Brincando de cabra-cega
Nas ruas de Tróia
Expus meu coração à intempérie:
Sakura solar, nênia de plástico,
Lótus anárquica
Encontrei-a e a perdi
Num (p)único mês
Que outro (re)curso contra aquele lábio,
Aquele olhar eluardiano?
Meu pétreo ódio pela poesia
Essa maldição dos tísicos
Ei-lo no pódio-coração litografado:
Tatuagem interna,
Tebas de Anfíon, Chuva de flechas,
Heitor despedaçado.
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RIO BONITO
A vida, inclemente, flui compromissada
E calma, o poeta e o demônio em seu bojo.
Num repente, numa das curvas do pequeno centro
Um casarão antigo, um quintal fundeado:
Era a Melancolia me roubando um beijo.
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A ORDEM
Seja forte, não importa quantas vezes o caos
Sustenha a alegria, não importa
Vezes quantas o caos
Compartilhe e ampare com a sua coragem,
Não importa quantas vezes o caos
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CAQUI
Pomo de outono
Dulçor em revolução
Fruto proibido do mandarim
Pelo mundo em lusas naus
Disseminado
Coisa de explodir contra o dentro das bocas
Ente todo-fruta, carcaça de mel
Beijo tenro, rublo rio
Cio, cicio, vício paradisíaco
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REINAÇÕES
Era outubro, mês revel, mas um outubro setembrino,
com seu ar veloz, feliz
Obriguei-me, numa quina de rua
ao simulacro ou pretensão de liberdade de um poema
Um poema!, veja você
obriguei-me a um poema
ao invés de deitar-me no chão ou seguir minha vida
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NÃO É UM POEMA SOBRE GÊNEROS
o Ódio é um país
limitado a Norte, Sul,
Leste e Oeste
pelo Ódio.
o Amor é cisfronteira:
um pé na porta, uma flor na lapela
um disparate uma parteira
nascido
um minuto antes de nascer o Universo
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OS LÍRIOS DE KIERKEGAARD
Tu, ex-refém da urgência competitiva
cujas células agora se esparramam sem controle
deserda os leitos e jardins cuidados e restritos
vai às flores do campo,
abandonadas na rusticidade,
virgens de mãos de jardineiro
Funda teu acampamento e observa-as,
a sol e chuva, a suportarem o tempo em cumplicidade
vá, citadino, até que a luz
tenha parto e teus olhos tenham cura,
e possas entender – a tempo, isso
que a todo tempo finda –
que elas têm um Jardineiro
feito de sempres e de serenidades
Entrega, enfim, teus dias em Suas mãos,
e furta irmandade às flores
e à eternidade
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DISCIPULADO
Incapazes de desvendá-lo,
o tomamos como fruição:
e é sempre o mar que nos desvenda.
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KAFKA
Naquele dia, não foi o seu castelo que desabou.
Eram aqueles tijolos, as peças do quebra-cabeça
Finalmente se encaixando.
Você nunca foi (aquelas) paredes.
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ZERO A ZERO
Ei, e aí?
Você já fez a soma
daqueles que
nunca somaram?
Não sabe a fórmula?
Decomponha
perdoe2
subtraia.
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Sammis Reachers Cristence Silva nasceu em 1978, em Niterói/RJ, mas desde sempre morador de São Gonçalo/RJ, ambos municípios fluminenses. Sammis é poeta, escritor, antologista e editor. Membro da Confraria Brasileira de Letras. Licenciado em Geografia atua em redes públicas de ensino de municípios fluminenses. É autor de dez livros de poesia, três de contos/crônicas e um romance, e organizador de mais de cinquenta antologias. Aos 16 anos inicia seus escritos e logo edita fanzines, participando do assim chamado circuito alternativo da poesia brasileira, com presença em jornais e informativos culturais. Possui contos e poemas premiados em concursos do Brasil, bem como textos publicados em antologias e renomadas revistas de literatura.
Fontes:
Sammis Reachers. Primeiressências. São Gonçalo/RJ: Edição do autor, 2025.. Enviado pelo poeta.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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