sexta-feira, 28 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 47 =


Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

ARLINDO TADEU HAGEN

Meu sogro cheio de medo,
tenta a peruca esconder
e o que ele guarda em segredo
"tô" careca de saber!
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Soneto de São Paulo/SP

HUMBERTO RODRIGUES NETO

Migalhas
 
Que mais desejas, afinal, que eu faça
pra ter por meu o que de ti não tenho,
se já cansado estou com tanto empenho
de haurir de ti a mais suprema graça?
 
Há quanto tempo mendigando eu venho
um pouco mais que esta ventura escassa!
Do amor apenas pingos pões-me à taça
que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!
 
Somente a um outro, nas liriais toalhas
da mesa de Eros serves tua paixão,
mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!
 
E ali enjeitado, a farejar o chão,
o meu amor vive a lamber migalhas
que tu lhe atiras qual se fora a um cão!
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Aldravia de Madri/Espanha

BEGOÑA MONTES ZOFIO

a
rede
continua
balançando
o
ar
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Soneto de Fortaleza/CE

VICÊNCIA JAGUARIBE

Soneto Azul

A Terra é azul! – Informou o astronauta.
Azul também é o pássaro da felicidade.
Azuis são os sonhos da primeira idade
E azuis as mensagens do divino arauto.

Azuis eram os olhos de minha mãe falecida
Que não acreditava no pássaro da felicidade.
Azul também é a cor da imaterialidade
Azul devia ser também a aventura da vida.

No azul me diluo para despistar o inimigo.
De azul me visto e fujo do perigo.
São azuis as notas do Danúbio Azul.

Azul, a fada a quem Pinóquio enterneceu.
Para o azul queremos ir após o último adeus.
Está tudo bem? Dizemos está tudo azul.
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Trova Premiada em Ribeirão Preto/SP, 1998 

DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombro os fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos…
e eis-me a sonhar outra vez! 
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Poema do Rio Grande do Sul

LYA LUFT
(Lya Fett Luft)
Santa Cruz do Sul/RS, 1938 - 2021, Porto Alegre/RS

Canção do Amor Sereno

Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua, e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.

Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.

Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.

Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina.
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Quadra Popular

Você diz que amor não dói?
Dói dentro do coração.
Queira bem e viva ausente,
veja lá se dói ou não...
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Soneto de Piraquara/PR

HORÁCIO PORTELLA
(Horácio Ferreira Portella)
1934 -2012 

A Marcha do Tempo

Sem pressa as horas passam uma a uma,
escorrem para o túnel do passado,
– não se consegue segurar nenhuma -
pois cada qual já deu o seu recado.

Para a memória humana resta a bruma
que pode dar prazer ou desagrado.
Querendo nós ou não assim se esfuma
a vibração do tempo – este é seu fado.

Essa rotina segue sem descanso,
no transcorrer sutil da eternidade,
num caminhar tranquilamente manso.

Assim também os versos do soneto
vão no papel deixando a novidade
envelhecer no último terceto.
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Trova de Brasília/DF

NATAL MACHADO

Com o verde da natureza
e o sorriso da criança
Deus coloriu a tristeza
pondo no mundo a esperança.
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Poema de Paranaguá/PR

JÚLIA DA COSTA
(Júlia Maria da Costa)
Paranaguá/PR, 1844 – 1911, São Francisco do Sul/SC

Sonhos ao Luar

Quem és tu, bardo noturno
Que me fazes meditar?...
Serás por acaso o eco
De meu triste cogitar?...

Eu também amo a saudade
Que me inspira a solidão;
Amo a lua que me fala
Do passado ao coração.

Como tu choro uma noite
De luar que se ocultou;
Como tu choro a esperança
De uma aurora que passou.

Quem és tu, bardo noturno
Que me fazes meditar?...
Quem és tu que na minh’alma
Vens de manso dedilhar?...

Serás inda a sombra errante
De uma noite que morreu?...
Meigo raio de ventura
Que em meu seio se escondeu?...

Quem és tu? Dize quem és
Branca sombra lá do céu!
Dize o nome do teu canto
Que eu dirte-ei quem sou eu!
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Haicai de Ponta Grossa/PR

FERNANDO VASCONCELOS
(Fernando Roque Vasconcelos)
Diamantina/MG, 1937 -2010, Ponta Grossa/PR

Arrulhos no galho: 
Rolinhas embevecidas 
Em prosa de amor. 
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Sextilha de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

O céu deve ser assim:
um jardim onde as avós
e as mães e os anjos do bem,
em coro, numa só voz,
pedem mil bênçãos a Deus
todo o tempo para nós.
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Trova do Rio Grande do Norte

ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN 1951 - 2013 Natal/RN
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Do fogo no matagal,
na fumaça que irradia,
vejo um câncer terminal
no pulmão da ecologia!...
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Glosa de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI 

MOTE: 
Tu vieste qual guarida
dando sentido ao meu passo.
E passaste em minha vida
qual nuvem, sem deixar traço. 
J. B. Xavier 
(São Paulo /SP)

GLOSA: 
Tu vieste qual guarida 
desde o Plano Superior; 
antes mesmo de nascida, 
incrustavas-me de amor. 

Filha amada, tu chegaste 
dando sentido ao meu passo. 
Eu nem sentia o desgaste 
diante de algum embaraço. 

Por força preconcebida, 
deixaste-me abruptamente. 
E passaste em minha vida 
qual um raio, de repente... 

Não me cabe lamentar, 
esse rude descompasso, 
pois tinhas que aqui passar 
qual nuvem, sem deixar traço.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ GONDIM
(Luiz Gondim de Araújo Lins)

fui
letra
depois
palavra
agora
oração
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

AMAURY NICOLINI

Visões

Faço um esforço pra lembrar teu rosto,
mas apenas uma nuvem me aparece,
como se a encobrir todo o desgosto
daquilo que passou e não se esquece.

Ainda há pouco eu conseguia ver-te,
mas os contornos foram se apagando,
junto com a esperança de ainda ter-te,
mesmo que, como antes, eu chorando.

Não sei se agradeço o esquecimento
de como era teu rosto, ou se lamento
pois foi parte importante do passado.

Mas creio que ainda seja bem melhor
outro rosto procurar guardar de cor
do que querer restaurar esse, borrado.
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Trova Premiada em Nova Friburgo/RJ, 2001 

SÉRGIO FERREIRA DA SILVA 
(São Paulo/SP)

Toda paixão se assemelha
à palha, por um detalhe:
basta uma simples centelha,
para que a chama se espalhe…
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Poema de Ubiratã/PR

ODAIR ROBERTO DA SILVA

Amazônia

Oh! Pobre Amazônia!
Berço esplêndido de beleza infinda
Quanto tempo de vida terás ainda?
Teus sequazes predadores não pensam na dor
Que tua destruição provoca em nosso corações.
Humilde berço de um flamejante amor
Galhardeando em tuas razões.

Oh! Linda Amazônia!
Gáudios tempos foram aqueles áureos dias,
Quando a devastação tu ainda não sofrias
E em teu seio reinava a fulgente harmonia natural.
Doiravas ao sol, estrela de imponente ardor.
Deitavas as planícies, esbelta riqueza tropical,
Sonhavas teu futuro num meio de paz e amor.

Oh! Pobres diabos!
Aqueles que em ti cavam a própria sepultura!
Patrimônio da humanidade, berço de tanta agrura.
Falazes homens de monstrengas almas
A podar em ti a vida em seu porvir.
Quando na destruição de tua existência não te acalmas.
Pobres demônios vêm de tua morte rir.

Oh! Amazônia!
Passado, Presente e futura.
Vingarás um dia esta realidade dura.
Teus assassinos pagarão dobrado.
Quando na eternidade repousando estiveres,
Encurralados pagarão o alto preço de um pecado,
Chorando ante às memórias de teus caracteres.
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Triverso de Botucatu/SP

SANDRA REGINA BENATO

vento gelado -
engana o céu sem nuvens
sobre o telhado
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Setilha de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

O Vírus e o Trovador!
 
Graças a Deus, que botou
um vírus que se irradia
no meio dos Trovadores,
dia e noite, noite e dia,
um vírus que bem comprova
a qualidade da trova
da nossa "trovadoria"!
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Trova de São Mateus do Sul/PR

GÉRSON CÉSAR SOUZA

Foi com pregos de desgosto
que a saudade, do seu jeito,
pôs retratos do teu rosto
nas paredes do meu peito...
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Hino de Caicó/RN

(Compositores: Felinto Lúcio Dantas e José Lucas de Barros)

Co’ o vaqueiro da prece lendária
Surge o manto do amor de Sant’Ana
Caicó, jovial centenária
Que os seus filhos queridos ufana.

Pela voz das cachoeiras
“Barra Nova” e “Seridó”
Cantam cantigas de inverno
Saudações a Caicó.

Caicó das missões do Rosário
De alvoradas em belas manhãs
Sê tranquila no teu centenário
Como às águas tranquilas do Itans.

Teu berço de duras rochas
Te fez forte, Caicó
E o trabalho te elegeu
A rainha do Seridó.

Teus bovinos que longas manadas
Se apresentam nos vales e serras
Simbolizam as lides passadas
Na conquista penosa das terras.

Quadro de luta e letras
Inteligência e civismo
Nunca um filho teu negou
Tributo ao patriotismo.

Atalaia do alto sertão
Não se vencem cruéis empecilhos
Caicó eis farol e instrução
Aclamando os talentos dos filhos.
 
Terra de luz e calor
Fibras longas do mocó
Óh rainha centenária
Coração do Seridó.
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Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

LILIAN MAIAL

Música

meu corpo canção
em acordes se afina
tocado por teus olhos
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Soneto de Portugal

ANTÓNIO BOTTO
(António Tomás Botto)
Concavada/Abrantes/Portugal, 1897 – 1959, Rio de Janeiro/RJ

Soneto

Casar, mas para quê, se o casamento 
Não significa o verdadeiro amor? 
E se ele existe – seja como for, 
Deixa de ser amor nesse momento. 

Leva-se a vida, então, no sofrimento 
De um conflito movido no torpor 
Que amortece o respeito e esse pudor 
Necessários ao lar e ao sentimento. 

Com pequenas e raras exceções 
O homem e a mulher andam no mundo 
Ao sabor das mais loucas tentações... 

E, mutuamente, embora não pareça, 
Desejam ambos libertar-se a fundo 
Ou esperam que a morte os favoreça.
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Trova de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

É a rua da minha infância!
Revejo a casa... ouço o trem...
E cismo, em sonho e à distância,
que ela envelheceu... também!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A cigarra e a formiga

Tendo a cigarra em cantigas
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

Rogou-lhe que lhe emprestasse,
Pois tinha riqueza e brio,
Algum grão com que manter-se
Até voltar o aceso estio.

«Amiga, — diz a cigarra —
Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos antes de agosto
Os juros e o principal.»

A formiga nunca empresta,
Nunca dá, por isso junta.
«No verão em que lidavas?»
À pedinte ela pergunta.

Responde a outra: «Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
— Oh, bravo! — torna a formiga;
Cantavas? Pois dança agora!»
(tradução: Bocage)

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