domingo, 15 de junho de 2025

Asas da Poesia * 38 *

 


Trova de
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

O profeta idealiza
o futuro, em previsões…
E o poeta o finaliza
colorindo-o de ilusões…
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Poema de 
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Visível

Choro lágrimas de saudade...
não há lenço que resista
a minha necessidade
de mantê-lo no bolso,
seco e limpo... limpo e seco... 

A todo instante
aumenta a ausência de você...
e todo mundo percebe
Somente você não vê,
A dor imensa que sinto.
= = = = = = 

Trova de
LEÔNCIO CORREIA
Paranaguá/PR

Se o beijo guarda o perfume
de estranha, esquisita flor
é porque o beijo resume
a vida e a glória do amor.
= = = = = = 

Soneto de
VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP (1866 – 1924)

Velho tema (II)

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
— Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: — risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Cartas de amor, esquecidas,
contendo um pouco do Céu!
Dois corações, duas vidas
resumidas num papel!
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

A Rua dos Cata-ventos (VI)

Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola...

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente...
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/ RN

A terra inteira secou!…
E, a dor me fez sofrer tanto,
que quando a chuva voltou,
tinha secado o meu pranto!
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Poema de 
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/Portugal

Não domino…

Não domino o vento,
os sonhos,
o mar.

Não domino o tempo,
os dias
que teimam em passar.

Não domino a saudade
que, entretanto,
nasceu em mim.

Não domino a liberdade,
sou flor eternamente presa
ao teu jardim.

Não domino o ar que respiro
e as muitas vezes
que por ti suspiro.

Não domino o teu coração,
nem o meu coração domino,
quanto mais.

Porque se o dominasse,
e um dia te chamasse,
não fugirias jamais.
= = = = = = 

Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

A realidade transponho
e vivo em mundo ideal...
Quero as mentiras do sonho,
não as da vida real!
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Cor de brasa

Num canto do jardim de minha casa
duas roseiras crescem, majestosas,
com flores rubras, lindas, cor de brasa
e aveludadas pétalas cheirosas.

Quem as plantou, não sei, mas bem me apraza
exaltar o valor das laboriosas
mãos que, com amor e jeito, deram asa
a que vingassem em formas primorosas.

Pois aprecio muito a mão que planta
e só por isso a entendo como santa,
merecedora de me abençoar!

Plantar é um beijo dado à Natureza,
que fica à nossa espera, com certeza,
para o mundo crescer e embelezar!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

A cadeira de balanço
balançou toda a família...
meu avô, no sono manso,
meu neto, em louca vigília!
= = = = = =

Hino de
SARAPUÍ/ SP

Sarapuí, Cidade da Paz;
da virtude e do labor,
tens a vida emoldurada na ordem;
no respeito e no humano calor.
Acesa tens a chama da fé,
definindo o teu perfil.
Ao cumprir o teu destino de glória,
avivas o ideal do Brasil.

Assim és Sarapuí,
cortejada pelos tropeiros.
Tornaste povo fecundo e operoso.
Sempre cordial e hospitaleiro.

Tens na flor do algodão,
bela e rica altiva estás.
Verdes prados ondulantes refletem;
seu vasto sentimento de paz.
A interpridez seu filho marcou,
na conquista de um lar feliz,
sua gente exalta e crê na família,
sonhando com o bem do país.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/ SP

Sem ter fortuna aparente,
sob a luz de um lampião
fui bem mais rica e mais gente
naquela casa de chão.
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Recordando Velhas Canções
INSENSATEZ 
(samba bossa, 1961) 
Tom Jobim e Vinícius de Moraes

A insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor o meu amor
Um amor tão delicado

Ah! Porque você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah! Meu coração quem nunca amou
Não merece ser amado

Vai meu coração, usa a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade

Vai meu coração
Pede perdão, perdão apaixonado
Vai porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado
= = = = = =

Trova de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Onde a sombra cobre e embaça
o sol que anima e clareia,
eu quisera ser quem passa
e reacende a luz alheia.
= = = = = =

Trova de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Nos bailes não dava trela,
e a todos dizia não;
mas no fim foi a donzela
quem "dançou": ficou na mão!
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Poema de
ADÉLIA PRADO
Divinópolis/MG

Para perpétua memória

Depois de morrer, ressuscitou
e me apareceu em sonhos muitas vezes.
A mesma cara sem sombras, os graves da fala
em cantos, as palavras sem pressa,
inalterada, a qualidade do sangue,
inflamável como o dos touros.
Seguia de opa vermelha, em procissão,
uma banda de música e cantava.
Que cantasse, era a natureza do sonho.
Que fosse alto e bonito o canto, era sua matéria.
Aconteciam na praça sol e pombos
de asa branca e marron que debandavam.
Como um traço grafado horizontal,
seu passo marcial atrás da música,
o canto, a opa vermelha, os pombos,
o que entrevi sem erro:
a alegria é tristeza,
é o que mais punge.
= = = = = = = = =   

Epigrama de
LAFAIETE SPÍNOLA CASTRO
Bahia

É um caso de embasbacar,
mas, que faz a gente rir:
O De Nancy – a velar…
E seu talento – a dormir!

(Sobre o literato baiano De Nancy Avelar)
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Décima de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal

Perdão na eternidade
 
Para alcançar o perdão
no reino da eternidade,
vão pesar meu coração
na balança da verdade;
pra saber a quantidade
dos meus erros capitais,
entre os pecados mortais
e meus atos de bonança,
quando eu botar na balança
Deus sabe quem pesa mais!…
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 Sextilha Agalopada, de
THALMA TAVARES
(Vicente Liles de Araújo Pereira)
São Simão/SP

Martins Fontes amou uma roseira
e com ela casar-se pretendeu.
Sofreu tanta ilusão o bom poeta
que as delícias trocou do himeneu
pelo encanto floral da Natureza
e à pureza das rosas se rendeu.
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Trova de
LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ, 1916-1977, Santos/SP

Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto!.. 
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Poema de
JAQUELINE MACHADO
Cachoeira do Sul/RS

Palavras 

Não pronuncio palavras sombrias 
porque todas elas
já foram lançadas em minha direção. 
São duras feito pedras. 
E como machucam... 
Se fugi de algumas delas? 
Não. 
Acolhi todas. 
E as transformei em bênçãos. 
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Quadra Popular

Mandei buscar na botica
remédio para uma ausência,
me mandaram a saudade,
coberta de paciência.
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Trova de
JESSÉ FERNANDES DO NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ

Me esculpindo a cada dia,
vendo no Mestre o padrão,
tento chegar - que utopia! -
mais perto da perfeição.
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Sextilha de
HÉLIO PEDRO
Caicó/RN

Surge em cada alvorecer,
o sol que cumpre o seu plano
de aquecimento ao planeta
sem que falte ano após ano,
mas no mundo o que mais falta
é o calor do ser humano.
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Haicai de
ANIBAL BEÇA
Manaus/AM, 1946 – 2009

Morcego em surdina
morde e sopra o velho gato.
Não contava o pulo...
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Pantun do
PROFESSOR GARCIA
(Francisco Garcia de Araújo)
Caicó/RN

Pantun de elevada prece

TROVA TEMA:
Na aurora de cada dia,
a Deus elevo uma prece;
- Pai, enchei de poesia
nosso povo que padece!
(Joamir Medeiros – RN)

PANTUN:
A Deus elevo uma prece;
ó Pai, salvai por favor,
nosso povo que padece
por falta de pão, de amor,

Ó Pai, salvai por favor,
os excluídos do afeto,
por falta de pão, de amor,
vivem sem lar e sem teto.

Os excluídos do afeto,
não têm voz, nem têm razão,
vivem sem lar e sem teto
ante a cruel exclusão.

Não têm voz, nem têm razão,
por berço, a melancolia,
ante a cruel exclusão
na aurora de cada dia.
= = = = = = = = =  

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Aceitas dar-me os deleites 
da próxima contradança?... 
– Aceito, desde que aceites 
não me apertar contra a pança!
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Soneto de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Aceitação

É sorrateira… chega de improviso.
Não há ninguém que a queira ou que a cobice!
Tento aceitá-la… sinto que é preciso
pois expulsá-la, eu acho que é tolice.

Não bate à porta… entra sem aviso.
Põe em meu rosto triste, tal meiguice!
E me faz calma… abranda o meu sorriso
 me dá também um “quê” de criancice.

Mas, não vem só… me traz esta saudade
e a nostalgia desta dor que invade
meu coração e nele  se encarcera.

