segunda-feira, 17 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 36 =


Trova Humorística de São Mateus do Sul/PR

GÉRSON CÉSAR SOUZA

Ao ver que meu teto vaza,
a sogra encerra a visita...
E eu deixo chover lá em casa:
"êta" goteira bendita!!! 
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Soneto de Santos/SP

MARTINS FONTES
(José Martins Fontes)
1884 – 1937

O que se escuta numa velha caixa de música

    Nunca roubei um beijo. O beijo dá-se,
    ou permuta-se, mas naturalmente.
    Em seu sabor seria diferente
    se, em vez de ser trocado, se furtasse.

    Todo beijo de amor, longo ou fugace,
    deve ser u prazer que a ambos contente.
    Quando, encantado, o coração consente,
    beija-se a boca, não se beija a face.

    Não toquemos na flor maravilhosa,
    seja qual for a sedução do ensejo,
    vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

    Como os árabes, loucos de desejo,
    amemos a roseira, olhando a rosa,
    roubemos a mulher e não o beijo.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

DORÉE CAMARGO CORRÊA

mãe
natureza
espalha
ruídos
palavras
amor
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Soneto de São Vicente/SP

CID SILVEIRA
1910 – ????

A Rua da Vida
À Affonso Schmidt

Esta é rua da vida. E a vida se revela,
a rua sem pudor, completamente nua.
Mas, mostrando-se nua, a vida não é bela
e não é boa a vida através desta rua.

O convite que sai da entreaberta janela
tem a fascinação indizível da sua
promessa de pecado! E, atraída por ela,
a sombra do homem pelas portas se insinua ...

Marítimos gingando o corpo forte e suado,
malandros de chinelo, asiáticos franzinos,
toda esta malta vil que o homem detesta

vem deixar, nesta rua, um pouco do passado;
vem cumprir, nesta rua, os seus torvos destinos
para que possa haver a nossa rua honesta! 
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Trova Premiada em Pedralva/MG, 1963

CORIOLANO HENRIQUES DA SILVA CAMPOS 
Maringá/PR

- O que tens, minha netinha,
com este choro profundo?
- Morreu a sua filhinha...
E eu perdi tudo no mundo...
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Poema da Ilha de São Vicente/Cabo Verde

ONÉSIMO DA SILVEIRA

As águas

 A chuva regressou pela boca da noite
Da sua grande caminhada
Qual virgem prostituída
Lançou-se desesperada
Nos braços famintos
Das árvores ressequidas!

   (Nos braços famintos das árvores
Que eram os braços famintos dos homens...)   

 Derramou-se sobre as chagas da terra
E pingou das frestas
Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas
E escorreu do dorso descarnado dos montes!   

 Desceu pela noite a serenar
A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu
Até que ao olhar brando e calmo da manhã
Num aceno farto de promessas
Ressurgiu a terra sarada
Ressumando a fartura e a vida!  
Nos braços das árvores...
Nos braços dos homens...
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Quadra Popular

Eu amante e tu amante,
qual de nós será mais firme?
Eu como o sol a buscar-te,
tu como a sombra a fugir-me?
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Soneto de Campo Grande/MS

REGINALDO ALBUQUERQUE

Soneto ao soneto

Na tua imortal forma, exata e nobre, 
onde a musa imprevista se aventura 
fino pelo de címbalos te encobre, 
desafiando o estro e a razão mais pura. 

Afirmam os incautos que és de cobre, 
arcaico para quem a tessitura 
de cantar o atual jamais se dobre 
ao rigor triunfal que em ti perdura. 

Varinha de condão da antiguidade 
soneto, tua síntese inquieta 
contém sonho, esperanças e saudade… 

Para sempre será o teu reinado, 
enquanto houver no mundo algum poeta 
ou o pulsar de um peito enamorado!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Chega a cantora, que é mestra
no gingado da cintura
e os integrantes da orquestra
nem olham... pra partitura!
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Soneto Inglês de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Dilema

Tenho vivido um dilema
que tem me tirado o sono,
na cama vejo o problema...
já não sei mais quem é o dono.

Deitado, quando eu me viro
vocês podem até rir,
sinto na nuca um respiro...
minha cadela a dormir.

Fico pensando, portanto,
afinal, eu mando ou não?
A safada estica tanto,
que acabo caindo no chão.

A vida é tão engraçada...
"Êta" cadela folgada!!!
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Haicai de Bandeirantes/PR

NEIDE ROCHA PORTUGAL

Quermesse da roça –
Bandeirinhas coloridas
sobre o pó da estrada
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Sextilha sobre a Teia de Trovas de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Se teia tem as aranhas
para pegar seu sustento
não vejo nada de mal
este seu mais novo intento
de criar "Teias de Trovas"
para tecermos as novas
trovas em encadeamento!
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Trova sobre Queimada de São Paulo

ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Cai por terra qualquer festa
e minha alma triste chora,
quando vejo uma floresta
pela queimada indo embora...
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Escada de trovas de São Paulo/SP

FILEMON FRANCISCO MARTINS

“A lua divina e bela,
num capricho assim desfeito,
invade a minha janela
e vem sonhar no meu leito.”
Hedda Carvalho 
Nova Friburgo/RJ

“E Vem Sonhar No Meu Leito”
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

“Invade A Minha Janela”
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

“Num Capricho Assim Desfeito”
ainda há luz e beleza
que o clima fica perfeito
- o amor é paz e  certeza.

