou pelas hastes.
Vinde ver meu jardim sem flores
no presente nem no futuro,
e a mão das águas procurando
um rumo pelo solo escuro!
Vinde ouvir a história da vida
no sopro da noite deserta.
Caíram as sombra das vozes
dentro da última estrela aberta.
Ai! tudo isto é letra do horóscopo...
E só tu, Estátua, resistes!
— Mas, embora nunca te quebres,
terás sempre os olhos mais tristes
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MURMÚRIO
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
— vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no seu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
— vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
— Vê que nem te digo — esperança!
— Vê que nem sequer sonho — amor!
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SOLIDÃO
Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...
E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.
A noite fecha seus lábios
— terra e céu — guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.
Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
Fonte:
Cecília Meirelles. Viagem. Lisboa: Império, 1938.
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