sexta-feira, 7 de maio de 2021

Sammis Reachers (Lourival na Troca dos Leões)

Lourival, ainda muito jovem, decidiu ingressar na carreira de rodoviário. Naquele tempo era bem mais fácil tirar a carteira na categoria D. Era possível tirá-la direto, sem ter que passar pela B. Assim, com menos de 20 anos Lourival já era motorista. E numa das melhores (e também mais exigentes) empresas do estado: a Viação 1001.

Certa feita a empresa decidiu-se por colocar Lourival para dirigir numa linha importante: Rio de Janeiro x Governador Valadares (em Minas Gerais). Além de ser bem jovem, nosso amigo ainda era novo na empresa, e sentiu o peso da responsabilidade. Não podia dar mole.

O primeiro e segundo dias na nova linha foram tensos, mas transcorreram sem problemas, Mas, no terceiro dia... O ônibus estava parado no ponto final da Rodoviária Novo Rio. Os passageiros embarcavam normalmente.

Após algum tempo, Lourival, que estava no banheiro, se dirigiu ao veículo, e tranquilamente sentou-se em sua posição. Aí os problemas começaram. Um senhor já grisalho, grande e de voz grossa, levantou-se do meio do salão e dirigiu-se para a frente do veículo. Deu então uma boa olhada de cima a baixo no franzino Lourival e disse:

– Com você eu não viajo!

Em seguida, voltando-se para os outros passageiros já assentados, berrou:

– Eles vão colocar um moleque para pilotar esse ônibus. Querem arriscar nossa segurança nas mãos de um garotão que nem barba tem!

Antes que o pobre Lourival pudesse gaguejar alguma coisa, a confusão estava armada: outros passageiros, influenciados pelo velho encrenqueiro que não parava de falar, também se levantaram e começaram a matraquear.

E agora??? O pacato Lourival não sabia o que fazer. Ele era novo na empresa e mais novo ainda naquela muito boa linha; não poderia de jeito nenhum arrumar problema, mesmo sendo inocente.

Enquanto isso, o falatório continuava. Lourival já começara a suar de tão nervoso, quando de repente uma ideia veio lhe iluminar, no momento em que ele viu um outro companheiro rodoviário passando tranquilamente pela plataforma da rodoviária. Saltando do banco, Lourival contou sua estória, mandou seu "caô";

– Queridos, fiquem tranquilos que eu não vou dirigir este ônibus não. Sou só o manobrista. O motorista é aquele ali – disse, apontando para    o desavisado companheiro que andava do lado de fora do veículo.

Imediatamente Lourival desceu e, abraçando o rodoviário que ele nunca vira na vida, não perdeu tempo e foi logo contando sua história triste e também seu pequeno plano para o companheiro. O cidadão, mesmo um pouco contrariado, resolveu salvar a pele do nosso amigo. Entrou no veículo, cumprimentou os passageiros, que se acalmaram. Em seguida, pediu licença e fechou a pequena portinhola, que em muitos ônibus de viagem, separam a cabine do motorista da parte de trás (o salão) do ônibus.

A seguir, sem que pudesse ser visto pelas janelas, Lourival se esgueirou de volta ao ônibus, trocou de lugar com o tal motorista, que saiu de fininho enquanto Lourival dava a partida no veículo.

E assim lá foi seguindo sua viagem o bom Lourival. Rodou por ininterruptas cinco horas, quando então se aproximou o primeiro ponto de parada, momento em que os passageiros podiam descer para esticar as pernas e comer alguma coisa. Era a hora da verdade. Lourival voltou a suar frio.

Ao encostar no pequeno posto de paragem, Lourival abriu a porta, mas sem colocar sua cara à vista. Os passageiros começaram a descer, aparentemente sem reparar em Lourival, que olhava para o outro lado. Mas aí chegou a vez do velho encrenqueiro descer. Já nas escadas, ele parou e voltou-se para Lourival. Percebeu então que aquele era o "menino" com quem ele dissera que não iria viajar.

– Ei, é você!! – disse o velho.

– Sim, sou eu, senhor.

– Venha, vamos descer!

Assustado, o pacato Lourival levantou-se e desceu as escadas. Imaginava que tipo de coisa iria acontecer.

– Amigo, até que você dirigiu muito bem. Me equivoquei a seu respeito; me perdoe. Você é um grande condutor.

Surpreso e aliviado, Lourival respirou mais tranquilo. Mas não era tudo.

– Venha, rapaz – disse o coroa. – Venha que vou lhe pagar o almoço. Venha!

E assim o bom Lourival, que achou que iria até apanhar, ganhou um amigo e um fiel pagador de almoços...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

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