Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937
Desarmonia
Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.
Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.
O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.
E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Nas brisas serenas,
no sopro de um vento brando,
a voz das camenas*!
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* Camenas = musas
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
Não darei um só passo onde me prenda
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 101)
Não darei um só passo onde me prenda
O espectro de um amor que já passou
E o resto de um sorriso que raiou
Que fazem com que agora eu me arrependa.
Mas este coração não tem emenda
E sonha com o que ainda não achou
E de todos os gostos que provou
Elege o teu beijar de que faz lenda.
Procuro outros caminhos onde passe
Sem ver em cada rosto a tua face
Trazendo o que a teu lado eu já vivi.
É falsa a tentativa dos meus passos
Que lembrando o calor dos teus abraços
Simplesmente me levam para ti.
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP
Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
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Poema de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
Alencar
Hão de os anos volver, — não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...
Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.
E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.
Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP
A cada golpe que malha
a rude pedra, o escultor
bendiz o cinzel que entalha
a estátua do seu amor.
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
Raízes
Sou parte do Grande Sertão de Guimarães Rosa.
A terra me medra,
as árvores me enraízam, os pássaros me gorjeiam.
Caminho pisando folhas que me desfolham.
Sou exercida por savanas e meu cheiro é agreste.
Por isso minha alma canta,
contaminada pela Natureza que me define.
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Poemeto de
JAQUELINE MACHADO
Cachoeira do Sul/RS
Queria ser
Na fração de tempo que cabe todo o meu existir,
queria ser o brilho eterno de um raio dourado
a despertar a consciência
de quem não sabe que nasceu para ser feliz…
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
Desamparo
Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.
Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:
quem é que me leva a mim,
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?
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Trova de
NEWTON MEYER AZEVEDO
Pouso Alegre/MG, 1936 – 2006
Tira a roupa, e, quase nua
diz ao marido, emburrada:
- Pareço ainda "Perua "?!
- Parece, sim... depenada!
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Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
Arrependimentos
Erraste... e quem não erra neste mundo,
repleto de sofismas e ciladas?!
Basta-nos, para errar, um vil segundo,
que o demônio nos tece, às gargalhadas!
A vida abismos cava... explora a fundo,
as faltas pequeninas, simples nadas;
absolve, purifica um charco imundo,
de linhas retas, faz encruzilhadas!
Vês? A vida é também contraditória!
Não te anule a opressão de um desatino!
Ponto final! E enceta nova história,
repetindo, a evitar outros tormentos;
- Assento os alicerces do destino,
"nos meus fecundos arrependimentos" (*]
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(*) Chave de Ouro de Guilherme de Almeida
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Aldravia de
CLEVANE PESSOA
Belo Horizonte/MG
Aquém
da
porta
segredos
abraçam
medos.
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Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA
Juvêncio
Assim vai Juvêncio
na sua aventura.
Da mata, o silêncio,
suave langor...
- Que motivo tanto
pra tanta bravura?
- Vai atrás do encanto
do seu santo amor.
Um riso escondido
no rosto moreno.
Herói das entranhas
das matas em flor.
No olhar sereno,
uma luz estranha...
Coisas do Cupido,
ciladas do amor!
Vai rasgando as águas
revoltas e turvas,
afogando as mágoas,
sufocando a dor.
Vai dobrando as curvas
do rio e da vida,
esquecendo a lida.
Vai ver seu amor!
A noite já avança,
o sol já descansa,
remar, seu ofício,
sua sina, lutar.
A canoa balança,
o remo lhe cansa.
Tanto sacrifício
pelo verbo amar!...
Não sente pavor
de fera ou visagem,
só pensa na imagem
da Rosa a esperar.
Vai pensando nela,
tão meiga, tão bela,
repleta de amor
e beijos pra dar.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Quem ama não tem vergonha,
faz das tripas coração,
faz que não vê muita coisa,
sofre cada ingratidão!
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Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
Soneto da separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
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Haicai de
ANTONIO CABRAL FILHO
Jacarepaguá/RJ
Seu laço de fita
Abalou meu coração:
Paixão virtual.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
Crepúsculo sertanejo
A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo! Marulho gigante!
Tal vez um silêncio!... Tal vez uma orquestra...
Da folha, do cálix, das asas, do inseto ...
Do átomo à estrela... do verme - à floresta!...
As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas - da brisa ao açoite;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!
Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos - um touro selvagem.
Então as marrecas, em torno boiando,
O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…
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Trova de
EVA GARCIA
Caicó/RN
A bela flor de papel
que tu me deste, outro dia...
Foi tão perfeita e fiel,
que o cheiro dela eu sentia!
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal
Estremeço nas palavras que não digo
Guardo-as numa caixa fechada, meu abrigo
O céu fica nu sem as estrelas
Ficam tristes os olhos que não conseguem vê-las
Sem ondas o mar adormece
A sereia, sem admirador não aparece
O sol não brilha por detrás das nuvens
A estrada é fácil se não existirem curvas
A chuva não cai se a nuvem não chora
Evapora-se o sorriso se o amor demora...
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Epigrama de
ROBERTO CORREIA
Salvador/BA, 1876 – 1937
De muitos “doutores” sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: – “Cheguei”,
Retruca a Morte: – “Chegamos”.
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
Nas folhas do tempo
ouço o som do vento.
Às vezes lamento,
outras, só fragmento.
As folhas farfalham,
no vento gargalham.
Pedaços se espalham
no tempo, embaralham.
As folhas se agitam
no tempo, levitam
os restos, hesitam.
Os ventos, excitam.
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Trova de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE
Dizem, com propriedade,
que a saudade é inexplicável;
explica-se: na verdade,
o senti-la é indecifrável!
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
Minha casa
Em frente à minha casa há um jardim
onde os pássaros cantam saltitantes.
Lá dentro há café, beiju e aipim
e a mesa é farta para os visitantes.
A grama verde, as flores e o jasmim
acolhem beija-flores cintilantes.
Quatro palmeiras firmes dizem sim
e fazem sombra aos corações amantes.
Em minha casa tenho alguns armários,
e os livros - meus amigos necessários
que me ensinam a crer num sonho bom.
Creio no amor e em dias fulgurantes
enquanto os versos brotam abundantes,
vou escrevendo e assino Filemon.
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Poetrix de
ANTONIO CARLOS MENEZES
Recife/PE
Lisboa
uma guitarra que chora
de longe, um fado
que me toca a alma.
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal
Falta de mim
Não me sinto há muito,
desapareci,
voei.
Levei de bagagem de mão
o meu coração
e não prometi regressar.
Chorei,
gritei
e até à dor me dei,
sem me conseguir resignar.
O que sinto só eu sei,
não me quero enganar.
Por isso fui
e não voltei…
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Spina de
NINA MARIZA
Berilo/MG
Dançarina
Ritmada ao som
do meu coração,
ela alegre dança.
Roda, roda, não se cansa.
Como é bom vê-la assim!
No ar, sacoleja sua trança.
Esse lindo jeito ágil, vivaz,
é emoção que me balança.
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Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC
As nebulosas
Ôba! o solzinho trigueiro
arrebentou as nebulosas,
aquelas nuvens grandiosas
que escondiam o dia inteiro.
Pequenas nesgas de céu
na vastidão das alturas
dão conta que iluminuras
vem chegando pra "dedéu".
Igualmente em nossas vidas
vivemos pedindo guaridas
com raios de esperança,
Átimos, faíscas, lampejos,
consolidando nossos desejos
de dias com mais bonança.
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Vaga
o vaga-lume.
Vaga luz
num vago mundo
procurando
vaga.
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Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
Doces sonhos
Sem ti, percorro gélidas paragens
No olhar, nem mesmo há tímida flamância,
Tornou a vida vápida* a distância,
Mas sonho e vejo lúbricas imagens.
Por teres essa mélica fragrância
São belas as oníricas viagens.
Contigo erijo mágicas paisagens,
Deleito-me na fúlgida elegância.
Da seiva desses únicos instantes
Encerras nos teus ósculos vertentes.
Encontro em ti recôndito o alimento.
Nós dois, tal como indômitos amantes
Trocando afagos sôfregos e ardentes,
Assim, construo o tórrido momento.
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* vápida = insípida.
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Poetrix de
ROSA CLEMENT
Manaus/AM
Borboleta
centro da cidade
a mariposa entra no ônibus
e passa pela borboleta
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
En-canto
Mesmo sem voar, o passarinho
canta... que mistério há nesse encanto?
... posso vê-lo rir, sentindo o pranto
que acaricia o seu carinho.
Neste mundo há tanto desencanto...
mas quem é feliz sendo sozinho,
sabe que é na solidão do ninho
que o cantar se torna um acalanto.
Lindo!... alguém dirá... Como ele canta!
...sua solidão, embora tanta,
é a mais sincera companhia,
pois, no canto escuro da gaiola,
o cantar mais triste que o consola,
faz se canto, um toque de...poesia.
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Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ
A dor maior
Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...
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Sextilha de
WALMAR COELHO
Ceará
O amor
O amor é uma plantinha
Que medra no coração!
Com o afeto se avizinha,
Bem querer ou ilusão,
Vive e cresce, não sozinha,
Nem prescinde afeição.
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Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
Foi teu abraço!
Foi teu abraço que, um dia,
Dos outros todos tirou
Qualquer graça que eu sentia
Doutros que o tempo levou.
Foi teu beijo que depois
Me afastou de quem beijei.
Ficaram só pra nós dois
Os demais beijos que eu dei.
À minh'alma, finalmente,
A alma gêmea apareceu.
E o amor se fez presente
A teu coração e ao meu!
Foi teu calor que acoplou
A meus carinhos os teus.
Foi nosso amor que alcançou
Beneplácito de Deus.
Este é o encontro atual,
Prescrito em nossos pretéritos;
Dos céus, chegam, afinal,
Dádivas por nossos méritos.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
Eu creio
Eu sei que existe um mundo diferente
e Alguém que monitora e nos assiste
o tempo inteiro e minuciosamente.
Eu não sei onde, mas eu sei que existe!
Eu sei que existe um Deus Onipotente...
talvez não seja alguém com dedo em riste,
aspérrimo e que vai punir a gente,
franzindo o cenho a qualquer simples chiste.
Desconstruindo a história divinal,
não resta mais que um ciclo material...
princípio e fim da natureza humana.
Alguém criou o espaço, o firmamento;
controla este universo em movimento
e a criação... de forma soberana!
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