No Japão, existe um dito que diz: “Se ama seu filho, permita que ele viaje”. O imigrante japonês no Brasil conhece bem o sentido dessa frase.
Há muitos e muitos anos, numa aldeia rural do Japão, viviam dois inseparáveis amigos. Eisuke era filho do chefe da aldeia, uma família abastada, dona das terras daquela região. Goro era filho de pobres lavradores, que trabalhavam nas terras do pai de Eisuke. Apesar da diferença social econômica das famílias de ambos, eles viviam sempre juntos, desde quando pequeninos.
Certa ocasião, os dois, cansados de viverem dentro dos limites da aldeia, resolveram conhecer outras paragens e ganharam a estrada.
Caminhavam alegremente, ora cantando, ora tirando músicas assoprando folhas de bambu esticadas nos lábios. Prosseguiam a viagem despreocupados.
Dias depois, na travessia de uma montanha, perderam-se no meio da mata. A noite caiu, e a floresta transformou-se em completa escuridão. Apesar do medo, continuaram caminhando, pois permanecer ali parecia por demais perigoso. De repente, avistaram uma luz no meio da mata. Os dois rumaram apressados em direção à luz, pois devia, com certeza, ser uma casa. Por sorte, era uma hospedaria. Os meninos ficaram animados e pediram uma pousada para uma velha dona da pensão. Cansados que estavam, logo Eisuke adormeceu. Goro, que nunca tinha dormido numa hospedaria, apesar de exausto, não conseguia pegar no sono.
De repente, percebeu que uma pessoa estava atrás de um shoji (parede móvel de papel), então fechou os olhos e fingiu que estava dormindo. De olhos semi-cerrados, viu que a dona da pensão olhou para dentro do quarto e, vendo que os dois estavam dormindo, deu uma risada horripilante e se afastou do corredor. Goro ficou arrepiado de medo, aquela não era uma situação normal.
Da porta corrediça que a velha deixou semi-aberta, Goro podia vê-la na sala no fim do corredor. A velha sentou-se perto do irori (fogareiro), mexeu as cinzas com dois palitos de ferro e acendeu o fogo assoprando as brasas no centro do irori. Em seguida, depositou algumas sementes nas cinzas. Goro não estava entendendo nada do que estava acompanhando.
Para a surpresa do menino, como sementes plantadas começaram a brotar e a crescer em segundos. Como folhas finas e compridas denunciavam que eram pés de arroz, que incrivelmente vieram a soltar cachos, que carregados, fizeram como hastes curvarem. Segundos depois, os cachos pendentes ficaram amarelos e prontos para ser colhidos.
A velha colheu o arroz, tirou a casca esfregando-o em uma peneira de bambu e cozinhou-o no fogareiro. Depois, amassou-o num pequeno pilão e fez quatro motis (bolinhos de arroz glutinoso). Goro, que assistiu a tudo, pensou em contar para o amigo, mas vendo Eisuke roncando, resolveu deixar para o dia seguinte. Cansado, Goro também acabou pegando no sono.
No dia seguinte, quando Goro despertou, o sol já estava alto. Olhou para o leito ao lado e viu que Eisuke já havia se levantado. Então, levantou-se depressa e correu para a sala. A dona da hospedaria estava oferecendo os bolinhos para Eisuke. Goro gritou para que ele não comesse aquele moti, porém, era tarde. Eisike havia posto o bolinho na boca e degustou-o com satisfação.
– Nossa, que bolinho gostoso. Quero mais.
– Sim, coma! – disse a dona da pensão.
– Não coma! – gritou Goro.
Mas era tarde. Eisuke botou as mãos sobre a barriga, começou a se contorcer e, por mais incrível que possa parecer, transformou-se num cavalo. Um cavalo bonito, mas diferente de todos os cavalos que o homem tinha visto até então. Um cavalo todo colorido, como se fosse um cavalo de circo. Goro ficou paralisado de susto. Compreendeu que era a velha dona da pensão, na verdade, uma Yamanbá (bruxa da montanha), que transforma todos os viajantes que se hospedam. Já havia ouvido qualquer coisa a respeito, mas não acreditou que pudesse ser verdade. No entanto, seu amigo Eisuke era agora um cavalo de sons, com colorido impressionantemente belo e maluco.
– É sua vez. Coma os motis, garoto – disse a velha, esticando o prato com dois bolinhos ao garoto.
Goro estava paralisado de medo, mas numa reação desesperada, derrubou o prato dos bolinhos com um mão e saiu correndo da casa. Correu desesperado, sem rumo, até que avistou uma casa de lavrador no vale.
Quando Goro abriu os olhos, estava estirado sobre um tatame (esteira de palha) na casa do vale. Um velho com barba e cabelos compridos, que observava seu desespero, sorriu e disse:
– Vejo que está melhor. Você bateu na minha porta e desmaiou de canseira.
– Estou com sede. Muita sede – disse Goro, percebendo que estava diante de um Sennin (sábio imortal), e que só ele poderia ajudá-lo a salvar seu amigo.
Depois que tomou várias tigelas de água, Goro contou o ocorrido ao bom velhinho e pediu ajuda para salvar seu amigo. O ancião ensinou, então, que o único modo de salvar seria fazer Eisuke comer sete berinjelas de um mesmo pé.
– Só assim seu amigo voltará a ser humano.
Em seguida, o velho fez um mapa ensinando o homem onde poderia encontrar uma grande plantação de berinjelas e como chegar de volta à casa da Yamanbá.
Assim, Goro, agradecendo ao velhinho, seguiu o que indicava o mapa. Uma plantação de berinjela era enorme. Goro saiu contando pé por pé quantas berinjelas tinha cada um. Depois de muitas horas, finalmente achou um pé com as sete berinjelas. Então, arrancou o arbusto e foi em direção à casa da Yamanbá.
O cavalo estava amarrado em uma árvore ao lado da “hospedaria”. Goro aproximou-se sorrateiramente, desamarrou a corda e disse:
– Eisuke, escute, sou eu, Goro.
O cavalo olhou-o como se reconhecesse o amigo e balançou a cabeça no sentido vertical.
– Olha, você tem que comer estas sete berinjelas. Assim que comer, o encanto se quebrará, e você voltará a ser gente – o cavalo fez movimento horizontal com a cabeça, como quem desaprova uma ideia.
– Puxa, agora lembrei que você não gosta de berinjelas. Sua mãe vive dizendo para você comer berinjelas, mas você detesta. Só que, desta vez, você vai ter de comer estas sete, se não quiser ser cavalo para o resto da vida. Essas berinjelas foram sugeridas por um Sennin, não tem erro.
Assim, fazendo cara de poucos amigos, o cavalo começou a comer as berinjelas. Depois, ao digerir a última, como num passe de mágica, voltou a ser Eisuke. Os dois se abraçaram de alegria e trataram de fugir do local o mais rápido possível.
De volta à aldeia, cada um foi para sua casa e, durante bom tempo, tiveram histórias para contar. Anos depois, tornaram-se sócios em uma plantação de berinjelas e continuaram bons amigos para sempre.
Fontes:
http://www.nippobrasil.com.br
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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