sábado, 21 de junho de 2025

Sammis Reachers (Nau de Versos) – 1


NA MORTE EM QUE FUI MANOEL BANDEIRA

Brincando de cabra-cega 

Nas ruas de Tróia
Expus meu coração à intempérie:

Sakura solar, nênia de plástico, 
Lótus anárquica
Encontrei-a e a perdi 
Num (p)único mês

Que outro (re)curso contra aquele lábio, 
Aquele olhar eluardiano?

Meu pétreo ódio pela poesia
Essa maldição dos tísicos
Ei-lo no pódio-coração litografado: 
Tatuagem interna, 
Tebas de Anfíon, Chuva de flechas, 
Heitor despedaçado.
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RIO BONITO

A vida, inclemente, flui compromissada 
E calma, o poeta e o demônio em seu bojo.

Num repente, numa das curvas do pequeno centro 
Um casarão antigo, um quintal fundeado:

Era a Melancolia me roubando um beijo.
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A ORDEM

Seja forte, não importa quantas vezes o caos

Sustenha a alegria, não importa
Vezes quantas o caos

Compartilhe e ampare com a sua coragem, 
Não importa quantas vezes o caos
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CAQUI

Pomo de outono
Dulçor em revolução
Fruto proibido do mandarim 
Pelo mundo em lusas naus 
Disseminado

Coisa de explodir contra o dentro das bocas 
Ente todo-fruta, carcaça de mel
Beijo tenro, rublo rio
Cio, cicio, vício paradisíaco
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REINAÇÕES

Era outubro, mês revel, mas um outubro setembrino, 
com seu ar veloz, feliz

Obriguei-me, numa quina de rua
ao simulacro ou pretensão de liberdade de um poema

Um poema!, veja você
obriguei-me a um poema
ao invés de deitar-me no chão ou seguir minha vida
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NÃO É UM POEMA SOBRE GÊNEROS

o Ódio é um país
limitado a Norte, Sul,
Leste e Oeste 
pelo Ódio.

o Amor é cisfronteira:
um pé na porta, uma flor na lapela 
um disparate uma parteira
nascido
um minuto antes de nascer o Universo
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OS LÍRIOS DE KIERKEGAARD

Tu, ex-refém da urgência competitiva
cujas células agora se esparramam sem controle 
deserda os leitos e jardins cuidados e restritos 
vai às flores do campo,
abandonadas na rusticidade,
virgens de mãos de jardineiro

Funda teu acampamento e observa-as,
a sol e chuva, a suportarem o tempo em cumplicidade 
vá, citadino, até que a luz
tenha parto e teus olhos tenham cura,
e possas entender – a tempo, isso
que a todo tempo finda –
que elas têm um Jardineiro
feito de sempres e de serenidades

Entrega, enfim, teus dias em Suas mãos, 
e furta irmandade às flores
                                              e à eternidade
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DISCIPULADO

Incapazes de desvendá-lo, 
o tomamos como fruição:
e é sempre o mar que nos desvenda.
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KAFKA

Naquele dia, não foi o seu castelo que desabou. 
Eram aqueles tijolos, as peças do quebra-cabeça 
Finalmente se encaixando.
Você nunca foi (aquelas) paredes.
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ZERO A ZERO

Ei, e aí?
Você já fez a soma 
daqueles que 
nunca somaram?
Não sabe a fórmula? 
Decomponha
              perdoe2 
                              subtraia.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Sammis Reachers Cristence Silva nasceu em 1978, em Niterói/RJ, mas desde sempre morador de São Gonçalo/RJ, ambos municípios fluminenses. Sammis é poeta, escritor, antologista e editor. Membro da Confraria Brasileira de Letras. Licenciado em Geografia atua em redes públicas de ensino de municípios fluminenses. É autor de dez livros de poesia, três de contos/crônicas e um romance, e organizador de mais de cinquenta antologias.  Aos 16 anos inicia seus escritos e logo edita fanzines, participando do assim chamado circuito alternativo da poesia brasileira, com presença em jornais e informativos culturais. Possui contos e poemas premiados em concursos do Brasil, bem como textos publicados em antologias e renomadas revistas de literatura.

Fontes:
Sammis Reachers. Primeiressências. São Gonçalo/RJ: Edição do autor, 2025.. Enviado pelo poeta.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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