CAROLINA RAMOS
Santos/SP
ARREPENDIMENTOS
Erraste... e quem não erra neste mundo,
repleto de sofismas e ciladas?!
Basta-nos, para errar, um vil segundo,
que o demônio nos tece, às gargalhadas!
A vida abismos cava... explora a fundo,
as faltas pequeninas, simples nadas;
absolve, purifica um charco imundo,
de linhas retas, faz encruzilhadas!
Vês? A vida é também contraditória!
Não te anule a opressão de um desatino!
Ponto final! E enceta nova história,
repetindo, a evitar outros tormentos;
- Assento os alicerces do destino,
"nos meus fecundos arrependimentos" (*]
= = = = = = = = = = =
(*) Chave de Ouro de Guilherme de Almeida
= = = = = = = = =
Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA
JUVÊNCIO
Assim vai Juvêncio
na sua aventura.
Da mata, o silêncio,
suave langor...
- Que motivo tanto
pra tanta bravura?
- Vai atrás do encanto
do seu santo amor.
Um riso escondido
no rosto moreno.
Herói das entranhas
das matas em flor.
No olhar sereno,
uma luz estranha...
Coisas do Cupido,
ciladas do amor!
Vai rasgando as águas
revoltas e turvas,
afogando as mágoas,
sufocando a dor.
Vai dobrando as curvas
do rio e da vida,
esquecendo a lida.
Vai ver seu amor!
A noite já avança,
o sol já descansa,
remar, seu ofício,
sua sina, lutar.
A canoa balança,
o remo lhe cansa.
Tanto sacrifício
pelo verbo amar!...
Não sente pavor
de fera ou visagem,
só pensa na imagem
da Rosa a esperar.
Vai pensando nela,
tão meiga, tão bela,
repleta de amor
e beijos pra dar.
= = = = = = = = =
Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Quem ama não tem vergonha,
faz das tripas coração,
faz que não vê muita coisa,
sofre cada ingratidão!
= = = = = = = = =
Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
SONETO DA SEPARAÇÃO
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
= = = = = = = = =
Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
CREPÚSCULO SERTANEJO
A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo! Marulho gigante!
Tal vez um silêncio!... Tal vez uma orquestra...
Da folha, do cálix, das asas, do inseto ...
Do átomo à estrela... do verme - à floresta!...
As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas - da brisa ao açoite;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!
Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos - um touro selvagem.
Então as marrecas, em torno boiando,
O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…
= = = = = = = = =
Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal
Estremeço nas palavras que não digo
Guardo-as numa caixa fechada, meu abrigo
O céu fica nu sem as estrelas
Ficam tristes os olhos que não conseguem vê-las
Sem ondas o mar adormece
A sereia, sem admirador não aparece
O sol não brilha por detrás das nuvens
A estrada é fácil se não existirem curvas
A chuva não cai se a nuvem não chora
Evapora-se o sorriso se o amor demora...
= = = = = = = = =
Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937
Beijos no Ar
No silêncio da noite, alta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrância feminina assoma
e tentadoramente me desperta.
Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.
De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnólia em flor, em fevereiro,
se exala esse cálido desejo?
Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!
= = = = = = = = =
Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Longe dos meus campos,
das outonais primaveras,
não há pirilampos!
= = = = = = = = =
Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
SINTO O SANGUE GELAR-SE-ME NAS VEIAS
(Verso de José Barreto)
Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
Quando no peito morre uma esperança
Ou se solta um cabelo de uma trança
Onde o ouro brilhava sem ter peias;
E quando a luz que havia nas ideias
Se extingue sem deixar qualquer herança
Que no futuro seja uma lembrança
Dos povos que cantaram epopeias.
E o meu corpo minado pelo frio
Ganha a dureza gélida de um rio
A que os polos dão alma de glaciar.
Sou branca massa de água deslizando
Que sobre um mar de mágoa abominando
Onde eu não sou capaz de me afogar.
= = = = = = = = =
Soneto de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
SPINOZA
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante ideia.
E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.
Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas
Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
= = = = = =
Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
Nas folhas do tempo
ouço o som do vento.
Às vezes lamento,
outras, só fragmento.
As folhas farfalham,
no vento gargalham.
Pedaços se espalham
no tempo, embaralham.
As folhas se agitam
no tempo, levitam
os restos, hesitam.
Os ventos, excitam.
= = = = = = = = =
Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
MINHA CASA
Em frente à minha casa há um jardim
onde os pássaros cantam saltitantes.
Lá dentro há café, beiju e aipim
e a mesa é farta para os visitantes.
A grama verde, as flores e o jasmim
acolhem beija-flores cintilantes.
Quatro palmeiras firmes dizem sim
e fazem sombra aos corações amantes.
