sábado, 22 de junho de 2024

Isabel Furini (Poema) 63: Na escuridão

 

A. A. de Assis ( O “Estraga-Lar”)

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura

Quem me contou foi um amigo capixaba. Segundo ele, havia em Vitória um boteco famoso conhecido como “Estraga-Lar” – apelido que botaram nele por conta de um peixinho frito ali servido todo fim de tarde com cerveja ou caipirinha. O freguês saía do trabalho e dava uma passadinha lá pra lubrificar as vias digestivas. Daí que a cônjuja ficava esperando o respectivo em casa, ele não aparecia, e ela de logo dava conta do acontecido: “Encalhou no Estraga”.

Lares vários já haviam sido estragados pelo tal peixinho. Já dera desquite, divórcio, até muita bordoada de mulher nas costelas do desaforoso. O sujeito chegava lá e encalhava mesmo. Quem entrava não saía fácil. Não era talvez nem tanto pelo peixe, nem mesmo pelos repetidos goles. Era mais pela prosa. O pessoal chegava, agarrava na conversa, falava de tudo: de política, de façanhas amorosas, de futebol, até (preferentemente) de intimidades da alheia vida.

Lá um dia, num súbito, entrou no “Estraga” uma insólita presença de saia – Dona Zuca. Pediu peixe, pediu pinga, só ela de mulher na roda barbuda. Os biriteiros estranharam de início, depois fizeram festa. Quem sabe outras tantas resolvessem também frequentar a casa, assim inspirando mais animados papos.

Dona Zuca entrou de sola na conversa. Provocou os papudos para que falassem de suas “puladas”. De cara cheia, eles abriram o baú das confissões. Ela se ria e dava corda. “Mulher é isso”, celebrou lá do fundo um dos bicancas. “Vai ser a rainha do Estraga”, propôs outro.

Machão perto de mulher fica mais empinado ainda. Cada um contava proeza maior.

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura. Dona Zuca fingia nem imaginar o que ali já falara dela o marido, que naquela tarde ela conseguira prender em casa mediante um purgante servido no almoço.  

“Vamos lá, pessoal”, sarreava ela, desafiando a homarada a encher mais a cuca. E tome peixe, e tome pinga, e deixa a prosa correr solta, que quanto mais solta mais comprometedora. Ela se rindo. Os caras nem desconfiando. Se alguém tentava mudar de assunto, ela cutucava: queria ouvi-los falar o máximo de suas traquinagens adulterinas. 

Até que… tchan-tchan-tchan-tchan… Na televisão do boteco entrou o Cid Moreira com o telejornal. Era a hora combinada. Dona Zuca chegou na porta e deu o sinal com um apito. Umas trinta senhoras, que estavam de tocaia na esquina, invadiram o “Estraga-Lar”.

Maridos cercados, Dona Zuca tirou da bolsa um gravador e fez rodar a fita. A pecadaria gravada arrepiou mais ainda a zanga das traídas. Foi a maior pancadaria já registrada nos anais do botequim.

Fonte: Enviado pelo autor.

Vereda da Poesia = 41 =


Trova Humorística de Santos/SP

ANTÔNIO COLAVITE FILHO

O meu cabelo, em verdade,
veja o estado que ele está:
- na banda de lá, metade;
 - metade em banda de cá ...
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Soneto de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

Conversa Calada

Com tanto sentimento solitário,
meu existir interno é tão intenso,
que para reparti-lo às vezes penso
num interlocutor imaginário.

E sinto, então, falar de modo vário
minha alma com seu repertório imenso,
tão vasto que nem sei como é que venço,
sozinha, o turbilhão do meu fadário.

Embora eu tenha apenas uma vida,
termino por fazer-me bipartida,
se eu mesma falo e escuto a minha voz.

