sábado, 28 de junho de 2025

Renato Benvindo Frata (Tempo que flui...)


Quando me lembro, mesmo sem querer, eu solto um palavrão. Desses cabeludos, que saem da boca, ricocheteiam nas paredes, para levantarem telhas. Geralmente começam com a letra P e, curiosamente, terminam com uma palavra começada também por outra letra P.

Eu sou do tempo do mata-borrão! Preciso dizer mais?

O mata-borrão, invariavelmente, nos levará às canetas de pau.

Sim, aquelas cilíndricas, feitas de madeira branca, que continham em uma das suas pontas um encaixe para as penas de aço. Mergulhava-se a pena em um tinteiro e estava aí o instrumento de escrita nas mãos das crianças do terceiro ano escolar.

As carteiras eram duplas, de sorte que ambos os colegas usavam o mesmo tinteiro, esse regularmente abastecido pela zeladora que vinha com um bule grande e despejava a tinta no pequeno recipiente.

Pois quem usou as benditas canetas de pau, também se serviu, necessariamente, do mata-borrão. Havia uma técnica – que só aprendemos com a prática – ao molhar a pena na dita tinta.

Bastava que enfiássemos apenas a ponta dela, uns 4mm, se muito, mas nunca ninguém nos falou, de sorte que a pena por inteiro ia no tal tinteiro, para sair pingando na carteira, na roupa e no papel.

Daí o uso do tal, cuja lembrança me arrepia.

Não, por tê-lo usado, afinal, era o suprassumo do chique com a absorção do excesso de tinta que a pena soltava, mas, pelo tempo que isso se deu: há uns sessenta e oito anos, época em que os primeiros fios ralos de bigode passavam por melhores tratos.

Caramba, meu! – Eu diria com sincera exclamação – o tempo passou! E estamos ainda aqui...

Da caneta de pau à caneta tinteiro foi um pulo, e possuir uma simbolizava duas coisas: que já havíamos aprendido a bem escrever e que podíamos carregá-la no bolso externo do paletó a mostrar posse, mesmo porque, embora faça tanto tempo, a vaidade – esse mal que persegue os humanos – é bem mais velha que nós. É cabeluda também! Como são os palavrões.

Por falar em vaidade, possuir hoje uma caneta dessas, ou se é colecionador, ou acumulador de quinquilharia, mesmo porque a escrita manual está se tornando escassa, em desuso a partir do quarto ano primário, substituída pelos teclados ou mensagens fonadas que, de certa forma, retira do ser humano sua humanidade. 

Vai-se o tempo, perde-se a simbiose entre as pessoas e infelizmente, entre professores e alunos.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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