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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Contos e Lendas do Japão (O cavalo das cores e as sete berinjelas)


No Japão, existe um dito que diz: “Se ama seu filho, permita que ele viaje”. O imigrante japonês no Brasil conhece bem o sentido dessa frase.

Há muitos e muitos anos, numa aldeia rural do Japão, viviam dois inseparáveis amigos. Eisuke era filho do chefe da aldeia, uma família abastada, dona das terras daquela região. Goro era filho de pobres lavradores, que trabalhavam nas terras do pai de Eisuke. Apesar da diferença social econômica das famílias de ambos, eles viviam sempre juntos, desde quando pequeninos.

Certa ocasião, os dois, cansados de viverem dentro dos limites da aldeia, resolveram conhecer outras paragens e ganharam a estrada.

Caminhavam alegremente, ora cantando, ora tirando músicas assoprando folhas de bambu esticadas nos lábios. Prosseguiam a viagem despreocupados.

Dias depois, na travessia de uma montanha, perderam-se no meio da mata. A noite caiu, e a floresta transformou-se em completa escuridão. Apesar do medo, continuaram caminhando, pois permanecer ali parecia por demais perigoso. De repente, avistaram uma luz no meio da mata. Os dois rumaram apressados em direção à luz, pois devia, com certeza, ser uma casa. Por sorte, era uma hospedaria. Os meninos ficaram animados e pediram uma pousada para uma velha dona da pensão. Cansados que estavam, logo Eisuke adormeceu. Goro, que nunca tinha dormido numa hospedaria, apesar de exausto, não conseguia pegar no sono.

De repente, percebeu que uma pessoa estava atrás de um shoji (parede móvel de papel), então fechou os olhos e fingiu que estava dormindo. De olhos semi-cerrados, viu que a dona da pensão olhou para dentro do quarto e, vendo que os dois estavam dormindo, deu uma risada horripilante e se afastou do corredor. Goro ficou arrepiado de medo, aquela não era uma situação normal.

Da porta corrediça que a velha deixou semi-aberta, Goro podia vê-la na sala no fim do corredor. A velha sentou-se perto do irori (fogareiro), mexeu as cinzas com dois palitos de ferro e acendeu o fogo assoprando as brasas no centro do irori. Em seguida, depositou algumas sementes nas cinzas. Goro não estava entendendo nada do que estava acompanhando.

Para a surpresa do menino, como sementes plantadas começaram a brotar e a crescer em segundos. Como folhas finas e compridas denunciavam que eram pés de arroz, que incrivelmente vieram a soltar cachos, que  carregados, fizeram como hastes curvarem. Segundos depois, os cachos pendentes ficaram amarelos e prontos para ser colhidos.

A velha colheu o arroz, tirou a casca esfregando-o em uma peneira de bambu e cozinhou-o no fogareiro. Depois, amassou-o num pequeno pilão e fez quatro motis (bolinhos de arroz glutinoso). Goro, que assistiu a tudo, pensou em contar para o amigo, mas vendo Eisuke roncando, resolveu deixar para o dia seguinte. Cansado, Goro também acabou pegando no sono.

No dia seguinte, quando Goro despertou, o sol já estava alto. Olhou para o leito ao lado e viu que Eisuke já havia se levantado. Então, levantou-se depressa e correu para a sala. A dona da hospedaria estava oferecendo os bolinhos para Eisuke. Goro gritou para que ele não comesse aquele moti, porém, era tarde. Eisike havia posto o bolinho na boca e degustou-o com satisfação.

– Nossa, que bolinho gostoso. Quero mais.

– Sim, coma! – disse a dona da pensão.

– Não coma! – gritou Goro.

Mas era tarde. Eisuke botou as mãos sobre a barriga, começou a se contorcer e, por mais incrível que possa parecer, transformou-se num cavalo. Um cavalo bonito, mas diferente de todos os cavalos que o homem tinha visto até então. Um cavalo todo colorido, como se fosse um cavalo de circo. Goro ficou paralisado de susto. Compreendeu que era a velha dona da pensão, na verdade, uma Yamanbá (bruxa da montanha), que transforma todos os viajantes que se hospedam. Já havia ouvido qualquer coisa a respeito, mas não acreditou que pudesse ser verdade. No entanto, seu amigo Eisuke era agora um cavalo de sons, com colorido impressionantemente belo e maluco.

– É sua vez. Coma os motis, garoto – disse a velha, esticando o prato com dois bolinhos ao garoto.

Goro estava paralisado de medo, mas numa reação desesperada, derrubou o prato dos bolinhos com um mão e saiu correndo da casa. Correu desesperado, sem rumo, até que avistou uma casa de lavrador no vale.

Quando Goro abriu os olhos, estava estirado sobre um tatame (esteira de palha) na casa do vale. Um velho com barba e cabelos compridos, que observava seu desespero, sorriu e disse:

– Vejo que está melhor. Você bateu na minha porta e desmaiou de canseira.

– Estou com sede. Muita sede – disse Goro, percebendo que estava diante de um Sennin (sábio imortal), e que só ele poderia ajudá-lo a salvar seu amigo.

Depois que tomou várias tigelas de água, Goro contou o ocorrido ao bom velhinho e pediu ajuda para salvar seu amigo. O ancião ensinou, então, que o único modo de salvar seria fazer Eisuke comer sete berinjelas de um mesmo pé.

– Só assim seu amigo voltará a ser humano. 

Em seguida, o velho fez um mapa ensinando o homem onde poderia encontrar uma grande plantação de berinjelas e como chegar de volta à casa da Yamanbá. 

Assim, Goro, agradecendo ao velhinho, seguiu o que indicava o mapa. Uma plantação de berinjela era enorme. Goro saiu contando pé por pé quantas berinjelas tinha cada um. Depois de muitas horas, finalmente achou um pé com as sete berinjelas. Então, arrancou o arbusto e foi em direção à casa da Yamanbá.

O cavalo estava amarrado em uma árvore ao lado da “hospedaria”. Goro aproximou-se sorrateiramente, desamarrou a corda e disse:

– Eisuke, escute, sou eu, Goro.

O cavalo olhou-o como se reconhecesse o amigo e balançou a cabeça no sentido vertical.

– Olha, você tem que comer estas sete berinjelas. Assim que comer, o encanto se quebrará, e você voltará a ser gente – o cavalo fez movimento horizontal com a cabeça, como quem desaprova uma ideia.

– Puxa, agora lembrei que você não gosta de berinjelas. Sua mãe vive dizendo para você comer berinjelas, mas você detesta. Só que, desta vez, você vai ter de comer estas sete, se não quiser ser cavalo para o resto da vida. Essas berinjelas foram sugeridas por um Sennin, não tem erro.

Assim, fazendo cara de poucos amigos, o cavalo começou a comer as berinjelas. Depois, ao digerir a última, como num passe de mágica, voltou a ser Eisuke. Os dois se abraçaram de alegria e trataram de fugir do local o mais rápido possível. 

De volta à aldeia, cada um foi para sua casa e, durante bom tempo, tiveram histórias para contar. Anos depois, tornaram-se sócios em uma plantação de berinjelas e continuaram bons amigos para sempre.

Fontes: 
http://www.nippobrasil.com.br
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Contos e Lendas do Japão (As origens de Maneki-Neko)


Conhecido em todo o mundo como talismã da sorte e, particularmente, como talismã que atrai freguesias para casas comerciais, o Maneki-neko, o gatinho enviado que tem uma patinha levantada, tem diferentes versões a respeito de sua origem, conforme a região do Japão. 

Esta é uma das versões do lado leste do Lago Biwa, na região central do Japão.

Conta a lenda que quando o senhor guerreiro Ii Naotaka (1590~1659) voltava do cerco e tomada do Castelo de Osaka, após ter comandante 3,2 mil homens e se destacado na Batalha de Tennoji, em março de 1615, surpreendido por uma chuva repentina, abrigou-se embaixo de uma árvore próxima do Templo Gotokuji, em Setagaya.

Gotokuji, na época, era um templo decadente, com pouca frequência de fiéis e, portanto, muito pobre. No templo, vivia um monge budista e uma gata de nome Tama. Solitário, o monge conversava com a gatinha lamentando quase uma situação de penúria do templo.

– A situação está cada vez pior. Hoje, nem temos arroz para comer. Bem que você pode dar uma ajuda para melhor nossa situação, em vez de ficar dormindo o dia inteiro.

Esperando a chuva passar sob a árvore, Ii Naotaka olhou para o velho templo e viu o gato sentado sobre suas patas traseiras e acenando com uma pata dianteira levantada. O samurai ficou encantado pela habilidade do bichinho e foi em direção do templo para ver de perto.

Quando Naotaka chegou junto ao templo, um raio fulminante atingiu a árvore exatamente no local em que ele estava encostado. O guerreiro então percebeu que aquele gesto do gato salvou sua vida. Então, entrou no templo para rezar em agradecimento à graça recebida.

No salão principal, havia várias goteiras, e todo o templo estava em condição lamentável. Naotaka fez oferenda de todo o dinheiro que carregava ao altar, comendo com o monge que com a sabedoria de Buda ia usar aquele dinheiro para reformar o templo. Após esse episódio, Naotaka passou a frequentar o Gotokuji, e o local tornou-se, então, o templo oficial da família de Ii Naotaka. Consequentemente, tornou-se um próspero local e visitado por todas pessoas do feudo.

Para homenagear o gesto de Tama, que tanta sorte trouxe ao templo e salvou a vida de Naotaka, foi esculpido e colocado no local uma estátua da gata com uma pata levantada. Como réplicas em miniaturas da estátua, foram distribuídas no Templo Gotokuji como lembrança, tornaram-se, mais tarde, amuleto da sorte, com o nome de Maneki-Neko.

Outra versão

História também bastante conhecida, surgida nos meados da Era Edo (1615~1868), conta que existiu, no bairro de Imado, em Edo (hoje Tóquio), uma velha senhora que tinha um gato de estimação. A velhinha estava em péssimas condições financeiras, porque, devido à idade avançada, não conseguia arranjar um trabalho para garantir seu sustento.

Numa determinada ocasião, a situação ficou tão crítica, que ela não tinha mais como alimentar seu gatinho. Então, conversando com o bichinho, disse:

– É com o coração partido que terei de abandonar você. Devido à minha condição de extrema pobreza, não tenho como continuar a te alimentar.

Depois, com lágrimas nos olhos e barriga roncando, a velhinha foi dormir. Em seu filho, o gato apareceu e disse:

– Molde minha imagem em barro, que trará muita sorte.

No dia seguinte, ela resolveu fazer uma estatueta do gato, conforme o filho havia sugerido. Enquanto ela moldava o barro, o gato estava “lavando a cara” com gestos exagerados e, a velhinha resolveu moldar o bichinho com uma pata levantada. Nisso, passou uma pessoa em frente de sua casa e, achando interessante, quis comprar a estatueta. 

Como estava dias sem comer, a velhinha vendeu a estatueta e comprou comida para ela e o gato. Assim, de barriga cheia, resolveu fazer outra estatueta para deixar como talismã da sorte. Porém, apareceu outra pessoa e comprou a segunda estatueta

Quanto mais a velhinha fazia estatuetas, mais aparecia gente para comprá-las. Com isso, ela mudou de vida e nunca mais passou necessidades. E a estatueta da sorte passou a ser conhecida como Maneki-Neko.

Fonte: 
http://www.nippobrasil.com.br/

sábado, 21 de junho de 2025

Os Mukashi banashi (contos antigos) da literatura japonesa – Parte II, final

texto da Profª Drª Márcia Hitomi Namekata*


PARTICULARIDADES DOS MUKASHI BANASHI JAPONESES

A despeito de minha ascendência japonesa, desde cedo as diferenças entre os enredos dos mukashi banashi japoneses e dos contos maravilhosos ocidentais chamaram-me a atenção. O que, primeiramente, saltava-me aos olhos, era a extensão da história: eu gostava muito daquelas que apresentavam uma narrativa longa e descrições detalhadas, e os contos japoneses, em sua maioria, são bastante concisos e faltam detalhes acerca dos cenários e das personagens.

Outra questão diz respeito ao desfecho da história, quase sempre feliz no caso dos contos do Ocidente, ao contrário dos japoneses. Além disso, percebemos nestes traços de violência – por exemplo, os maus-tratos aplicados a um animal que, para uma criança, normalmente consiste em algo inaceitável; temos, também, contos onde uma personagem inocente morre no meio da história. No caso dos contos ocidentais, a morte é algo que ocorre normalmente ao antagonista (vilão). É interessante notar que, nos mukashi banashi e nas histórias japonesas de modo geral, dificilmente o vilão é morto no desfecho da narrativa; o mais comum é que seja afugentado. Podemos a isso relacionar o pensamento japonês de que a preferência por afugentar, ao invés de matar, baseia-se na ideia de que é melhor podermos escapar ao mal, uma vez que não podemos erradicá-lo. Isso porque o Mal, enquanto entidade, nunca será abolido. Mesmo porque, sem a existência do Mal, o Bem não teria sua razão de ser. Na realidade, este não é um pensamento característico apenas dos japoneses, mas do povo oriental como um todo, conforme veremos mais à frente.

Há ainda o maniqueísmo das personagens. Nos contos de fadas ocidentais, normalmente elas aparecem divididas entre “heróis” e “vilões”; nos mukashi banashi japoneses, em especial aqueles mais antigos, os limites entre “Bem” e “Mal” não ficam claramente delineados.

Relaciono aqui um exemplo conhecido entre os descendentes de japoneses: a versão infantil do mukashi banashi Urashima Tarô (“Urashima Tarô”), cujo protagonista, um pescador, salva uma tartaruga que estava sendo maltratada por um grupo de crianças. Dias depois, enquanto pescava, Tarô escuta uma voz lhe chamando: era a mesma tartaruga, que o convidava para um passeio ao reino do fundo do mar, como recompensa pela sua boa ação. Chegando ao local, Tarô é recebido pela princesa do Palácio do Dragão, e lá permanece por vários dias, sendo tratado com todas as honrarias. No entanto, certo dia Tarô diz à princesa que desejava voltar à sua terra, pois estava preocupado com seus pais. Ela lamenta, mas concorda com o visitante, oferecendo-lhe como presente uma caixa que, no entanto, não poderia ser aberta. Tarô retorna à sua aldeia, mas nota que tudo está diferente, desde as casas até as pessoas e suas vestimentas. Decide então perguntar por sua família, e um ancião lhe diz que seu avô lhe contara a história de um pescador de nome Urashima Tarô, que havia saído para pescar e nunca mais voltara, e que o fato acontecera trezentos anos antes. Conscientizando-se da diferença de dimensão temporal entre o reino do fundo do mar e sua realidade, ele toma conhecimento da morte de seus pais e, desolado, esquece-se da recomendação da princesa do Palácio do Dragão e abre a caixa: no mesmo instante, de dentro dela, uma fumaça branca se levanta e Tarô transforma-se em um velho.

De modo geral, em todas as lembranças de descendentes de japoneses que conhecem a história, ela suscita certa indignação: por que um homem de “sentimentos nobres” como Tarô, que salva um animal – sendo por isso recompensado – é, ao final, “castigado” dessa forma? A princesa acaba, para muitos, assumindo o papel de “vilã”, na medida em que oferece um presente que não poderia ser aberto; há quem diga que ela, revoltada com o desejo de Tarô de retornar à sua terra, manipula sua curiosidade (proibição de abrir a caixa) através do presente que lhe oferece.

Na classificação de Yanagita Kunio, Urashima Tarô aparece como um densetsu (lenda). No entanto, considerando-se suas versões mais antigas, há um detalhe significativo que foi alterado no decorrer do tempo: nas versões do conto que surgem até o século XV, a princesa do Palácio do Dragão e a tartaruga que Urashima salvara eram o mesmo ser, e o pescador se casa com ela. Dessa forma, é passível de ser classificado também segundo a subcategoria 2.2. (narrativas sobre casamentos) – com o acréscimo de ser uma narrativa sobre casamentos entre seres diferentes (irui kon’in no mukashi banashi).

UM FINAL INFELIZ?

No que se refere ao final da narrativa, frustrante para muitos, é importante considerar que estamos aqui diante de uma questão cultural. Isso se refere também à questão do maniqueísmo das personagens. Já nos referimos anteriormente à impossibilidade de se erradicar o Mal; no pensamento oriental, essa ideia está relacionada à filosofia do Yin-Yang:

(…) Yin e Yang são dois opostos que, juntos, formam uma unidade. Um depende do outro e são realidade somente em união com seu polo oposto. O símbolo que conhecemos de Yin e Yang representa a lei universal da eterna transformação. Significa que um deles, quando chega ao seu apogeu, transforma-se no outro.(…) Isso sugere, portanto, que não há nada que seja apenas Yin ou Yang, negro ou branco, feminino ou masculino, magnético ou elétrico, passivo ou ativo, bom ou mau, escuro ou claro. Significa que as mulheres também têm características masculinas e os homens, qualidades femininas, que uma maldade pode ter algo de bom e um ato de bondade pode transformar-se em seu oposto.(…)

A cultura ocidental tende, ao contrário, a pensar em conceitos absolutos. Nossa educação nos ensina a diferenciar claramente entre o bem e o mal.(…) O símbolo de Yin e Yang descreve outra visão da realidade: nem Yin nem Yang podem ser considerados maus ou bons.(…) Expressa que os opostos se atraem, que se condicionam mutuamente, e que cada coisa e cada processo se converte cedo ou tarde em seu contrário.”  (in ECKERT, Achim. O Tao da Cura, p.16-17)

Do ponto de vista ocidental, Urashima Tarô tem um final considerado infeliz – o fato de Tarô se transformar em um velho e não poder mais encontrar seus pais. Mas, se pensarmos a partir de um viés oriental, talvez o fato se coloque da seguinte maneira: se Tarô não abrisse a caixa, permaneceria eternamente jovem; ou seja, não conheceria a morte e, consequentemente, não passaria a outro patamar espiritual de existência (no caso, o além-morte ou, ainda, uma “outra vida”). Isso talvez explique os tão “polêmicos” – do ponto de vista ocidental – finais de obras literárias japoneses, e mesmo novelas e animes que, muitas vezes, ou não têm um final definido, ou apresentam um desfecho que contraria a preferência ocidental do “felizes para sempre”.

Cabe afirmar que, em alguns mukashi banashi, esses finais “abertos” não ocorrem, visto que em narrativas como Issunbôshi o protagonista segue uma trajetória muito próxima à dos heróis dos contos ocidentais, desde as suas primeiras versões (a primeira versão deste mukashi banashi encontra-se no Otogizôshi, “Coletânea de Contos Maravilhosos”, datada do século XVI).

Independentemente de suas características, mesmo na contemporaneidade os mukashi banashi mantêm o seu encanto, assim como os contos de fadas ocidentais. Seja em forma de livros ilustrados, animações e em outras formas de transmissão, principalmente aquelas direcionadas às crianças.

Uma modalidade de contação de histórias que tem conquistado espaço nos últimos anos é o kamishibai que, literalmente, pode ser traduzida por “teatro de papel”. Trata-se de histórias que são narradas através de lâminas ilustradas, acomodadas em uma espécie de caixa-palco. Pode-se dizer que praticamente qualquer tipo de narrativa pode ser adaptada ao kamishibai; no entanto, os mukashi banashi são bastante adequados para isso, na medida em que, por não apresentarem uma extensão demasiadamente longa, cabem na quantidade média de lâminas propostas para o gênero, que é de doze.

Considerando-se os países onde a cultura japonesa se consolidou através dos imigrantes, diversos mukashi banashi tornaram-se conhecidos entre os descendentes de japoneses que, fossem crianças ou idosos, muitas vezes travaram contato com essas histórias através da transmissão oral, contadas por seus pais ou avós em sua infância – muito embora, na modernidade, esse traço de disseminação cultural tenda a se tornar mais raro. Por outro lado, em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, onde a presença de imigrantes japoneses não é relevante, o kamishibai tem se difundido principalmente nas escolas de educação infantil, como meio de se desenvolver habilidades orais e escritas.

Podemos dizer, então, que a difusão desta modalidade narrativa se apresenta, na atualidade, como uma forma de se manter viva a tradição através destas histórias, que não só retratam o universo japonês através do tempo mas, também, que trazem em sua essência o modo de pensar de seu povo.
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* Márcia Hitomi Namekata nasceu em São Paulo/SP e mora em Curitiba/PR, possui graduação em Letras (Língua, Literatura e Cultura Japonesa) pela Universidade de São Paulo (USP) (1993), mestrado em Letras na USP (1999), doutorado em Letras na USP (2011) e pós-doutorado em Letras (Língua, Literatura e Cultura Japonesa) na USP (2019). Tem experiência nas áreas de Literatura e Cultura Japonesas, e Teoria Literária e Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: mukashi banashi (contos antigos japoneses); folclore; literatura japonesa clássica e moderna; literatura japonesa contemporânea, com ênfase em Haruki Murakami; aspectos míticos da literatura japonesa. Atualmente é professora doutora na área de Língua e Literatura Japonesa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e professora colaboradora na pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo (USP).

Fontes:
Currículo Lattes = https://www.escavador.com/sobre/592814/marcia-hitomi-namekata
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quarta-feira, 18 de junho de 2025

Os Mukashi banashi (contos antigos) da literatura japonesa – Parte I


Mukashi banashi. O que são?
 
Mukashi banashi. Expressão que, para muitos descendentes de japoneses, consiste em algo muito familiar, desde a mais tenra infância. Seu significado, “contos antigos” (se a traduzirmos literalmente: mukashi = antigo, hanashi = conto, narrativa), remete a algo simples mas, em termos literários, bastante amplo.

Pode-se dizer que os mukashi banashi japoneses consistem em uma forma literária que, comparada à literatura ocidental compreende, em âmbito geral, contos de caráter maravilhoso, bem como aqueles que se aproximam das fábulas, mitos e lendas. Considerando, assim, esses mukashi banashi como narrativas cuja origem se perde no tempo, é possível dizer que, de maneira semelhante à maioria dos povos, tais contos faziam parte de um acervo narrativo destinado a adultos; entretanto, com a tradição oral e o decorrer das gerações, sofreram modificações em sua estrutura, fato que veio acarretar, em diversos deles, um direcionamento para o campo infantil.

O surgimento dos mukashi banashi ocorreu em uma fase anterior aos registros escritos, em um período em que dominava uma cultura de caráter animista. O Xintoísmo, nome dado às crenças e práticas religiosas autóctones do Japão anterior ao Budismo (que foi introduzido no Japão no século VI d.C.), apresenta tal característica. A palavra shintô significa, literalmente, “o caminho do kami” e, até os dias de hoje, o Xintoísmo permanece intrinsecamente ligado ao sistema de valores japonês e aos modos de agir e pensar de seu povo.

Considerando-se os contos maravilhosos ocidentais, sua origem não foi muito diferente: tomemos como exemplo os Irmãos Grimm que, no século XIX, coletaram narrativas em meio às populações camponesas, frutos de uma tradição oral. Em sua origem, todas essas histórias faziam parte de um acervo narrativo oral adulto. Após a sua compilação, foram sendo transmitidos através das gerações, até chegarem ao campo literário infantil.

Normalmente os contos ocidentais encontram-se classificados segundo terminologias bastante difundidas, e cujas definições apresentam pontos de semelhança entre si:

Mito
O tema central dos mitos é a renovação da vida e o restabelecimento da ordem que triunfa sobre o caos – ou seja, a luta entre o Bem e o Mal. Trata-se de uma experiência religiosa, que acaba se configurando em uma experiência cultural, visto que todas as civilizações têm um mito de criação que justifica sua presença no mundo. No caso do Japão, temos o mito de Izanami e Izanagi, o casal primordial que gerou várias divindades; a deusa do sol, Amaterasu, genitora de todos os imperadores, nasceu através de Izanagi;

Lenda
Apresenta aspectos similares ao mito, contendo no entanto relatos de acontecimentos onde o maravilhoso e o imaginário superam o histórico. É transmitida e preservada pela tradição oral, e liga-se a certo espaço geográfico e a determinado tempo. Urashima Tarô é tido como o mukashi banashi mais antigo da tradição japonesa, sendo que sua primeira versão surgiu na coletânea Fudoki, do século VIII (Período Nara, 713 d.C.); é classificado como lenda, pois foi uma narrativa registrada na província de Tango (antigo nome da região de Kyoto);

Conto maravilhoso
Narrativas de acontecimentos ou aventuras que se passam no mundo mágico ou maravilhoso (espaço fora da realidade comum em que vivemos).  “(…) a ação no conto localiza-se sempre num ‘país distante, longe, muito longe daqui’, passa-se ‘há muito, muito tempo’, ou então o lugar é em toda e nenhuma parte, a época sempre e nunca. Quando o conto adquire os traços de História, perde sua força – o mesmo ocorre com as personagens” (in: JOLLES, André. Formas Simples, p.202).

Temos ainda os contos de fadas, que são uma “(…) variedade do conto maravilhoso, permeado de acontecimentos sobrenaturais que, no entanto, não causam surpresa ao leitor como, por exemplo, o fato de atribuir aos animais a faculdade da fala e de ações estritamente humanas.” (in: TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica.). Nesse caso, cria-se uma verossimilhança interna: por mais irreais que pareçam os eventos, eles possuem uma lógica dentro do enredo.

Semelhanças entre os mukashi banashi e os contos ocidentais. Classificação dos mukashi banashi japoneses

A partir dos conceitos que foram apresentados, é possível estabelecer paralelos entre os gêneros ocidentais e os mukashi banashi, como podemos visualizar na tabela que segue. Normalmente, quando nos referimos aos mukashi banashi, a terminologia mais utilizada é a de conto maravilhoso, visto que no folclore japonês não existem fadas.

No Japão, o maior estudioso dos mukashi banashi foi Yanagita Kunio, antropólogo que realizou uma vasta pesquisa acerca das histórias e costumes do povo japonês, abrangendo desde aspectos tradicionais, como os festivais, até hábitos e elementos do cotidiano, como moradia e alimentação. Estendendo seus estudos à literatura popular, propôs uma categorização para os mukashi banashi que é considerada a mais difundida no Japão; segundo ele, tais narrativas encontram-se divididas em três categorias e, cada uma destas, em várias subcategorias:

1. Dôbutsu mukashi banashi (literalmente, “mukashi banashi sobre animais”)
1.1. narrativas sobre a origem e hábitos de animais
1.2. narrativas sobre conflitos entre animais

2. Honkaku mukashi banashi (literalmente, “mukashi banashi primitivos”)
2.1. narrativas sobre casamentos entre seres diferentes
2.2. narrativas sobre nascimentos / casamentos
2.3. narrativas sobre casamentos / lutas (competições)
2.3.1. histórias sobre madrastas: o antagonista é a madrasta
2.3.2. histórias sobre irmãos
2.4. narrativas que se referem à obtenção de alguma fortuna
2.4.1.contos dos velhos vizinhos
2.4.2. contos sobre a obtenção de alguma fortuna proveniente de forças maléficas
2.5. narrativas centradas em batalhas contra bakemono / fuga
2.6. narrativas sobre agradecimentos de animais: muitas delas são tidas como lendas (densetsu)

3. Waraibanashi (literalmente, “histórias para rir”)
3.1. narrativas que discorrem sobre alguma alegria inesperada
3.2. narrativas centradas em uma personagem astuta
3.3. narrativas que tratam de personagens cômicas
3.4. narrativas sobre competições de habilidades
3.5. narrativas sobre duelos de sabedoria
3.6. narrativas centradas em uma personagem estúpida

Consideremos, a título de exemplo, alguns mukashi banashi para elucidar a classificação apresentada.

Issunbôshi (“Issunbôshi”)
Seu protagonista assemelha-se aos dos contos “O Pequeno Polegar” e “Polegarzinho”, dos Irmãos Grimm. Sua classificação principal seria a de número 2, honkaku mukashi banashi (mukashi banashi primitivos), subcategoria 2.2. (narrativa sobre nascimentos). Isso porque Issunbôshi é uma criança de nascimento miraculoso, pois nasce a partir das preces de um casal de velhos que não podia ter filhos. Dependendo da variante do conto, o nascimento acontece de forma extraordinária: em uma versão, sua mãe passa por uma gestação de dez meses; em outra, a criança nasce de uma inflamação do dedo polegar da mãe. Cabe aqui afirmar que boa parte dos mukashi banashi japoneses apresenta uma versão em cada província do país, muitas delas diferindo-se entre si: às vezes em alguns detalhes em particular, outras em relação ao próprio desenvolvimento do enredo.

Diversas outras narrativas bastante conhecidas no Japão pertencem a essa classificação, como Momotarô (“O Menino Pêssego”, criança de força descomunal que nasce de dentro de um pêssego), Kaguya Hime (“A Princesa Kaguya”, menina que surge de dentro de um bambu) e Kintarô (“Kintarô”), dentre outros.

Kobutori Jiisan (“O Velhinho Com o Quisto”)
Trata-se de um honkaku mukashi banashi, de subcategoria 2.4.1. (contos dos velhos vizinhos). Há diversas outras narrativas no folclore japonês dentro dessa categorização, como Shitakiri Suzume (“O Pardalzinho Que Teve a Língua Cortada”) e Omusubi Kororin (“O Bolinho de Arroz Que Rolava”), entre outras, cuja temática gira em torno de um velhinho bondoso que consegue obter bens e é invejado por um velho mau, que sempre acaba castigado ao final da narrativa.

Às vezes um mesmo mukashi banashi pode pertencer a mais de uma classificação. Por exemplo, o conto Hanasaka Jiisan (“O Velhinho Que Fazia Florescer”) pode tanto ser classificado na subcategoria 2.4.1., como também na subcategoria 2.6. (narrativas sobre agradecimentos de animais), visto que todas as recompensas que o velhinho bondoso recebe vêm de seu cãozinho que havia sido morto pelo velho invejoso.

Saru Kani Kassen (“A Batalha Entre o Macaco e o Caranguejo”)
É um dôbutsu mukashi banashi (categoria 1) e, como sugere o próprio título, pertence à subcategoria 1.2., por retratar a contenda entre esses dois animais. Comparado às narrativas ocidentais, apresenta estrutura de fábula devido ao aspecto moralizante, com o macaco sendo castigado ao final.
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continua…

Fontes:
Dossiê Literário do Japan Foundation São Paulo
https://fjsp.org.br/dossie_mukashi_banashi_2_mukashibanashi_contosocidentais/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing   

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Contos e Lendas do Mundo (Izanami e Izanagi: A Criação do Japão)


Izanami (aquela que convida) e Izanagi (aquele que é convidado) eram deuses que representavam o Céu e a Terra, e foram eles os criadores de Oyashima (as grandes oito ilha do arquipélago japonês). Também criaram o Sol, a Lua, as tempestades e outros fenômenos naturais além de serem os responsáveis ​​pelo nascimento de outros deuses e da civilização japonesa como um todo.

Naqueles tempos primórdios, só existia um oceano de caos. Kunitokotachi, o governante eterno da terra, apareceu da massa borbulhante com duas divindades subordinadas. Desses deuses nasceram Izanagi e sua irmã (futura esposa) Izanami, considerados enviados dos céus. Depois de criar uma ilha utilizando um arpão, ali estabeleceram um lar e criaram uma coluna sagrada.

Caminhando em direções opostas ao redor da coluna, o casal se encontrou e Izanami elogiou a beleza de Izanagi. Então se casaram e o primeiro filho que nasceu foi um monstro; o segundo, uma ilha. O casal então pediu explicações aos deuses que lhes informaram que a iniciativa do encontro sexual tinha que partir de Izanagi e não de Izanami, como vinha ocorrendo até então.

Seguindo essa orientação, tiveram mais filhos, não só as ilhas que formam o Japão, como inúmeras divindades. O último a nascer dessa união foi Kagutsuchi, o deus do fogo, que acabou queimando Izanami, provocando sua morte. Do vômito, da urina e dos excrementos da deusa ao morrer, nasceram outros deuses. Izanagi ficou tão furioso com o filho, que o decapitou com a espada.

Das gotas de sangue de Kagutsuchi (deus do fogo) que caíram da espada nasceram oito deuses e do corpo sem cabeça de Kagutsuchi surgiram mais oito divindades da montanha. Inconsolável com a morte de Izanami e como ainda não tinham acabado com o trabalho de criação da terra, Izanagi se dirigiu até a “terra das melancolias” (yomotsu-kuni) para tentar resgatar sua esposa.

Ela o recebeu na porta dos infernos e pediu-lhe que esperasse ali enquanto organizava sua liberação dos poderes da morte, proibindo-o que entrasse e a olhasse de perto. Com saudades de sua mulher, Izanagi não esperou e acendendo uma tocha, penetrou na terra da melancolia e teve a horrível visão de Izanami em plena decomposição, e em volta vermes retorcidos e serpentes.

Sentindo-se humilhada, a deusa mandou soldados do inferno, mulheres horríveis e deuses do trovão para que despedaçassem Izanagi, mas este conseguiu repelir os demônios e fugir. Ao final, Izanami saiu da cova e se divorciou do marido, retornando depois para o inferno, cuja porta foi fechada com uma enorme rocha, separando definitivamente o mundo dos vivos com a dos mortos.

Izanami se sentiu desonrado pelo acontecido e foi se purificar no mar. Ao tirar a roupa e seus objetos pessoais, estes se converteram em deuses e deusas. A sujeira que saiu no banho se transformou em outros deuses malignos, forçando Izanagi a criar deidades marinhas para manter o equilíbrio.

Ao lavar o rosto, de seu olho esquerdo nasceu Amaterasu, a deusa do sol, do seu olho direito, Tsuki-yomi, o deus da lua, e do seu nariz Susanowo, o deus da tempestade. A deusa Amaterasu herdaria os céus, Tsukuyomi tomaria o controle da noite e Susanoo seria o deus da tempestade e dos mares.

Fonte:
Japão em Foco

domingo, 18 de agosto de 2019

Contos e Lendas do Mundo (Japão: A Raposa e o Tanuki)


Muito, muito tempo atrás, uma raposa encontrou um tanuki*.

“Como vai tudo, Tanu-kun? Quando se trata de transformação nós dois somos os melhores do mundo, mas eu imagino quem seria o número um, eu ou você?”

O tanuki não respondeu, mas apenas apontou para o próprio peito.

“O que você quer dizer? Você acha que você é o melhor transformador?”

“Isso é certo”, disse o tanuki. Então, eles decidiram ter um concurso de metamorfose.

Uma vez que foi decidido, a raposa não perdeu tempo. “Se eu não superar esse tanuki metido”, pensou a raposa, “será uma vergonha para a fama das raposas.”

Só então a raposa notou uma pedra memorial em pé ao lado da estrada. Assim, a raposa ficou bem próximo a ela e se transformou em uma estátua de Jizo-sama.

Em pouco tempo, o tanuki apareceu. Este tanuki tinha um hábito curioso – sempre que via Jizo-sama, ele ficava com fome e comia o almoço que ele estava carregando. Neste dia não foi diferente.

“Meu Deus, eu estou com tanta fome. Acho que vou almoçar.”

O tanuki pegou o almoço que ele estava carregando em suas costas e tirou alguns bolinhos de arroz. Ele colocou um diante de Jizo-sama como oferenda, e inclinou a cabeça.

Talvez ele tivesse orado “que a raposa será vencida no concurso de transformação.” Mas, quando ele levantou a cabeça e abriu os olhos, foi pego de surpresa. O bolinho de arroz que ele tinha oferecido não estava mais lá. Isso foi estranho. Pensando nisso, ele se perguntou se talvez ele realmente não tivesse feito a oferta. Então ele com muito cuidado colocou outro bolinho em frente à estátua de Jizo-sama. Ele abaixou a cabeça, orou “Namu Amida Butsu, Namu Amida Butsu”* e levantou a cabeça imediatamente. O quê? O bolinho tinha sumido!

“Isso não está certo!”

O tanuki colocou mais um bolo de arroz na frente de Jizo-sama, disse rapidamente: “Namu Amida -” e levantou a cabeça antes que pudesse sequer ter a certeza que ele tinha realmente abaixado. O que ele viu foi Jizo-sama com um bolinho de arroz meio comido em uma das mãos.

“Ei!” o tanuki gritou, e agarrou o braço de Jizo-sama. O que havia sido Jizo-sama voltou à sua forma habitual, a raposa.

“O que é tudo isso, Kitsune-san?” perguntou o tanuki.

“Agora é a sua vez”, respondeu a raposa. O tanuki pensou por um momento, e levou de volta o que restava do bolinho antes de falar.

“Cerca de meio dia de amanhã eu vou me transformar no senhor do castelo e passar por aqui, e então olhar de perto.”

E assim, a raposa ficou esperando lá no dia seguinte. Finalmente, ele viu a procissão do senhor vindo em sua direção.

Primeiro vieram os varredores gritando “Abaixo! Todo mundo no chão!” Depois disso veio uma longa fila de samurai, e, em seguida, a liteira em que o senhor estava sentado. A raposa estava cheio de admiração, e correu para a liteira do senhor, sem sequer pensar mudar para a forma humana.

“Senhor Tanu, senhor Tanu”, ele chamou, “você me venceu.”

No entanto, a procissão não era uma transformação do tanuki, e sim uma procissão de verdade. E assim, um dos samurais carregando um grupo correu para a raposa. A surra que raposa levou foi severa. E de verdade.
____________________________
Notas:
* A oração Amida Butsu é amplamente ensinada por ser universalmente eficazes, e também tem a vantagem de ser curto. Isso é útil em um caso como este, quando a pessoa precisa rezar não tem nada de especial para pedir.

* Tanuki – é um personagem do folclore japonês desde tempos antigos. Ele é uma criatura mística, travessa e alegre, mestre no disfarce e na troca de formas, segundo relatos sobre a “criatura” que constam no livro Kojiki (Registro das Coisas Antigas), o livro mais antigo sobre a cultura do Japão, datado de 712. Diz-se que a principal característica do Tanuki é a predileção por saquê (sake, bebida fermentada feita de arroz). A criatura é frequentemente retratada com uma garrafa de saquê em uma mão e uma nota promissória na outra – uma conta que ele nunca paga – e sempre usando um chapéu.
Desde os tempos antigos até os atuais, estátuas de Tanuki podem ser vistas nas portas (tanto do lado de fora como de dentro) de restaurantes e izakaya (um tipo de bar japonês) para atrair clientes. Isso porque imagens de Tanuki são consideradas amuletos de boa sorte e prosperidade, enquanto ele próprio é um grande degustador de comida e bebidas, em especial o saquê, claro.
No Japão antigo, a identificação do Tanuki era incerta. Ele era referido à animais como itachi (doninha), ten (marta), musasabi (esquilo voador). Uma definição mais precisa do termo Tanuki ocorreu a partir da Período Edo (1603–1868), quando acabaram por identificá-lo com o texugo ou guaxinim japonês.
Contam as lendas que os planos fracassados em aplicar brincadeiras nos humanos, em muitas das vezes, seria por conta de sua adoração por saquê. “Ao sentir o aroma da bebida, o Tanuki esquece imediatamente de seu disfarce e levanta o rabo, revelando sua  verdadeira identidade”, conta um trecho em uma de suas lendas descritas no livro “Legends of Japan”, obra compilada em três volumes por F. Hadland Davis, escritor e estudioso da mitologia japonesa. o folclore japonês retrata Tanuki como uma criatura brincalhona, astuta e, ao mesmo tempo, “atrapalhada”. São raros os contos japoneses descrevendo um Tanuki cruel. (Fonte: Mundo-Nipo)


Fonte:
Casa de Cha

domingo, 16 de dezembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (Japão: A luta de sabres)


Essa história transcorre no século 17, no Japão, durante um período de fome.

Um camponês não tinha com o que alimentar sua família e se recorda do costume que promete forte recompensa àquele que seja capaz de desafiar e vencer o mestre de uma escola de sabre.

Ainda que nunca houvesse tocado numa arma em sua vida, o camponês desafia o mestre mais famoso da região. No dia fixado, diante de público numeroso, os dois homens se enfrentam. O camponês, sem se mostrar impressionado pela reputação do adversário, o espera com firmeza, enquanto o mestre de sabre estava um pouco perturbado por tal determinação. 

Quem será este homem? - pensa - Jamais nenhum vilão teria coragem de me desafiar. Não será uma armadilha de meus inimigos?

O camponês, acuado pela fome, se adianta resolutamente até seu rival. O mestre vacila, desconcertado pela total ausência de técnica de seu adversário. Finalmente, retrocede movido pelo medo. Antes do primeiro assalto, o mestre sente que será vencido. Baixa seu sabre e diz:

- Você é o vencedor. Pela primeira vez na vida seria abatido. Entre todas as escolas de sabre, a minha é a mais renomada. É conhecida com o nome de "A que num só gesto dá dez mil golpes". Posso perguntar-lhe, respeitosamente, o nome de sua escola?

- A escola da fome! - responde o camponês.

Fonte:

domingo, 29 de janeiro de 2017

Folclore Japonês (Kaguya Hime: A Princesa da Lua)

A lenda da Princesa Kaguya também conhecido como o Conto do Cortador de Bambu, cujo título original é Taketori monogatari, data do Século X, é considerada a mais antiga narrativa japonesa existente. 

Kaguya-Hime: A Lenda

Há muito, muito tempo atrás, viveu um homem conhecido como O Velho Cortador de Bambu, ou “Taketori”. Todos os dias, andava entre os campos e as montanhas para colher bambus que, depois, transformava em lindos cestos e nos mais variados artigos. Seu nome era Sanuki no Miyatsuko.

O ancião e sua velha esposa viviam juntos numa casa no meio da floresta. Eles eram muito pobres e solitários, pois não tinham filhos para criar.

Um belo dia, enquanto estava na floresta, o velho Sanuki percebeu entre os bambus um talo cuja base brilhava intensamente. Achando aquilo muito estranho, aproximou-se para examinar melhor e viu uma luz intensa dentro do talo oco. Ele ficou espantado, pois, em anos e anos de trabalho, nunca havia visto algo como aquilo. Muito curioso, ele cortou o bambu e mal pôde acreditar no que viu. Dentro do talo, havia uma garotinha encantadora, com cerca de dez centímetros de altura.

“Uma menina, uma menina! Tão pequena e tão linda, só pode ser um presente dos Deuses!” -Disse o velho homem  – “Eu a descobri porque você estava aqui, entre os bambus que vejo todos os dias. Isso deve significar que você está destinada a ser minha filha.”

Então, ele pegou a frágil garotinha na palma de suas calejadas mãos e a levou para casa, entregando-a aos cuidados da sua esposa para que a criasse. Ao ver a menina, a velha senhora também ficou muito contente e encantada com a criança que possuía uma beleza incomparável, e era tão pequena que eles a colocaram num cesto para protegê-la.

Depois desse dia, por várias vezes, quando o Velho Cortador de Bambu recolhia os bambus, encontrava alguns talos recheados de moedas de ouro que ele juntou e juntou e, dessa forma, tornou-se um homem rico e importante na região. Pouco a pouco, Sanuki abandonou sua rotina de andar pelos campos para cortar bambus, porém, permaneceu sendo tratado e conhecido pelo antigo ofício: o Cortador de Bambu.

Kaguya Hime crescia muito rápido e a cada dia parecia mais bonita. Menos de três meses depois da sua chegada, a pequenina já era alta como uma adolescente. Até então, durante dias e noites, os pais, preocupados com a sua segurança, sequer tinham permitido que a filha saísse de seu quarto protegido por enormes cortinas.

Ninguém poderia acreditar que uma pessoa tão bonita pertencesse a este mundo. A menina tinha uma pureza de traços sem igual no mundo inteiro, e sua presença iluminava a casa com uma luz intensa que não deixava nem um canto na penumbra. Além disso, todas as vezes que o velho homem se sentia desanimado, com alguma dor ou até mesmo com raiva, bastava olhar para a criança e tudo passava. Diante dela, tudo ficava perfeito.

Ao alcançar o tamanho de adulta, um homem sábio de Mimuroto, de nome Imbe no Akita, foi convidado a dar a jovem um nome de mulher. Akita a chamou de “Nayotake no Kaguya-hime”, a Princesa Resplandecente do Bambu Flexível.

Os pais, que cuidavam dela amorosamente, decidiram celebrar o acontecimento com sua entrada na vida adulta. Para a comemoração, a jovem foi cuidadosamente preparada. Seus cabelos foram penteados para cima e a vestiram com trajes longos, de modo que a sua beleza foi ainda mais realçada.

A princesa Kaguya-hime estava deslumbrante. Sua festa, engrandecida por atrações de todos os tipos, durou três dias inteiros. Homens e mulheres foram convidados e se divertiram largamente.

Logo os comentários sobre a beleza da Kaguya Hime se espalharam e vinham jovens de todos os cantos do país para conhecê-la. Todos, encantados com a bela jovem queriam se casar com ela, mas Kaguya não queria se casar com ninguém. “Quero ficar ao lado de vocês dois”, dizia a jovem para seus velhos pais.

Mas cinco jovens nobres, de posições importantes, foram mais persistentes. Eles acamparam em frente à casa de Kaguya Hime e pediam uma chance a ela.

Preocupado, o velhinho chamou Kaguya e disse: “Minha filha, eu gostaria muito de ter você sempre por perto, mas acho justo que se case. Escolha um dentre os cinco rapazes que estão acampados aqui”.

Assim, depois de refletir, a linda jovem decidiu. “Eu me casarei com aquele que me trouxer o objeto mágico que pedirei”.

Um colar feito com os olhos de um dragão, um vaso feito com pedras dos deuses que nunca se quebra, um manto de pele de animal forrado de ouro, um galho que faz crescer pedras preciosas, um leque que brilha como a luz do sol e uma concha que a andorinha põe junto com seus ovos. Estes foram os objetos que Kaguya Hime pediu.

O velhinho levou os pedidos de Kaguya aos pretendentes acampados. Ele sabia que seria muito difícil conseguirem obter tais objetos. Qual não foi sua surpresa quando, ao final de alguns meses, todos os pretendentes trouxeram os presentes para Kaguya. Mas, quando eles foram obrigados a entregá-los a jovem, todos admitiram que os presentes eram falsos, pois conseguir os verdadeiros era uma missão muito difícil. E assim, nenhum deles obteve êxito.

Com a falha de todos os cinco príncipes, Kaguyahime, o velho taketori e sua esposa viveram tranquilos e felizes por uns tempos, como uma família unida. Mas as histórias sobre os feitos e falhas dos príncipes percorreram todo o Japão e chegaram ao ouvidos do imperador.

Este ficou então curioso e fascinado pelos relatos sobre a beleza da princesa, e se interessou em conhecê-la, enviando até seu pai então, um convite para que comparecesse a sede imperial.

Mas mesmo o convite do imperador foi rejeitado pela jovem, o que o irritou e o fez enviar então uma ordem convocativa. Temendo o imperador o cortador de bambu aconselhou à filha que obedecesse, mas ela surpreendeu a todos mais uma vez declarando que não obedeceria a ordem e que nem poderia, pois caso se afastasse de casa, iria dissolver-se em fumaça e desaparecer.

Dessa vez o Imperador não se enfureceu devido a justificativa, mas ficou ainda mais interessado, passaram então a trocar correspondências frequentemente e acabaram se tornando amigos, mas sempre adiando uma oportunidade de se conhecerem, enviando um ao outro poemas e contos. E assim, a família do taketori permaneceu em paz por alguns anos a mais.

Quatro primaveras haviam se passado desde que Kaguya fora encontrada no broto de bambu. Mas ela ficava mais triste a cada dia. Noite após noite, Kaguya Hime olhava para a lua, suspirando. Preocupado, o velho pai um dia perguntou: “Por que está tão triste minha filha?”. “Eu gostaria de ficar aqui para sempre, mas logo devo retornar.” Disse a jovem. “Retornar, mas para onde? O seu lugar é aqui conosco, nunca deixaremos você partir.” Disse o pai aflito. “Este não é o meu reino, eu sou uma princesa de Reino da Lua e, na próxima lua cheia, eles virão me buscar”. Completou tristemente a princesa.

Muito assustados com a reveladora confissão de Kaguya Hime, os velhinhos decidiram pedir ajuda ao imperador do reino onde viviam. O Imperador, em ajuda, prontamente enviou muitos guardas para vigiarem a casa do casal. Um verdadeiro exército foi formado.

No dia seguinte, a temida noite de lua cheia chegou. A casa estava tão vigiada que parecia impossível alguém conseguir levar Kaguya Hime. De repente, uma enorme luz surgiu no céu, como se milhares de luas estivessem presentes ao mesmo tempo.

A luz era tão intensa que ninguém conseguiu enxergar a carruagem que descia, guiada por um grande cavalo alado e muitos seres ricamente trajados. Depois de algum tempo, quando a luz diminuiu, a carruagem já estava voando, em direção à lua. Kaguya Hime não estava mais presente, ela fora junto com a comitiva celestial. A comitiva celeste levou Kaguya-hime de volta à Tsuki-no-Miyako (A Capital da Lua), deixando seus pais adotivos da terra em lágrimas.

Os velhos pais ficaram muito tristes, inconformados voltaram ao aposento de Kaguya e encontraram um potinho, presente da filha querida. Ela havia deixado um pó mágico, uma pequena amostra do elixir da vida que garantiria a vida eterna para os dois.

Mas, sem sua filha amada, os velhinhos não tinham motivo para viver para sempre. Eles recolheram todos os pertences de Kaguya e levaram para o monte mais alto do Japão. Lá, queimaram tudo, junto com o pó mágico deixado pela jovem. Uma fumaça branca foi vista subindo ao céu naquele dia.

A montanha era o Monte Fuji. A lenda diz que a palavra imortalidade (fushi ou fuji) tornou-se o nome da montanha, “Monte Fuji”. Dizem, que ainda hoje, é possível ver a fumaça branca subindo em direção ao céu.

Fonte:  Myths and Legends of ancient Japan in Caçadores de Lendas 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Conto Japonês (O nome da gata)

Há muitos e muitos anos, numa pequena cidade no interior do Japão vivia um casal de velhinhos. Eles levavam uma vida feliz e tranquila e amavam a natureza. Certo dia quando os velhinhos visitavam um templo, o monge deu a eles uma gatinha que havia nascido sob o assoalho do pavilhão de orações.

O velhinho e a velhinha receberam a linda gatinha como quem recebe uma graça divina. Eles não tinham filhos e sentiram que podiam criar aquele pequeno animal com todo carinho e dedicação. Enquanto voltavam para casa foram discutindo qual nome dariam para a gatinha.

- Vamos dar o nome de uma pessoa forte e valente para que nossa gatinha seja sadia e corajosa - disse o velhinho.

- Sugiro que seja Musashi-bo Benkei, pois é um forte e valente guerreiro e ao mesmo tempo, um monge dedicado - respondeu a velhinha.

- Seria um nome perfeito se Benkei não fosse nome de homem. Nossa gatinha tem que ter nome de mulher.

- Que tal Tomoe Gozen, nome da mais forte mulher guerreira do Japão. Ela participou de várias batalhas cavalgando pelos campos, vestida de armadura e brandindo sua mortal naguinata (alabarda). Lutou ao lado do marido Minamoto no Yoshinaga, até tomar a capital do Japão e expulsar os poderosos de Heian-kyo (capital do antigo Japão).

- Tomoe Gozen, pode ser um nome interessante, porém é um nome muito comprido. Para chamar nossa gatinha será preciso repetir - Tomoe Gozen, Tomoe Gozen, Tomoe Gozen...ah! é comprido demais.

Assim os velhinhos continuaram pensando em qual nome colocar na gatinha, quando chegam em casa. Um vizinho que os viu chegar foi logo perguntando.

- Oh! Que linda gatinha, qual é o nome dela?

- Pois estávamos pensando exatamente em qual nome dar para ela. Tem alguma sugestão?

- Deixe-me ver...acho que Tora (tigre) combina com as manchas na pele dela.

- Pensando bem é um bom nome, pois o tigre é um animal forte e destemido.

Assim a gatinha passou a ser chamada de Tora, sendo tratada com muito carinho.

No dia seguinte o casal brincava com a gatinha chamando Tora pra cá e Tora pra lá. Nisso a mulher do vizinho que observava do portão perguntou:

- Por que deram o nome de Tora para um bichinho tão delicado?

- A sugestão foi de seu marido, e nós aceitamos porque queremos que nossa gatinha cresça muito forte.

- Ah! Meu marido não sabe nada. O animal mais forte que existe é o ryu (dragão). Se lutarem dentro d’água, o dragão vence o tigre facilmente.

O casal concluiu que a vizinha tinha razão e mudaram o nome da gatinha para Ryu.

Alguns dias depois, passou por ali um andarilho e comentou:

- É a primeira vez que ouço uma gatinha sendo chamada de Ryu (dragão). Por que puseram um nome tão diferente para uma gatinha?

Mais uma vez o velhinho explicou que era um nome sugestivo para a gatinha crescer forte.

- Realmente o dragão é um animal muito forte, porém, todos nós sabemos que em dia de grande tempestade, o dragão sobe nadando na chuva e penetra numa nuvem para chegar ao céu. Portanto, se não fosse a nuvem ele jamais chegaria ao céu. Isso significa que a nuvem é mais forte que o dragão.

O casal pensou, pensou e concluíram que o andarilho tinha razão. Assim mudaram o nome da gatinha para Kumo (nuvem). O andarilho seguiu sua caminhada e chegando ao castelo mais próximo comentou o que tinha acontecido.

Na época havia na corte muitos debates culturais. Os intelectuais discutiam incansavelmente durante anos à fio, qual era a estação do ano mais bonita: a primavera ou o outono. Também faziam debates para saber qual a flor mais bonita: a cerejeira (Sakura) ou a ameixeira (Ume). Houve então, grande interesse em sugerir o nome da gatinha pelos intelectuais do castelo. Um deles foi até o vilarejo e sugeriu ao casal que mudasse o nome da gatinha que agora chamava Kumo (nuvem), para Kaze (vento).

- Por que Kaze?, perguntou o velhinho.

- Ora, pense bem. Um sopro de vento e a nuvem dissipa-se toda. Por isso é melhor dar o nome de Kaze (vento).

O bom velhinho pensou um pouco e concluiu que o cortesão tinha razão. Assim o nome da gatinha foi mudado para Kaze.

Nisso chegou outro intelectual da corte e questionou:

- Ora, Kaze não me parece forte suficiente. Estive observando no último vendaval que o vento destelhou muitas casas, mas não conseguiu derrubar as paredes. Isso significa que Kabe (parede) é mais forte que Kaze (vento).

O argumento pareceu muito convincente ao velhinho e mais uma vez o nome da gatinha foi mudado para Kabe (parede).

- Acho que Kabe será seu nome definitivo, disse o velhinho olhando satisfeito para a gatinha.

Nisso a velhinha fez uma observação:

- Parede não é tão forte assim. Veja ali aquele buraco. Foi o Nezumi (rato) quem fez.

- Então precisamos mudar o nome dela para Nezumi.
- Gato com nome de rato não fica muito bem, e rato tem medo de Neko (gato)...

- Realmente, o gato é mais forte que o rato. Então vamos chama-la de Gatinha. E assim passaram a chamar a gatinha de Gatinha e parece que foi uma medida acertada, pois ninguém mais deu palpite no nome dela.

Fonte:
Gisele Keiko Yamasaki. Contos e Lendas Japonesas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Folclore Japonês (Ningyo: As Sereias do Japão)

Lendas sobre sereias são contadas há muito tempo ao redor do Mundo. Essas criaturas enigmáticas têm sido vistas e encantado marinheiros nas águas dos cantos mais distantes da Terra. No Japão, uma nação rodeada pelo mar, histórias desses seres meio-humanos e meio-peixes foi relatada durante séculos. Sereias são conhecidas como Ningyo em japonês, mas diferente das tradicionais sereias ocidentais, estas se assemelham mais a uma criatura marinha do que a um ser humano, provocando horror nas águas da “Terra do Sol Nascente”.

Com o torso e o rosto variando entre humano e peixe, as sereias nipônicas possuem dedos longos, garras afiadas e brilhantes escamas douradas, podendo variar em tamanho, desde o tamanho de uma criança a um adulto. Suas cabeças foram, por vezes, descritas como sendo deformadas, possuidoras de chifres, ou dentes proeminentes. Em outras versões, as sereias são descritas com uma forma que lembra a versão mais familiar de sereias ocidentais, mas com uma aparência sinistra, meio demoníaca.

Segundo a lenda, são capazes de emitir um canto agradável como a canção de um pássaro ou o doce som de uma flauta. Mas, ao contrário das sereias das lendas do Atlântico e do Mediterrâneo, uma Ningyo do Pacífico e do Mar do Japão são criaturas horríveis, sendo consideradas como um pesadelo surreal ao invés de uma mulher sedutora. Porém, acredita-se que a carne de uma Ningyo pode conceder a imortalidade e, suas lágrimas transformam-se em pérolas e, quando consumidas, trazem a juventude eterna sendo, portanto, assunto de muitos contos populares, alguns assustadores.

Avistamentos de Ningyo estão presentes no Nihon Shoki, um dos livros de registros mais antigos de histórias japonesas, que remonta a 619 dC. De acordo com antigas crenças, apanhar uma Ningyo pode trazer tempestades e infortúnio. Uma Ningyo levada com as ondas para a praia era um presságio de guerra ou calamidade. Essas sereias são consideradas Youkais, possuidoras de poderes sobrenaturais e podem amaldiçoar os seres humanos que tentarem ferir ou capturá-las. Algumas lendas falam de cidades inteiras que foram engolidas por terremotos ou maremotos após um pescador levar para casa uma Ningyo em uma de suas capturas.

Muitas e antigas histórias sobre Ningyos são relatadas na “Terra do Sol Nascente”. Diz-se que o primeiro relato registrado de sereias no Japão data do ano 619, durante o reinado da imperatriz Suiko. Nessa época, uma Ningyo teria sido capturada em águas japonesas e levada perante o tribunal da própria Imperatriz. A criatura teria sido mantida em um tanque improvisado para o entretenimento de Suiko e de seus visitantes.

Com o passar do tempo, qualidades místicas e habilidades mágicas foram atribuídas às sereias do Japão e, assim como outros Youkais, acredita-se que tenham a capacidade de mudar de forma. Uma antiga história se passa no Farol de Nosaapu, ao nordeste de Hokkaido. A lenda conta que, em 1870, os guardiões do farol acreditavam que as sereias locais poderiam se transformar em medusas ou água-viva mortal. Estas sereias teriam se transfigurado em belas mulheres trajadas com requintados quimonos, que vinham em terra para seduzir e atrair os homens para o oceano. Em seguida se transformavam em medusas gigantes, matando qualquer um, tolo o suficiente por ter mergulhado com elas nas águas do mar.

Nomes como: Amabie, Amahiko, Arie e Yao Bikuni, estão entre as lendas de sereias e tritões mais conhecidas dos mares do Japão.

Amabie, uma sereia lendária com poderes de premonição, podia profetizar, quer uma abundante colheita ou devastadoras epidemias. Segundo contam, Amabie era uma Ningyo com o corpo do pescoço para baixo coberto por escamas, semelhante a um peixe, rosto humano e longos cabelos, porém, ao invés de boca, possuía um bico. De acordo com a lenda, no Reino de Higo, antigo distrito da prefeitura de Kumamoto, em torno do quinto mês do ano de Koka (meados de Maio, 1846), durante o Período Edo, um brilhante objeto foi avistado no mar.

Oficiais de Higo foram enviados à costa para investigar o reluzente objeto. E, durante muitas noites, se dirigiram até a beira da praia para observar a intensa luz. Em uma destas vigílias, uma estranha criatura saiu do mar. Ela revelou-se chamar Amabie e pronunciou uma profecia: “Durante seis anos, esse território boa colheita terá, porém, com a colheita, poderá surgir uma epidemia, se a doença surgir, um desenho deverá ser feito a minha imagem e mostrado aos doentes que, ao ver a imagem, se curarão da enfermidade”.  Após profetizar, imediatamente Amabie retornou ao mar. A história foi impressa no Kawaraban (boletim impresso em xilogravura) e assim sua aparência foi divulgada por todo o Japão.

Existem relatos de outras Ningyos com poderes semelhantes por toda costa japonesa. Amahiko Nyudo (amahiko monge), um tritão idêntico a Amabie, foi avistado na província de Hyuga (região de Miyazaki). Uma criatura idêntica, chamado Arie, apareceu em Aoshima-gun, de acordo com o jornal “Yamanashi Nichinichi Shinbun” de 17 de Junho 1876. Todos esses seres eram possuidores de poderes de predição, igual a muitos outros Youkais do vasto folclore nipônico.
Yao Bikuni: A Lenda

Outra lenda famosa sobre Ningyo, com diferentes versões, é a de Yao Bikuni, cujo nome significa “Monja budista de 800 anos”. Durante o período Edo, já rezavam as lendas que ossos de sereias podiam ser usados como remédio para curar qualquer doença, e que a ingestão da carne de uma Ningyo faria com que a pessoa vivesse para sempre.

Segundo essa crença, um homem chamado Takahashi que vivia na província de Wakasa, certa vez, após longo dia no mar, capturou uma criatura incomum em sua rede apinhada de peixes. Em todos os seus anos de pesca, nunca tinha visto nada parecido, animado, convidou seus amigos para provar a sua carne. Depois de muita comemoração e bebedeira, o homem levou parte do que sobrou para casa. Porém a filha de Takahashi, Yao Bikuni, comeu despreocupadamente da carne, sem suspeitar que era de uma ningyo.

Os anos se passaram e Yao Bikuni, manteve a mesma aparência jovem. Ela casou-se, viu a morte de seus pais e de seu marido, mas nunca envelhecia. Depois de ficar viúva, novo e de novo, Yao Bikuni cansou de seus muitos anos de juventude, uma vida perpétua. Amaldiçoada por viver eternamente, ela tornou-se uma monja, dedicando-se a ajudar os necessitados. Até que, aos 800 anos, desapareceu nas cavernas da montanha do local onde havia nascido.

Durante muito tempo, as sereias foram avistadas nos mares do Japão, não só pelos japoneses, mas por marinheiros e oficiais de navios estrangeiros que registraram sua aparição em seus diários de bordo. Em 1610, um capitão britânico registrou ter visto uma sereia em um cais no porto de Sentojonzu. Segundo seu relato, a criatura estava brincando nas proximidades e supostamente veio muito perto do cais onde o capitão desnorteado a avistara.

As Ningyo não só foram avistadas como capturadas por um longo tempo. Muitas vezes por sua carne imortal, em outras, expostas como atrações em Misemonos (feiras do período Edo) que atraia milhares de pessoas. Estes populares eventos, contavam com uma grande variedade de atrações, sendo que os mais aguardados eram as exposições de fenômenos naturais bizarros e exóticos como as sereias. Existem muitos relatos sobre essas criaturas fazerem sucesso nas feiras desse período, além de serem exportadas para outras partes do Mundo. Contam que, muito desse material foram confeccionados artesanalmente para essas exposições, mas eram tão minuciosamente detalhados que enganavam até o mais exigente expectador.

Histórias de Sereias povoaram e encantaram a imaginação, não só dos marinheiros, mais de pessoas do Mundo todo durante muito tempo e, até hoje, suas aparições intrigam envoltas em mistério nas águas de todo canto da Terra.

Fontes:
http://monster.wikia.com/wiki/Ningyo / http://mysteriousuniverse.org/2015/02/the-mysterious-mermaids-of-japan, disponível em Caçadores de Lendas

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Folclore Japonês (A Princesa e a Peônia)

Este é um dos antigos e mais poéticos contos do folclore japonês. Ele nos conta a triste história de um amor impossível entre uma bela princesa e um espírito encantador materializado em forma de flor: O espírito da peônia que manifesta-se sob a aparição de um belo jovem.

Há muitos e muitos anos, em Gamo-Gun, na província de Omi, havia um castelo chamado Azuchi. Era um lugar antigo e magnífico, cercado por uma alta parede de pedras e um fosso cheio de lótus. O senhor feudal era um homem muito rico, porém mal humorado chamado Yuki Naizen no Jô. Sua esposa tinha estado doente por muitos anos e teve uma única filha, que todos chamavam carinhosamente de Aya Hime (princesa Aya).

Na época, o Japão vivia um longo período de paz e tranquilidade, e os senhores feudais haviam abandonado a ideia de guerrear constantemente para conquistar novos territórios. Como os feudatários mantinham relacionamento amigável, Naizen no Jô percebeu então que, a época era oportuna para encontrar um bom pretendente para sua princesa.  Depois de vários contatos, ele optou pelo segundo filho do senhor do castelo de Ako, da província de Harima. Este, para Naizen no Jô, seria apropriado para ser o marido de sua única e amada filha. Os dois feudatários ficaram muito satisfeitos com a possibilidade de que seus filhos viessem a se casar, pois a aliança matrimonial fortaleceria o poder bélico de ambos.

Por esse tempo, no Japão, as famílias ricas marcavam os casamentos de seus filhos sem que estes tivessem prévio conhecimento um do outro. Já que era obrigada a aceitar a determinação de seu pai, a princesa Aya fez grande esforço mental para aceitar seu futuro marido, falando e pensando nele positivamente, mesmo sem nunca tê-lo visto.

Certa ocasião, junto com sua dama de companhia, Aya Hime caminhava pelo enorme jardim do castelo e foi até o canteiro das peônias. Era o seu local preferido, onde adorava apreciar o reflexo da lua, projetada nas águas do lago, e fazia isso, principalmente, em noites de lua cheia que lhe trazia belas inspirações para compor poesias.

Naquela noite, quando Aya Hime estava passeando distraidamente na beira do lago, tropeçou em uma raiz exposta e desequilibrou-se em direção à água. De repente, foi amparada por um jovem que surgiu como num passe de mágica, evitando milagrosamente que ela afundasse lago adentro. Em seguida, assim que a colocou no chão, o rapaz desapareceu tão rapidamente como apareceu. A dama de companhia viu, quando ela tropeçou, um clarão de luz em torno da princesa refletido na água, mas não chegou a ver claramente nenhum rapaz protegendo-a da queda. Já Aya Hime tinha visto perfeitamente o rosto de seu salvador.
A Princesa encontra o Jovem Espírito da flor…

Era o  homem mais bonito que ela poderia imaginar. –Vinte anos de idade, disse ela a Sadayo San, sua dama de companhia favorita, –Ele deve ser um samurai da mais alta ordem. Seu traje estava coberto com minhas peônias preferidas, e sua espada era ricamente ornamentada. Oh!!! eu poderia tê-lo visto mais um minuto, para agradecer-lhe por me salvar da água! Quem pode ser?

– Mas princesa, como ele teria chegado ao jardim, se todo o castelo está cercado pelo fosso e existem muitos guardas no portão? Acho melhor não comentar nada a ninguém, pois seu pai pode ficar zangado, se souber que um estranho esteve no jardim.

A partir daquela noite, Aya não conseguiu esquecer o misterioso rapaz. Por várias vezes esteve no jardim, mas nunca mais o viu.

Tempos depois, ela ficou muito doente e com dificuldades para comer e dormir. Cada dia foi ficando mais pálida e tornou-se impossível realizar seu casamento com o príncipe de Ako na data marcada.
Vários médicos vieram de Quioto para examinar Aya Hime, porém ninguém conseguiu diagnosticar de que doença se tratava. Como último recurso, o senhor feudal Naizen no Jô, interrogou com veemência Sadayo, a dama de companhia de sua filha, pois sabia que ela era a confidente da princesa.

– Os médicos chegaram a pensar que ela estava fingindo estar doente, só para não se casar com o prometido príncipe de Ako. Se você sabe de algum amor secreto dela, me diga, pois, se continuar assim, ela vai acabar morrendo. Você não quer que ela morra, quer? – perguntou o feudatário.

– Senhor, eu prometi à sua filha que jamais revelaria seu segredo. Porém, diante do risco de vida que ela está correndo por causa de sua enfermidade, sou forçada a revelá-lo, se é que isso contribuirá para sua salvação.

Assim, Sadayo contou detalhadamente o que aconteceu na noite de lua cheia no canteiro das peônias…

– Meu senhor, acredito que a doença da princesa Aya é uma doença de amor. Ela está profundamente apaixonada pelo jovem que viu por alguns instantes e depois desapareceu misteriosamente. Tenho medo de que, se não conseguirmos encontrar o tal jovem, ela definhe dia a dia até morrer – disse Sadayo, a dama de companhia da princesa.

– Mas o nosso castelo é muito vigiado, é humanamente impossível que alguém consiga entrar e sair sem ser visto pelos guardas dos portões…  murmurou o pai de Aya, Naizen no Jô.

– Está sugerindo alguma coisa senhor?! Bem sabes que raposas e texugos têm o poder de se transformar em seres humanos e nos enganar. Será possível que algum desses bichos tenha entrado no castelo por alguma pequena abertura no muro?!

Nessa noite, para tentar reanimar a princesa, foi trazido da capital o famoso músico Yashakita Kengyo, mestre num instrumento de cinco cordas chamado “biwa”. A noite estava quente, e o concerto musical foi ao ar livre. Os acordes espalharam-se pelo ar, tomando conta do belo jardim do castelo.

De repente, no canteiro das peônias, um jovem de ar nobre apareceu para ouvir a música. Desta vez todos o viram, e ele trajava a mesma roupa com bordados de peônias em fios de ouro. – É ele! – gritaram todos os que assistiam o concerto. Diante da reação das pessoas, o jovem desapareceu instantaneamente.

 A princesa ficou visivelmente excitada. Levantou-se e foi procurar pelo moço no jardim, mas nada encontrou. O pai dela, senhor do castelo, ficou muito confuso com a situação. No dia seguinte, mandou fazer uma busca minuciosa no jardim, revirando pedras, removendo canteiros de arbustos e procurando em cima das árvores, porém, não encontrou ninguém escondido, nem mesmo raposa ou texugo.

Nessa mesma noite, quando dois músicos do castelo, Yaesan e Yakumo tocavam seus instrumentos, respectivamente a shakuhachi (flauta) e o koto (instrumento de cordas), o jovem novamente apareceu e desapareceu ao ser notado. O mistério aumentou, pois a vigilância tinha sido triplicada, e tudo no castelo foi vasculhado palmo a palmo.

Yuki Naizen no Jô resolveu chamar, então, o renomado Maki Hyogo, um veterano oficial do exército que atuava como conselheiro na corte do Shogun, para capturar o jovem misterioso. O astuto Maki, que adorava desafios, aceitou prontamente a missão. Vestiu-se de preto, como um ninja, para fazer-se invisível e escondeu-se no canteiro das peônias.

Todos tinham percebido que a música exercia certo fascínio sobre o jovem misterioso. Consequentemente, os músicos Yaesan e Yakumo fizeram um concerto naquela noite. O público presente prestou mais atenção no canteiro das peônias do que na música. A certa altura, um belo jovem surgiu no jardim, com magnífica veste ornada de peônias bordadas.

Maki Hyogo levou um susto, pois o jovem surgiu do nada exatamente a um passo de onde ele estava escondido. Em seguida, agarrou o jovem por trás, na altura da cintura. Manteve-o apertado por alguns segundos, quando sentiu uma baforada de vapor na cara e caiu no chão agarrado firmemente ao jovem.

Os guardas e o pessoal do castelo que assistiram à cena correram para o canteiro e, ao chegarem deparam-se com Maki Hyogo no chão:

– Vejam, consegui agarrá-lo – disse Maki, mas, vendo o que estava abraçando, descobriu que se tratava apenas de uma enorme peônia. Como Hiogo também era astrólogo, logo descobriu do que se tratava.

– Raposas e texugos não conseguiriam passar pelos portões e os guardas do castelo, porém, o jovem sim, pois ele é o espírito da peônia e nasceu aqui mesmo.

Os videntes que estavam no local concordaram plenamente com Maki Hiogo. O espírito da peônia manifestava-se sob aparição de um belo jovem, porém não era na verdade um ser material. Esclarecido o caso, a princesa Aya levou a grande flor de peônia para seu quarto e colocou-a num vaso com água.

Dia a dia, ela foi melhorando de saúde, até recuperar-se completamente. Inexplicavelmente, a grande peônia do vaso também ficava cada vez mais radiante, não dando nenhuma mostra de murchar, apesar de o tempo ir passando.

Como a princesa estava agora com ótima aparência, seu pai não via nenhum motivo para continuar adiando o casamento. Então, dias depois, o senhor de Ako e sua família chegaram com uma luxuosa comitiva, para realizar o casamento de seu segundo filho.

A princesa Aya, com pesar, despediu-se da grande peônia e foi para a cerimônia de casamento. Após o ofício, seguiu com seu marido para o castelo de Ako.

As camareiras que acompanharam a princesa viram a incomparável beleza da flor quando foram para a cerimônia. E, após o evento, quando passaram pelo quarto da princesa novamente, viram a peônia murchar e despetalar-se.

A alma da flor, não suportando a dor de ver sua amada princesa casando-se com outro, despetalou-se de tristeza.
 
Fontes: Livro de Richard Gordon Smith, contos antigos e Folclore do Japão in Caçadores de Lendas