“ A Lua Divina E Bela”
reina perene no céu,   
lua que a todos,  revela
quem ama, não vive ao léu.
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Aldravia de Saitama/Japão

EDWEINE LOUREIRO

ao
mundo
azucrinas
com
essa
buzina
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Soneto do Ceará

ARTUR EDUARDO BENEVIDES
Pacatuba/CE, 1923 – 2014, Fortaleza/CE

Do Amor

O amor, este vasto querer bem,
Esse entregar-se quando se é tomado,
Essa estrada de luz, esse ar sagrado,
Esse sentir-se em vésperas, também.

Essa fonte que júbilos contém,
Esse rio em que nado, deslumbrado,
Esse momento retransfigurado, 
Esse fogoso e louco palafrém

– É a força infinita da esperança,
Tão poderoso, que se nos alcança,
Alvorada repõe em nossa vida.

E sendo a longa estrela dos caminhos,
É rosa a nos ferir com seus espinhos,
Do eterno, porém, sendo a medida.
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Trova Premiada em Rio Novo/MG, 1999

EUGÊNIA MARIA RODRIGUES
Rio Novo/MG, 1946 – 2003

Quando a vida me descora,
o sol, no momento exato,
derrama as cores da aurora
nas rugas do meu retrato!
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Poema do Rio Grande do Sul

MÁRIO QUINTANA
Alegrete, 1906 – 1994, Porto Alegre

Ao longo das janelas mortas

Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!...Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso
Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o quê,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho…
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Triverso de de Belo Horizonte/MG

YEDA PRATES BERNIS

Camisas alegres
gangorram agosto
no varal.
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Spina de São Paulo/SP

CARLA BUENO OLIVEIRA

Esqueço de tudo

Esqueço de tudo
Desde que conheci
Você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida
A razão de tudo, enfim,
De existir cada novo verso
Foi tão bom isso acontecer
Não poderia ser o inverso!
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Trova de Osório/RS

SUELY BRAGA

Nunca julgues teu irmão,
olha para teus defeitos.
Abranda teu coração,
mas afasta os preconceitos.
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Glosa de Curitiba/PR

NEI GARCEZ 

Curitiba, Mocidade! 

MOTE:
Curitiba, tanta graça,
só você não fica idosa ;
sempre que no tempo passa,
cada vez é mais formosa!

GLOSA:
Curitiba, tanta graça
que recebe de seu povo,
aqui mesmo desta praça,
ou turista, sempre novo.

De esmerado tratamento
só você não fica idosa,
pelo próprio sentimento
desta clã tão generosa.

Exubera tanta graça
ao turista mais viajado:
sempre que no tempo passa
seu visual é elogiado.

Curitiba, mocidade,
de beleza majestosa,
quanto mais aumenta  idade
cada vez é mais formosa!
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Haicai de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Lá se foi o Ubaldo,
logo após se foi o Rubem.
Lágrimas das letras.
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Soneto de Paris/França

CHARLES BAUDELAIRE
(Charles-Pierre Baudelaire)
1821 – 1867

A Beleza

Eu sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E meu seio, onde todos vem buscar a dor,
É feito para ao poeta inspirar esse amor
Mudo e eterno que no ermo da matéria medra.

No azul, qual uma esfinge, eu reino indecifrada;
Conjugo o alvor do cisne a um coração de neve;
Odeio o movimento e a linha que o descreve,
E nunca choro nem jamais sorrio a nada.

Os poetas, diante do meu gesto de eloquência,
Aos das estátutas mais altivas semelhantes,
Terminarão seus dias sob o pó da ciência;

Pois que disponho, para tais dóceis amantes,
De um puro espelho que idealiza a realidade.
O olhar, meu largo olhar de eterna claridade!

(Tradução de Ivan Junqueira)
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Trova de Belém/PA

ALONSO ROCHA
(Raimundo Alonso Pinheiro Rocha)
1926 – 2011

A igreja, as flores e o eleito,
ela de branco e eu tristonho;
foi o cenário perfeito
para o enterro de meu sonho.
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Oração do Poeta, de Santos/SP

LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Senhor!
Eu vos agradeço, humildemente, por terdes, entre muitos, dado a mim o dom da poesia!
Fazei que jamais eu esqueça de que nada sou, e que de Vós, tudo me veio!
Não permitais que eu use os meus versos para bajular os poderosos e humilhar os pequeninos!
Nas vitórias de meus irmãos que eu sinta a mesma alegria que sentiria se elas fossem minhas!
Se generosamente, a mim trouxerem coroas de louro, que eu as receba com a mesma humildade com que Vós aceitastes a coroa de espinhos!
Que na realidade eu não seja outro diferente daquele mostrado na minha poesia!
Que eu ouça com serenidade as críticas dos amigos, as invejas dos invejosos, e os elogios dos bajuladores!
Que eu cante singelamente, como um pássaro liberto, o canto que Vós me destes sem me preocupar com os aplausos deste mundo!
Que meus versos sirvam de estimulo aos jovens,
de consolo aos velhos,
de esperança aos aflitos,
e de paz aos angustiados.
Que minha vida e minha poesia, nos minutos de alegria
e nos momentos de dor, sejam sempre condensadas numa só palavra: 
A M O R!…

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