Em minha casa tenho alguns armários,
e os livros - meus amigos necessários
que me ensinam a crer num sonho bom.
Creio no amor e em dias fulgurantes
enquanto os versos brotam abundantes,
vou escrevendo e assino Filemon.
= = = = = = = = =
Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal
FALTA DE MIM
Não me sinto há muito,
desapareci,
voei.
Levei de bagagem de mão
o meu coração
e não prometi regressar.
Chorei,
gritei
e até à dor me dei,
sem me conseguir resignar.
O que sinto só eu sei,
não me quero enganar.
Por isso fui
e não voltei…
= = = = = = = = =
Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC
AS NEBULOSAS
Ôba! o solzinho trigueiro
arrebentou as nebulosas,
aquelas nuvens grandiosas
que escondiam o dia inteiro.
Pequenas nesgas de céu
na vastidão das alturas
dão conta que iluminuras
vem chegando pra "dedéu".
Igualmente em nossas vidas
vivemos pedindo guaridas
com raios de esperança,
Átimos, faíscas, lampejos,
consolidando nossos desejos
de dias com mais bonança.
= = = = = = = = =
Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Vaga
o vaga-lume.
Vaga luz
num vago mundo
procurando
vaga.
= = = = = = = = =
Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
DOCES SONHOS
Sem ti, percorro gélidas paragens
No olhar, nem mesmo há tímida flamância,
Tornou a vida vápida* a distância,
Mas sonho e vejo lúbricas imagens.
Por teres essa mélica fragrância
São belas as oníricas viagens.
Contigo erijo mágicas paisagens,
Deleito-me na fúlgida elegância.
Da seiva desses únicos instantes
Encerras nos teus ósculos vertentes.
Encontro em ti recôndito o alimento.
Nós dois, tal como indômitos amantes
Trocando afagos sôfregos e ardentes,
Assim, construo o tórrido momento.
= = = = = = = = = = = = = =
* vápida = insípida.
= = = = = = = = =
Poetrix de
ROSA CLEMENT
Manaus/AM
BORBOLETA
centro da cidade
a mariposa entra no ônibus
e passa pela borboleta
= = = = = = = = =
Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
ESPERA
É na tua ausência que desfolho tristezas
e acaricio lembranças.
É nas horas de solidão
que ganho asas, te bebo e te navego.
Nos meus sonhos te encontro rarefeito,
envolto na volátil presença da noite que te engole.
O sonho passa, mas meu corpo refeito
é um profundo oceano à espera das tuas redes.
= = = = = = = = =
Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
EN-CANTO
Mesmo sem voar, o passarinho
canta... que mistério há nesse encanto?
... posso vê-lo rir, sentindo o pranto
que acaricia o seu carinho.
Neste mundo há tanto desencanto...
mas quem é feliz sendo sozinho,
sabe que é na solidão do ninho
que o cantar se torna um acalanto.
Lindo!... alguém dirá... Como ele canta!
...sua solidão, embora tanta,
é a mais sincera companhia,
pois, no canto escuro da gaiola,
o cantar mais triste que o consola,
faz se canto, um toque de...poesia.
= = = = = = = = =
Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ
A DOR MAIOR
Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...
= = = = = = = = =
Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
FOI TEU ABRAÇO!
Foi teu abraço que, um dia,
Dos outros todos tirou
Qualquer graça que eu sentia
Doutros que o tempo levou.
Foi teu beijo que depois
Me afastou de quem beijei.
Ficaram só pra nós dois
Os demais beijos que eu dei.
À minh'alma, finalmente,
A alma gêmea apareceu.
E o amor se fez presente
A teu coração e ao meu!
Foi teu calor que acoplou
A meus carinhos os teus.
Foi nosso amor que alcançou
Beneplácito de Deus.
Este é o encontro atual,
Prescrito em nossos pretéritos;
Dos céus, chegam, afinal,
Dádivas por nossos méritos.
= = = = = = = = =
Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
EU CREIO
Eu sei que existe um mundo diferente
e Alguém que monitora e nos assiste
o tempo inteiro e minuciosamente.
Eu não sei onde, mas eu sei que existe!
Eu sei que existe um Deus Onipotente...
talvez não seja alguém com dedo em riste,
aspérrimo e que vai punir a gente,
franzindo o cenho a qualquer simples chiste.
Desconstruindo a história divinal,
não resta mais que um ciclo material...
princípio e fim da natureza humana.
Alguém criou o espaço, o firmamento;
controla este universo em movimento
e a criação... de forma soberana!
= = = = = = = = =
Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
ACEITAÇÃO
É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.
É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.
Não me interessam mais nem as estrelas,
nem as formas do mar, nem tu.
Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.
= = = = = = = = =