Hei de, mártir de amor, morrer te amando.
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.
Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).
Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!... és morto?!... Que destino infando
“Te conduz aos meus braços desta sorte?!!
“Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
“Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
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A UMA INCONSTANTE
SONETO II
É carpir, delirar, morrer por ela!
BOCAGE
BOCAGE
De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bárbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.
No seio d’alma, já dilacerado,
Negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.
Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.
E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.
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A UM INFELIZ
SONETO III
Geme, geme, mortal infortunado,
É fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado és delinquente,
Sempre tirano algoz terás no Fado.
Mas para não ser mais envenenado
O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
Não te iluda o falaz riso aparente
De um futuro de rosas coroado.
Só males o presente te afiança:
Incrustado de vermes charco imundo
Se te volve o passado na lembrança.
Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.
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A UMA SENHORA
SONETO IV
Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade ímpia,
Tu, amada do Anjo d’Harmonia,
Que te fazes ouvir tão docemente.
Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lá dos mortos na soidão* sombria
Operou-se um milagre de repente.
A morte sobre a foice, entristecida,
Amarguradas lágrimas verteu,
Talvez do fero ofício arrependida!
Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glória um — bravo — deu.
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*Soidão – forma arcaica de solidão.
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À SRA. MARIETA LANDA
SONETO V
À SRA. MARIETA LANDA
SONETO V
Por ocasião de cantar no teatro de S. João
da cidade da Bahia
da cidade da Bahia
Disseste a nota amena d’alegria,
E, arrebatado então nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh’alma aos céus subia.
Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.
És anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rápido transporte?!
Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.
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À MESMA SENHORA
SONETO VI
Tão doce como o som da doce avena
Modulada na clave da saudade;
Como a brisa a voar na soledade,
Branda, singela, límpida e serena;
Ora em notas de gozo, ora de pena,
Já cheia de solene majestade,
Já lânguida exprimindo piedade,
Sempre essa voz é bela, sempre amena.
Mulher, do canto teu no dom supremo
A dádiva descubro mais subida
Que de um Deus pode dar o amor paterno.
E minh’alma, num êxtase embebida,
Aos teus lábios deseja um canto eterno,
E, só para gozá-lo, eterna a vida.
Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas.
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