O URUBUGANÇAVIC entrou no ônibus lotado até os cabelos do motorista. Nessa hora, não havia nenhum assento vago. Viagem de trajeto longo, careceu de ficar um bom tempo amargando em pé seu sofrimento, até que um cidadão que ocupava uma daquelas cadeiras destinada aos idosos sinalizou que saltaria na próxima parada.
Atrapalhando aos empurrões uns tantos “bocas abertas” em seu caminho, finalmente, por pura sorte, conseguiu se acomodar. Em face do cansaço do corpo provocado pelo trabalho árduo, onde das sete da manhã às cinco da tarde descarregava caminhões e carretas que chegavam ao supermercado, não levou muito tempo, caiu nos braços de Morfeu.
À medida que o coletivo marchava em direção ao seu bairro, um trajeto de (quase uma hora e vinte de viagem), com pessoas subindo e se acotovelando, outras tantas descendo, sem mencionar a sinalização ao longo das vias e o problema insolúvel do trânsito caótico, Urubugançavic acabou literalmente envolvido num sono pesado. Enquanto isso, o “quarenta janelinhas”* seguia a sua rota de destino, objetivando galgar o ponto final.
Em meio ao trajeto, de repente, dois passageiros se estranharam e começaram a discutir acaloradamente. Ao redor deste bafafá, Urubugançavic despertou de sua exaustão letárgica. Não fosse por tal imprevisto, teria certamente passado da hora aprazada de cair fora e quem sabe, somente fosse acordar no final da linha. Graças a Deus, a briga lhe servira de base para voltar à realidade do seu mundinho habitual.
Por outro lado, se não apeasse na localidade costumeira, se veria obrigado a morrer em uma nova passagem, o que implicaria em um crédito a menos em seu cartão com dias de idas e vindas contados. Três esquinas antes de deixar a condução, ele se levantou. Perto de sua comunidade, poucos gatos pingados. Pediu licença para uma jovem lindíssima sentada ao seu lado. Ela se fazia cheia de sacolas de compras.
No tempo em que a diva concedia o pedido para que saísse do canto onde estivera acomodado, a formosa, num gesto gentil, puxou conversa.
Moça:
— Descansou?
Urubugançavic:
— Não como queria, mas valeu...
Moça:
— Você roncou alto. Nossa, parecia uma locomotiva puxando um trem de carga desgovernado. Me desculpe... foi mal... me perdoa... meu nome é Thayssa.
Ambos riram.
Urubugançavic explicou:
— Meu trabalho é pesado. Chega neste horário, saio do ar... prazer, eu sou o Urubugançavic...
Para Urubugançavic, a sua “parada de machimbombo”* finalmente se fez presente. Apesar do tempo escasso, trocaram nomes e telefones. Urubugançavic pressionou o botão da campainha. Se abrindo num rosto de alegria e felicidade, completou:
— Me liga...
A moça, encantada com o carinho que emanava da voz máscula daquele espadaúdo, deixou-se levar por uma emotividade radiante:
— Ligo sim. Tchau. Bom descanso... não vá se esquecer, meu nome é Thayssa...
Urubugançavic apeou sorrindo de felicidade. Na calçada, após acenar um adeus para a sua mais nova companheira de viagem, ao olhar para seus pés, espantou-se. Não só se espantou. Mais que isso — abalou-se, estarrecido. Meteu as duas mãos na cabeça. Começou a tremer copiosamente. Estava descalço. Enquanto ele dormia, alguém passou os cinco dedos em seu par de tênis novinhos em folha que recentemente havia ganhado de sua mãe.
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Explicações necessárias:
*Quarenta janelinhas: um dos muitos nomes atribuídos aos transportes de passageiros. O mesmo que ônibus.
*Parada de machimbombo: maneira diferenciada de dizer local de descida, ou ponto de descida.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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