Pondero bem… e ao discutir comigo
refaço sonhos e, feliz, lhe digo
“Entre, velhice… estava à sua espera”
= = = = = = = = =  

Soneto de
EDY SOARES
(Edmardo Lourenço Rodrigues)
Vila Velha/ES

Quando eu partir

Dá-me o teu colo, afagos e aconchego,
conta-me histórias, dá-me o teu abraço,
sê meu parceiro em coisas que hoje eu faço,
demonstra em vida que me tens apego.

Quando eu mais velho reclamar cansaço,
estende o braço e dá-me paz, sossego
e, ao fim da vida apenas desapego,
deixa eu partir, sem muito estardalhaço.

Não me interessa quem me chora a morte,
melhor saber que em vida eu tive a sorte
de não ter tido amigos de mentira!

Quando chegar o dia da partida,
se vou deixar um corpo já sem vida,
pouco me importa quem acenda a pira.
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Aldravia de
FRANCISCO NUNES
São Caetano do Sul/SP

o
salva-vidas
morreu
afogado
na
tristeza
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Sextilhas de
FAGUNDES VARELA
Rio Claro/RJ, 1841 – 1875, Niterói/RJ

Amo o cantor solitário
Que chora no campanário
Do mosteiro abandonado,
E a trepadeira espinhosa
Que se abraça caprichosa
À forca do condenado

Amo os noturnos lampírios
Que giram, errantes círios,
Sobre o chão dos cemitérios,
E ao clarão das tredas luzes
Fazem destacar as cruzes
De seu fundo de mistérios

Amo as tímidas aranhas
Que lacerando as entranhas
Fabricam dourados fios
E com seus leves tecidos
Dos tugúrios esquecidos
Cobrem os muros sombrios

Amo a lagarta que dorme,
Nojenta, lânguida, informe,
Por entre as ervas rasteiras
E as rãs que os pauis habitam
E os moluscos que palpitam
Sob as vagas altaneiras

Amo-os, porque todo o mundo
Lhes vota um ódio profundo,
Despreza-os sem compaixão
Porque todos desconhecem
As dores que eles padecem
No meio da criação.
= = = = = = = = =  

Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

A felicidade é rara
e bem poucos a conhecem…
Os que a viram “cara a cara”,
nunca mais dela se esquecem!
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Poema de
ADOLFO CASAIS MONTEIRO
(Adolfo Vítor Casais Monteiro)
Porto/Portugal, 1908 – 1972, São Paulo/SP

Aurora

A poesia não é voz - é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
voo sem pássaro dentro.
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Epigrama de
ROBERTO CORREIA
Salvador/BA, 1876 – 1941

No Brasil, é pragmática,
Das discussões na fervura,
Entrar – no meio – a gramática,
No fim a descompostura.
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Glosa de
FRANCISCO PESSOA
(Francisco José Pessoa de Andrade Reis)
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Cada passo é mais um sonho 
ao longo do caminhar

Esteja alegre ou tristonho
O poeta enxerga a vida
Tal a terra prometida…
Cada passo é mais um sonho.
Chega ao destino risonho,
Pelo prazer de rimar
E antes mesmo de apear
Em pensamentos, imerso,
Olha pra trás, vê seu verso
Ao longo do caminhar.

Usei todos os atalhos
Que encontrei pelo caminho,
Fiz de quando em quando um ninho,
Fiz de estrelas agasalhos.
Os meus cabelos grisalhos
Tingidos pelo luar,
Retratam bem meu andar…
Embora um tanto tardonho,
Cada passo é mais um sonho
Ao longo do caminhar.
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Trova de 
NEIDE ROCHA PORTUGAL 
Bandeirantes/PR

Entre o barro e o pó da estrada
das lavouras de onde eu venho,
minha herança, na jornada,
são esses calos que eu tenho!
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Spina* de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Semente

Renasço cada manhã,
ecoando em silêncios
esta intensa sensação

de sentir-se viva, uma ilusão
em que fragmentos da alma
unem-se aos ecos no chão,
germinando de novo a vida...
abraçando a voz do coração.
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* O Spina é um poema de duas estrofes. A primeira de três versos com três palavras, obrigatoriamente, iniciada por uma acepção trissílaba. A última palavra desta estrofe rimará sempre com a última do terceiro e quinto versos. Cada palavra dos versos está representada pelo sinal diacrítico (til). A segunda estrofe é composta por cinco versos com cinco palavras em cada verso.

Palavras compostas com e sem hífen são censuradas no início do poema. Da mesma forma que a ênclise e a mesóclise.

O último verso da primeira estrofe rimará sempre com o terceiro e quinto verso da segunda estrofe. Além deste esquema rímico obrigatório: ABC//DECFC se admite rimas nos demais versos. No entanto, não se deve mudar o esquema rímico obrigatório.

O título e a métrica são opcionais. Ao optar pela métrica regular, não se deve, jamais, alterar a quantidade de palavras dos versos com o intuito de alcançar a métrica desejada.

As conjunções: mas, e, porém, no entanto, entretanto, pois, todavia, contudo, são todas proibidas. As palavras compostas por hífen são contadas como uma única palavra. As compostas sem hífen são contadas individualmente. A aglutinação de palavras por apóstrofo não as tornam vocábulos únicos. Cada elemento será contado como único.

Utilizar palavras iguais nas rimas quando os seus significados forem diferentes; não são permitidas rimas imperfeitas nas sequências obrigatórias.

As palavras contendo as chamadas consoantes mudas (e sonoras) que tenham três sílabas compostas por consoantes e vogais podem iniciar o SPINA.
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A. A. de Assis (Telefone e maionese)


Entrei descontraído no escritório de um amigo, pensando somente em trocar um abraço. Encontrei-o todavia nervoso, queixando-se da maionese que comera no almoço. Pediu licença para ir “desapertar-se”, porém o telefone tocou. Interurbano. Um cliente importante, de São Paulo. Com uma das mãos segurando a barriga, meu amigo resolveu atender. Seria uma conversa rápida. Anotar algum recado e dizer tchau. Do outro lado da linha, entretanto, o fulano não sabia da situação e encompridou o papo:

– Como vai nossa esplendorosa Maringá? Essas árvores, essas praças lindas, esses fantásticos ipês… Estou com muita saudade de tudo isso. Puxa… faz tempo não passo aí…

E nada de o cara dizer o que queria. Só preâmbulo. Prolixíssimo preâmbulo. O meu amigo gemendo de cólica. E o sujeito esticando a prosa.

–  Sabe? Tem um rapaz de Maringá que está em São Paulo fazendo um curso… Ele passa frequentemente aqui no meu escritório. Tenho, modéstia à parte, uma bela biblioteca e ele vem fazer pesquisas. Um moço de grande futuro.

– Sei, aparteou a vítima da maionese. Por favor, diga o que deseja, prometo providências imediatas. Estou aqui para servi-lo.

–  Pois é, o negócio é o seguinte… ah!… Fiquei sabendo que você vai passar as férias na praia. Aprecio o seu bom gosto, mas tome cuidado com as estradas… Como?… Não vai para a praia?… Vai pescar no Mato Grosso?… Puxa, rapaz, também sou louco por pescaria.

     E levou mais uns bons minutos narrando suas proezas de pescador, enquanto o pobre já não suportava o incômodo, suando frio, o rosto pálido, o olho voltado para a porta do banheiro.

– Desculpe, amigo, mas eu tenho uma reunião daqui a pouco, já estou atrasado, depois ligo pra você e conversaremos sem pressa.

– Entendo. Mas só quero lhe perguntar mais uma coisinha: como vai o tempo aí? Tenho um compadre que tem um tio que tem umas terras aí perto e espera colher uma boa safra. Burro fui eu, que perdi a oportunidade de comprar um sítio ao lado do dele. Na época era baratinho, agora está valendo umas vinte vezes mais. E você? Já tem sua fazenda? Não perca tempo, rapaz. Terra é sempre terra…

–  Certo… certo… Então ligo mais tarde… tchau-tchau…

–  Espere… quero só que você me faça um favorzinho…

–  Está bem, vou passar o telefone para a secretária. Ela anotará o recado. Desculpe a pressa… é que tenho de fato uma reunião me esperando.

Tarde demais. A essa altura o que ele precisava fazer mesmo no banheiro era simplesmente tomar um banho…
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.

Fontes:
Portal do Rigon. 29.05.2025
https://angelorigon.com.br/2025/05/29/telefone-e-maionese/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

José Feldman (Os Rabugentos na Feira)


Numa manhã de sábado, Arlindo e Eulália estavam se preparando para uma missão: ir à feira..

