Quando me lembro, mesmo sem querer, eu solto um palavrão. Desses cabeludos, que saem da boca, ricocheteiam nas paredes, para levantarem telhas. Geralmente começam com a letra P e, curiosamente, terminam com uma palavra começada também por outra letra P.
Eu sou do tempo do mata-borrão! Preciso dizer mais?
O mata-borrão, invariavelmente, nos levará às canetas de pau.
Sim, aquelas cilíndricas, feitas de madeira branca, que continham em uma das suas pontas um encaixe para as penas de aço. Mergulhava-se a pena em um tinteiro e estava aí o instrumento de escrita nas mãos das crianças do terceiro ano escolar.
As carteiras eram duplas, de sorte que ambos os colegas usavam o mesmo tinteiro, esse regularmente abastecido pela zeladora que vinha com um bule grande e despejava a tinta no pequeno recipiente.
Pois quem usou as benditas canetas de pau, também se serviu, necessariamente, do mata-borrão. Havia uma técnica – que só aprendemos com a prática – ao molhar a pena na dita tinta.
Bastava que enfiássemos apenas a ponta dela, uns 4mm, se muito, mas nunca ninguém nos falou, de sorte que a pena por inteiro ia no tal tinteiro, para sair pingando na carteira, na roupa e no papel.
Daí o uso do tal, cuja lembrança me arrepia.
Não, por tê-lo usado, afinal, era o suprassumo do chique com a absorção do excesso de tinta que a pena soltava, mas, pelo tempo que isso se deu: há uns sessenta e oito anos, época em que os primeiros fios ralos de bigode passavam por melhores tratos.
Caramba, meu! – Eu diria com sincera exclamação – o tempo passou! E estamos ainda aqui...
Da caneta de pau à caneta tinteiro foi um pulo, e possuir uma simbolizava duas coisas: que já havíamos aprendido a bem escrever e que podíamos carregá-la no bolso externo do paletó a mostrar posse, mesmo porque, embora faça tanto tempo, a vaidade – esse mal que persegue os humanos – é bem mais velha que nós. É cabeluda também! Como são os palavrões.
Por falar em vaidade, possuir hoje uma caneta dessas, ou se é colecionador, ou acumulador de quinquilharia, mesmo porque a escrita manual está se tornando escassa, em desuso a partir do quarto ano primário, substituída pelos teclados ou mensagens fonadas que, de certa forma, retira do ser humano sua humanidade.
Vai-se o tempo, perde-se a simbiose entre as pessoas e infelizmente, entre professores e alunos.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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