Na minha eterna e ardente introversão,
de tanto argumentar com a solidão,
eu vivo sempre dialogando... a sós.
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Aldravia de Itajaí/SC

ANNA RIBEIRO

dor
em
gotas
sobre
púrpura
ilusão
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Soneto de Juiz de Fora/MG

HEGEL PONTES
(1932 – 2012)

Soneto verde

“O Paraibuna, rio singular 
Que vai passando mas não vai embora 
É testemunha mais que milenar 
Da mata do Krambeck em Juiz de Fora 

E diz que a mata é dona do lugar, 
Porque usucapiu a fauna e a flora 
E tudo que devemos preservar 
Desde ontem, hoje e séculos afora 

A mata é o grito verde permanente 
Da natureza em prol do meio-ambiente, 
O bem maior que a humanidade tem.

A mata é vida e em nome da harmonia 
A poetisa Clevane já dizia: 
Quem mata a mata morrerá também.” 
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Trova Premiada em Campo Mourão, 2022

HELDER MARTINEZ DAL COL 
Campo Mourão/PR

Cada experiência nova:
fortuna, alegria ou dor,
acaba virando trova.
Destino de Trovador!
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Poema de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

Olhar de poeta

Olhar de poeta capta diferente...
Em vez de empecilhos, vê a beleza!
É o poeta que sempre passa pra gente,
Dos  puros sentimentos, a sutileza.

Da adversidade ele tira poesia,
Nas densas trevas, o poeta põe luz;
Sabe transformar tristeza em alegria,
No vulto de Judas, projeta Jesus.

O poeta olha com a percepção
De quem sabe pôr encanto em sua rima.
O olhar do poeta deixa a sensação
De um ser altaneiro que enxerga por cima.

A Pátria, sob o olhar de um poeta,
Reconhecida é em seu esplendor.
Uma atitude de postura correta,
De quem em seus versos lhe dedica amor.

No olhar do poeta há a magia
Que a tudo transforma em inspiração.
Para os versos de amor ou de rebeldia,
Seu olhar é antena do coração.
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Quadra Popular

Triste daquele a quem falta,  
na vida, que se evapora,          
uma criança que salta,  
que canta, que ri e chora!
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Soneto de Taubaté/SP

CESÍDIO AMBROGI
Natividade da Serra/SP, 1893 — 1974, Taubaté/SP

Manhã gloriosa

Cintila em ouro o sol pelos caminhos,
no esplendor da manhã que vem raiando;
ouve-se, além, o murmurar dos ninhos
e cruzam-se no espaço asas, noivando.

De em torno a um velho cocho, atropelando
inocentes e mansos cordeirinhos,
anda um poldro, a saltar. Passam riscando
o céu — flechas de neve — dois pombinhos.

E toda a terra que de luz se banha,
despe-se, enfim, das pérolas do orvalho,
para a luta da vida, intensa e estranha.

Obscuro e cruento o embate principia,
e tudo vibra à orquestra do trabalho,
na conquista do pão de cada dia...
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Trova de Juiz de Fora/MG

RENATO MATTOSINHOS

Na noite fria, esquecido,
eu vejo dramas bisonhos,
sou um boêmio perdido,
sem a mulher dos meus sonhos.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira do Mato Dentro/MG, 1902 – 1987, Rio de Janeiro/RJ

Imortalidade

Morre-se de mil motivos
e sem motivo se morre
de saudade,
morreu o poeta
sem morrer à eternidade
ele que fez de uma pedra
louvor para sua cidade
gauche, grande destro
sem querer celebridade
pelos mil que era
num só se fez único
ficando no seu primeiro
caráter de bom mineiro
jamais morrerá
e sempre será.
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Haicai de Itapecerica/MG

CÉLIA LAMOUNIER DE ARAÚJO

O verde se pinta
mostrando serenas tramas
recriando a tinta.
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Sextilha de Pombal/PB

LEANDRO GOMES DE BARROS

Meus versos inda são do tempo
Que as coisas eram de graça:
Pano medido por vara,
Terra medida por braça,
E um cabelo da barba
Era uma letra na praça.
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Trova de Ribeirão Preto/SP

NILTON MANOEL
(Nilton Manoel de Andrade Teixeira)
1945 – 2024

Canta o galo, nasce o dia!
do chão da praça o sem nome,
põe num canto a moradia,
para lutar contra a fome.
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Caminhei por esta rua
procurando o teu calor,
ontem, eu quis dar-te a lua:
hoje, dou-te o meu amor!
José Feldman 
(Campo Mourão/PR)

GLOSA:
Caminhei por esta rua,
deserta, sem um vivente,
carregando a minha crua
dor, por estares ausente!

A cada esquina espreitava
procurando o teu calor,
porém não o encontrava;
só um frio ameaçador!

Um pensamento insinua
quão louco fui... sonhador;
ontem, eu quis dar-te a lua:
loucura... de um trovador!

Agora, quero falar-te;
ouve bem o meu clamor:
se a lua não pude dar-te,
hoje, dou-te o meu amor!
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Aldravia de Porto Alegre/RS

ZÉLIA DENDENA SAMPAIO

casa
de
palha
sono
que
gralha
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
(Afonso Henriques de Guimarães Filho)
Mariana/MG, 1918 – 2008, Rio de Janeiro/RJ

Onde estás...

Onde estás já não sei. Senti bem perto
teu corpo desejado e sempre esquivo.
O amor é um sonho tanto mais incerto
quanto se faça latejante e vivo.

Procuro em mim a estrela e nada vejo.
Quando foi que a perdi? Não me lamento.
Mas o desejo, a febre do desejo,
uiva no vento e se desfaz no vento...

Tudo é saudade em mim. Se estendo os braços,
não colho o teu silêncio. E estás distante...
Mas como em mim não sonhas, como insistes

em superar insônias e cansaços
e colocar no coração amante
coisas da infância, muito embora tristes!
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Trova Premiada em Campo Mourão, 2022

LUÍZA FILLUS 
(Luíza Nelma Fillus)
Irati/PR

Mistérios são tênues linhas
que abrem possibilidades
de vislumbrar entrelinhas,
no mar das diversidades.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

ANASTÁCIO LUÍS DO BONSUCESSO
(1836 – 1899)

Os Ossos

Os ossos de um nobre se encontraram
Com os ossos de um peão. Estando a sós,
Nas tristes solidões de um cemitério,
Pergunta o nobre ao outro: “Os teus avós?…

Por entre essas ossadas que embranquecem
Da lua ao clarão mostrai-me os vossos.”
Responde-lhe o plebeu: “Não os distinguo;
São do nobre e plebeu iguais os ossos.”

Nas pedras sepulcrais ainda brilham
Dos homens a vaidade e a impostura!
Levantai-as, leitor, lede nos ossos…
Somos todos iguais na sepultura!
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Triverso de de São Paulo/SP

CAMILA JABUR

vento nas cortinas,
fico atenta
ao que a manhã ensina.
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Setilha de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA 
(Francisco Garcia de Araújo)

No sertão, cada filho é uma flor, 
que perfuma e inebria um lar feliz, 
quanto mais nasce gente em cada casa, 
mais o dono da casa pede bis; 
mamãe tinha um menino todo ano, 
papai pobre não quis mudar de plano 
criou onze do jeito que Deus quis.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

A história, através dos anos, 
ensina a grande lição: 
– o destino dos tiranos 
será sempre a solidão!
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Muralhas da razão

Nas lágrimas derramadas,
transbordantes de emoção,
essas águas são chamadas
torrentes do coração!…

Às vezes nem sabemos como nasce
tamanha angústia vinda, de repente,
e ao deslizarem lágrimas na face,
nos surpreende a súbita vertente.

Encurralados diante deste impasse:
— ver descoberto o nosso ser carente!...
Dentro de nós, talvez, algo ultrapasse
o escrúpulo insalubre e prepotente.

Lágrimas brotam, soltas, sem disfarce,
e o coração consegue apoderar-se
de um sentimento sufocado em vão.

Mas quando o pranto silencia um grito
pronto a lançar seu eco no infinito,
não derrubou muralhas... da razão!
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Poetrix da Flórida/USA 

ÂNGELA BRETAS
(Ângela Bretas Gomes dos Santos)

Menino de Rua

Na miséria das ruas
Teu sorriso vem fácil
E a morte também…
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Soneto de Jenipapeiro/PI

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

O Tempo Existe

Existe um tempo que sequer sentimos,
existe um tempo que sequer pensou-se,
existe um tempo que o tempo não trouxe,
existe um tempo que sequer medimos.

Existe mais: um tempo em que sorrimos,
diferente do tempo em que chorou-se,
e um tempo neutro: nem amaro ou doce.
Tempos alheios, nem sequer são primos!

Existe um tempo pior do que ruim
e um tempo amado e um tempo de canção,
existe um tempo de pensar que é o fim.

Tempo é o que bate em nosso coração:
um tempo acumulado em tempo-sim,
e um tempo esvaziado em tempo-não.
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Trova de Mogi das Cruzes/SP

DÉCIO RODRIGUES LOPES

Na minha "Melhor Idade",
sendo  velho, sou criança.  
Vivendo a felicidade...
No carrossel  "Esperança"!
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Poema de Portugal

ADOLFO CASAIS MONTEIRO
(Adolfo Vítor Casais Monteiro)
Porto, 1908 – 1972, São Paulo/SP

Permanência

Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
         não sabe nada de geografia celestial.
         Anda aos encontrões da realidade
         sem acertar o tempo com o espaço.
         Os relógios e as fronteiras não tem
         tradução na sua língua. Falta-lhe
         o amor da convenção em que nas outras
         as palavras fingem de certezas.
         O poeta lê apenas os sinais
         da terra. Seus passos cobrem
         apenas distâncias de amor e
         de presença. Sabe
         apenas inúteis palavras de consolo
         e mágoa pelo inútil. Conhece
         apenas do tempo o já perdido; do amor
         a câmara escura sem revelações; do espaço
         o silêncio de um voo pairando
         em toda a parte.
         Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe
         — morto redivivo.

          Tudo é simples para quem
         adia sempre o momento
         de olhar de frente a ameaça
         de quanto não tem resposta.
         Tudo é nada para quem
         descreu de si e do mundo
         e de olhos cegos vai dizendo:
         Não há o que não entendo.

Recordando Velhas Canções (Marcha da quarta-feira de Cinzas)


Compositores: Vinicius de Moraes e Carlos Lyra

Acabou nosso carnaval, 
ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades 
e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê 
é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando 
e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem 
qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, 
voltou a esperança
É o povo que dança, 
contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, 
há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar 
que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver 
e brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
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A Melancolia Pós-Carnaval em 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas'
A música 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas', interpretada pelo Quarteto em CY, é uma reflexão melancólica sobre o fim do carnaval, um período de festividades e alegrias intensas no Brasil. A letra descreve o contraste entre a euforia do carnaval e a quietude que se instala após seu término. As ruas, antes cheias de vida e cor, agora estão silenciosas, e as pessoas parecem desanimadas e distantes umas das outras, marcadas pelas 'saudades e cinzas' que restaram.

No entanto, a canção também traz uma mensagem de esperança e resiliência. Apesar da tristeza momentânea, há um chamado para que se continue a cantar e alegrar a cidade. A música sugere que a alegria é um ato de resistência e que a esperança deve ser mantida viva. A referência às 'coisas azuis' e 'promessas de luz' simboliza a possibilidade de dias melhores e a importância de manter o amor e a esperança no coração.

Por fim, a música evoca a nostalgia dos carnavais passados e o desejo de reviver esses momentos de felicidade. A 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas' é um hino à beleza da tradição carnavalesca e ao espírito de paz que ela pode inspirar. Através de suas letras, a música convida a refletir sobre a transitoriedade da vida e a importância de valorizar e perpetuar os momentos de alegria e união. (https://www.letras.mus.br/quarteto-em-cy/588401/

Jaqueline Machado (“A Metamorfose”, de Franz Kafka)

A incipit* da história atiça a curiosidade dos amantes da literatura e diz assim:

“Quando Gregor Sansa despertou certa manhã, de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.  

A espécie de inseto que o protagonista se transformou não é dita pelo autor, embora muitos digam que o inseto é uma barata gigante. 

Gregor mora com seu pai, sua mãe e sua irmã. Trabalhava como caixeiro-viajante e sustentava a família. 

Mas depois do estranho acontecimento, ficou perceptível que as pessoas do seu lar mudaram seu status de bom rapaz por “fardo familiar”. 

Antes, ele era o provedor da casa, depois, tornou -se um inseto nojento que só podia movimentar-se, e movimentar-se mal, em sua cama e pelas paredes do próprio quarto. A irmã colocava os pratos de comida por debaixo da porta do quarto dele. E seus pais temiam se aproximar de sua nova versão.

Esta história também é uma parábola que descreve o que acontece com as pessoas idosas deixadas de lado por familiares, e com as pessoas com limitações físicas ou mentais, que sofrem por causa da rejeição dos que têm por dever cuidá-las e amá-las, mas lhes negam até mesmo cuidados básicos. 

Kafka, com seu brilhantismo, consegue descrever nessa obra, que nem todo mundo é mau, mas que existe muita gente que só trata bem o seu semelhante quando ganha algo em troca. E depois, se a pessoa não possui mais nada a oferecer, passa a ser desprezada e cancelada pela família e pela sociedade em geral. 

Antes, Gregor era uma joia rara. Depois virou um imprestável que morreu sozinho. E foi varrido e colocado no lixo.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
* Incipit = Primeiras palavras de uma obra.

Fonte: Texto enviado pela autora do artigo 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 69

 

Millôr Fernandes (O cavalo e o cavaleiro)

Pois ainda que pareça incrível, quando o homem chegou às portas do céu, São Pedro disse:

– “Não pode entrar!”

– “Como não posso entrar? Tenho folha corrida de bons antecedentes e tenho bons antecedentes mesmo.” 

– “Sei” – respondeu São Pedro – “mas no céu ninguém entra sem cavalo.”

E o homem, não podendo argumentar com São Pedro, voltou. No caminho encontrou um velho amigo e perguntou aonde ele ia. Disse o amigo que ao céu. Ele lhe explicou então que, sem cavalo, “neca”. O amigo então sugeriu:

– “Olha aqui, São Pedro já está velho. Você fica de quatro, eu monto em você. Ele não percebe nada porque já está velho e míope e nós entramos no céu.”

E assim fizeram.

Na porta, o Santo olhou o nosso herói:

“Opa, você de novo? Ah, conseguiu cavalo, heim? Muito bem, amarre aí fora e pode entrar.”

MORAL: BURRO NÃO ENTRA NO CÉU.

Vereda da Poesia = 40 =

 

Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Ao operar seu nariz
perdeu um olho, o Batista.
Vem outro louco e, então, diz
que o pagamento era... a vista!
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Soneto de Manaus/AM

ANIBAL BEÇA
(Anibal Augusto Ferro de Madureira Beça Neto)
(1946 – 2009)

Soneto com Estrambote Enviesado

Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.

Só meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para à noite tecer nova textura,
novelo de silêncio ao rés da voz.

Enxoval construído nessa usura
solitária de andaimes, num retrós
de linha vertical, que se pendura
na pênsil teia atada, fio em foz

desse rio agulha que me costura
ao rendilhado de águas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.

Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.
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Aldravia de Brasília/DF

BENEDITO PEREIRA DA COSTA

lua
estrelas
mar:
eu
e
você
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Soneto de Recife/PE

MAJELA COLARES

O soldador de palavras

Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo – literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com ideia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A ideia é fogo. Fogo… o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.
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Trova Premiada em Petrópolis/RJ, 2003

MOACYR SALLES 
Brasília/DF

Numa aposta de carreira,
usa a mentira os atalhos.
A verdade chega inteira,
chega a mentira aos frangalhos.
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Poema de Maceió/AL

LYGIA MENEZES

Sonho

Ou foi sonho ou foi loucura,
Dizê-lo bem, nem eu sei.
Sei que apenas uma criatura...
Amei.

E foi tão grande e divino
O grande amor que senti...
Que querendo fugir do meu destino
Sofri.

Sonho lindo! Amor risonho!
Onde me levas? Aonde vais?
— Quem me dera que esse sonho
Não se acabasse nunca mais!...
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Quadra Popular

Amar e saber amar
são dois pontos delicados:
os que amam, são sem conta:
os que sabem, são contados.
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Soneto de Porto Alegre/RS

IALMAR PIO SCHNEIDER

Da Condição Humana

Jamais eu te direi que estou feliz
e me reservo agora este direito
de sofrer por aquilo que não fiz,
pois este é o meu destino e assim o aceito.

Não quero que me julgues satisfeito
e nem tampouco um mísero infeliz,
o meu caminho embora seja estreito
tem amplitudes que sonhei e quis.

Se desejarmos merecer a vida
profundamente além da concebida
iremos naufragar em dissabores…

Por isso aonde eu for e aonde fores
não é preciso conseguir extremos:
sejamos o que somos e seremos… 
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Trova de Curitiba/PR

MÁRIO ZAMATARO

Não há lágrima no pranto
“chorado” numa viola,
mas notas de um desencanto
que a lágrima não consola.
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Poema de Jaú/SP

ANGÉLICA TURINI FERREIRA

Neste labirinto que se chama terra,
que se chama cérebro
que se chama vida,
há estruturas complexas
fragmentos bíblicos
notícias escorrendo…

Pés sangrando.

Dragões alados
alfaias
palavras que se perdem
eis o resultado da meditação!
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Triverso de de Santos/SP

MAHELEN MADUREIRA 

Manhã de sol –
Na praia os caminhantes
Também as libélulas.
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Sextilha de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

Não revelo meu segredo,
se temo ventos ao léu…
Relâmpago é luz que acende;
se um trovão faz escarcéu,
eu penso: é festa de arromba
dos anjinhos, lá no céu!
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Trova de Corumbá/MT

RUBENS DE CASTRO

Você já foi escolhida
para ser, em meu caminho...
na Santa Ceia da Vida,
meu Céu... meu Pão... e meu Vinho!
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE: 
O beco é tão estreitinho, 
lá onde mora o Janjão, 
que da janela o vizinho 
cumprimenta dando a mão!
Jorge Murad 
Rio de Janeiro/GB, 1910 – 1998

GLOSA: 
O beco é tão estreitinho, 
que Janjão, sempre, ao cruzar, 
de manhã, com seu vizinho, 
tem que nele se esfregar! 

Tem um beco tão estreito 
lá onde mora o Janjão, 
que ninguém passa direito 
sem levar um esfregão! 

Janjão curte estar sozinho, 
mas o beco é tão estreito 
que da janela o vizinho 
vê tudo. Quem vai dar jeito? 

Pense num beco estreitinho, 
este, onde mora o Janjão; 
que, ao sair, o seu vizinho 
cumprimenta dando a mão!
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

Nuvens
passantes
escondem
estrelas:
tímidas
top-models
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Soneto de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Ao Poeta

Imprime a tua lavra no papel,
teu sentimento expõe, sem medo, ali;
junta ao mover das cores, com cinzel,
a agilidade dada ao colibri!

Desliza os versos, sem pensar, ao léu,
revela tudo o que se esconde em ti,
pois tu consegues ir do inferno ao céu,
falar de amor com calma ou frenesi!

Depressa, enxuga as lágrimas do pranto,
põe na poesia o mais doce acalanto,
no sonho, o reflorir da primavera!…

Com teu cantar, que fica, além da vida,
podes curar, do amor, muita ferida,
com teu ressoar de vozes da quimera!…
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Trova Premiada de Bauru/SP

EULINDA BARRETO

Passaste por minha vida
e eu escrevi nossa história…
na página envelhecida
eu te prendi… na memória!
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Sonetilho de de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

Num quartinho, sem ninguém…

Num quartinho, sem ninguém,
dorme o moço de Pasárgada,
sonha um homem que não tem
mais ninguém na madrugada.

Num quartinho, sem ninguém,
pousa o pássaro em jornada,
com jornais que não se leem
nestas margens da pousada.

Não tem sono, mas viola,
nota a nota, um violão,
com mil coisas na cachola...

Cão sem dono, pede esmola,
porta a porta, com seu cão
e, sozinho, os seus amola.
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Triverso de Curitiba/PR

ROSALVA FREITAS BRÜSCH

Vento de inverno
Folheou o meu livro
E não leu nada.
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Setilha sobre o Mar, de Ipu/CE

GONÇALO FERREIRA DA SILVA
.
Quando vejo o mar viajo
No doce rumorejar
A saudade evanescente
Como ao ouvido ditar:
Poeta a sua saudade
Recorda a necessidade
De novo retorno ao mar.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

ADELMAR TAVARES
(Adelmar Tavares da Silva Cavalcanti)
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

O perfume do teu lenço
trago comigo na mão.
Mas o cheiro da tua alma,
dentro do meu coração.
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Acróstico de Belo Horizonte/MG

SÍLVIA MOTTA
(Sílvia de Lourdes Araujo Motta)

Coração de Férias
(Acróstico da desilusão Nº 5087)

Coração está quase a parar...
O ritmo sem motivação fez
Requerimento de férias
Amorosas e, sem ilusão
Cessou até de sonhar...
Agora, está vazio de emoção!
O tempo não quer parar!
 
Deixei o relógio cair ao chão
nem assim ele quebrou...
 
Felicidade não há na solidão!
É triste chorar sozinho no canto...
Recordando de tanta decepção!
Inaceitável ausência de carinho!
As férias estão em meu peito,
Sinto-me desfalecer deste jeito!
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Poetrix de Campo Grande/MS

ÉVANES PACHE

sobre a mesa
velas acesas
emprestam luz à sobremesa.
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Soneto à Trova

Atrai-me um bom poema modernista,
embora eu mais o sinta como prosa;
por mais encanto nele, à minha vista,
é como se faltasse aroma à rosa.

Poesia clássica... há quem lhe resista,
dizendo que é cerceada e artificiosa.
Não é verdade; o poeta nasce artista,
brunir seu verso é lide venturosa.

Por isso à trova eu mais me delicío;
a rima, o metro, o ritmo, o desafio
de dizer tudo em quadra pequenina...

Para cumprir tão exigente prova
e compor essa joia que é uma trova,
certamente nos guia... mão divina.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Nas costas, leva a criança
seus livros numa sacola;
nos olhos, leva a esperança
como colega de escola!
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Poema de Cruz Alta/RS

JUÇARA VALVERDE
(Juçara Regina Viégas Valverde)

Noite

Na penumbra da noite,
desfio lembranças.
Escondidos sonhos afloram,
Despertam-me,
insone percebo a amplidão.

O cheiro da noite que a brisa trás
suavemente embala a vida.
Acalento recordações,
fantasias deliram
no passar das horas.

Surge a manhã.
Anunciado, vem o sol,
afaga as montanhas,
acaricia o mar
e me desperta.

Sigo dia adentro
entre bruma e sol,
fantasmas em despedida.
E a cada novo momento,
dispo-me
e livre
vou desfrutar o dia.