— Olha só, Eulália! — começou Arlindo, ajustando seu chapéu. — Eu não quero saber de ir nessa feira lotada. Esses jovens estão cada vez mais insuportáveis!

— Insuportáveis? — Eulália respondeu, com um sorriso irônico. — E você, Arlindo, não é bem o exemplo de paciência! Lembra da última vez que você quase brigou com aquele feirante por causa de um tomate?

— O tomate estava muito caro! — Arlindo defendeu-se. — E eu não sou de brigar, só defendo meu direito de consumidor!

— Direito de consumidor? Você só queria um tomate maduro! — Eulália riu. — Vem cá, vamos logo antes que a feira fique mais cheia!

Os dois começaram a caminhar em direção à feira, e logo se depararam com a agitação do local. Gente falando alto, crianças correndo e o cheiro de frutas frescas no ar.

— Olha isso! — Arlindo exclamou, passando pela barraca de verduras. — Esses alfaces parecem mais murchos que a sogra do Vicente!

— E você acha que o seu cabelo está mais saudável? — Eulália provocou. — Olha que você está parecendo um pé de alface também!

Arlindo fez uma careta. — A diferença é que eu não quero ser uma salada!

— Pode crer! — Eulália respondeu, piscando. — Mas você é mais fácil de temperar!

Chegando à barraca de frutas, Arlindo olhou para as maçãs e disse: — Olha só, essas maçãs estão mais feias que um filme de terror! E o preço? Um assalto!

— Ah, mas você já viu a sua cara de manhã? — Eulália riu. — Essa maçã é um luxo comparado a você!

— Luxo é um exagero! — Arlindo respondeu, balançando a cabeça. — E quem é que coloca preço em fruta? Deveriam fazer uma promoção: “Compre uma, leve outra de graça!”

— E você acha que o feirante vai querer dar maçã de graça para a sua cara amarrada? — Eulália perguntou, com um sorriso maroto.

— Quem não gostaria? — Arlindo disse, fazendo um gesto exagerado. — “Olha, o famoso Arlindo está aqui! Vamos dar maçãs de graça!”

— E o que você faria com tantas maçãs? — Eulália perguntou. — Fazer uma torta e convidar a vizinhança? Você não sabe nem fritar um ovo!

— Fritar um ovo? — Arlindo fez uma expressão de indignação. — Eu sou um chef na cozinha! Olha, eu até sei fazer mingau!

— Ah, mingau! — Eulália exclamou. — Você quer dizer aquela coisa que parece mais uma massa de modelar? Nunca vi alguém queimar mingau!

— Não queimei! Ele só ficou um pouco... mais consistente! — Arlindo tentou se defender, mas não conseguiu convencer.

Continuando a caminhada, passaram pela barraca de peixes. O cheiro era forte, e Arlindo fez uma careta.

— Ih, Eulália, isso aqui está cheirando mais que o pé do Aparecido! — disse ele, tapando o nariz.

— E você, que não se importa com nada, já está acostumado com esse cheiro! — Eulália respondeu, rindo. — Se bem que o pé do Aparecido é uma experiência única!

— Única como sua habilidade de reclamar! — Arlindo retorquiu. — Você sempre acha um jeito de tornar a vida mais interessante!

— E você, Arlindo, é o rei da reclamação! — Eulália disse, com um sorriso. — Se não fosse por você, eu não saberia o que é uma feira!

— Ah, você me ama, não me negue! — Arlindo provocou. — Vou até me sentir especial agora!

— Especial? Você é um rabugento especial! — Eulália respondeu, rindo. — Vamos, vamos acabar nossas compras!

Finalmente, chegaram à barraca de queijos. Arlindo olhou para os preços e começou a reclamar novamente.

— Olha só, Eulália! Isso aqui é um assalto! Um queijo que custa mais do que meu último par de sapatos!

— E quem foi que disse que você tem um bom gosto para sapatos? — Eulália disparou.

— Boa, Eulália! — Arlindo respondeu, levantando a mão em sinal de rendição. — Você venceu! Vamos levar um queijo, mas só se for o mais barato!

— Combinado! — Eulália disse, com um sorriso. — E eu vou escolher, porque você só sabe escolher alfaces murchas!

Com uma sacola cheia de compras, os dois rabugentos deixaram a feira, prontos para enfrentar mais um dia com suas discussões. Afinal, a amizade era a melhor compra que podiam fazer.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou de sua autoria 4 ebooks. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing