terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Renato Benvindo Frata (Piá* de Homem)


- O menino tá ficando homem - disse meu pai - irá comigo... - ao que ela sorriu, puxou-me para o quarto dando-me para vestir uma calça comprida, camisa e a cinta que ele ajustara para minha cintura. E logo me apresentei.

- Ahl bom... vestido igual a mim... como homem. Vamos, que o seu Chiquinho nos espera.

Era alto, espadaúdo, magriça e de pele tão branca que o avermelhado do sangue, em relação aos cabelos claros, fazia-o mais branco.

Deu-me o dedo indicador que agarrei com força, e foi nesse toque que senti o quão forte era a sua mão. A junção de calor me deu segurança; afinal, era a primeira vez que eu iria a uma barbearia, e a se comparar as ferramentas do barbeiro com a tesoura de costura de minha mãe, picotando-me as mechas, o aparato dele com tesoura, pente, escova, navalha, talco, toalhas e Gumex a gosto, era a novidade a quase me deixar nervoso. Que logo se desfez, quando seu Chiquinho, ao me cumprimentar, estendeu–me um pirulito que foi logo desembrulhado e colocado na boca.

- Como quer o corte? - perguntou - à la Humphrey Bogart ou a Yul Brynner?

Dei de ombros, sem entender, até que meu pai interveio:

- Bodinho, no capricho!

E riu da piada sobre os artistas, um de cabelo alinhado, garboso e belo a atrair olhares femininos, e o outro completamente careca, cara de rude, cenho fechado, que vim conhecer e admirar só depois, nos filmes em Cinemascope. O Hamphrey era namorador, o Yul, matador de bandidos. Humphrey Bogart provocava suspiros às moças casadoiras nos filmes de romance, enquanto Yul Brynner se destacava nos de ação a arrancar aplausos da molecada, coisas que a memória armazena para não esquecer.

Terminado o trabalho, segurei de novo seu indicador e o contato das mãos grandes, como na vinda, me deu sensação de segurança, ao tempo que me levou a ver no pai não o mandão que era, mas um homem forte e decidido. 

Deu-se ali a ligação de firmeza, de certeza, altivez que só eu desfrutava perante as outras pessoas das calçadas, porque aquele homem alto de pele avermelhada que unia sua mão à minha, era o meu pai e ele estava ao meu lado a provocar em nós sentimento da cumplicidade de amigos caminhando lado a lado, devotando amizade, companheirismo, confiança, crédito e, por consequência, felicidade e demais adjetivos que se queira dar à relação que se fazia diferente das até então.

Eu estava a sair pelas ruas sem a presença da mãe que geralmente me guiava como criança, e poderia ter ido ao banco com ele, ao bar, ao jogo de bocha, às discussões políticas, mas não: fora ao barbeiro, como faziam os homens a cada mês, incursão primeira que marcou indelével o relacionamento.

Mão com mão vale mais que um abraço apertado, quando há no toque a reciprocidade.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
* Piá = termo utilizado no Paraná que significa criança do sexo masculino.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil..

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Nenhum comentário: