segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

José Feldman (O Crepúsculo dos Justos)

 
A cidade roncava lá fora, um organismo indiferente feito de buzinas e pressa. Dentro das paredes que um dia abrigaram risadas fartas e jantares de fim de semana, agora reinava um silêncio pesado, quebrado apenas pelo tique-taque melancólico de um relógio de pêndulo. Ali vivia Horácio, um homem que a vida havia dobrado, mas não quebrado — pelo menos não até agora.

Horácio era a personificação da generosidade. Um homem cuja biografia poderia ser escrita com os gestos de bondade que dedicou a todos ao seu redor. Divorciado há uma década, ele investiu o restante de suas energias em amigos que ele considerava sua família estendida. Ele era o ombro para chorar, o caixa para emprestar dinheiro sem juros e o motorista do dia e da noite. Dedicação incondicional. Amor em sua forma mais pura e desinteressada.

Mas o tempo é um cobrador impiedoso. A idade é implacável, o corpo de Horácio começou a falhar antes do espírito. O caminhar virou arrastar, a memória, uma peneira fina onde os nomes recentes se perdiam, e a independência, uma miragem distante. Ele precisava de cuidados, de presença, de uma mão que o guiasse no labirinto da velhice frágil.

Foi então que a verdadeira face da "amizade" começou a se revelar, não em um ato de traição, mas no silêncio ensurdecedor da omissão.

A reunião aconteceu na sala de estar, a mesma sala onde, anos atrás, eles brindavam a aniversários e conquistas. Estavam lá Mário, o empresário a quem Horácio tirou do buraco da falência; Lúcia, cuja faculdade foi paga com um empréstimo que jamais foi cobrado; e Beto, o afilhado que Horácio ensinou a andar de bicicleta e a viver com dignidade.

A conversa começou com eufemismos, palavras polidas que tentavam mascarar a crueza do abandono.

"Horácio, pensamos muito em você", começou Mário, ajustando os óculos caros. "Você precisa de um lugar com mais estrutura, com médicos 24 horas por dia."

"Sim, um lar de idosos", completou Lúcia, olhando para as próprias unhas. "Lá tem atividades, outros velhinhos para conversar... é melhor para o seu astral."

"É o melhor para você, padrinho", Beto tentou, evitando o olhar mareado do velho.

Eles falavam de "lares" e "clínicas de repouso" com a mesma naturalidade que se fala de um resort de férias. O eufemismo era a cortina de fumaça para a verdade brutal: eles não queriam a responsabilidade. A gratidão tinha prazo de validade. As promessas de "para sempre amigos" se dissolviam diante da perspectiva de trocar fraldas, agendar médicos ou, pior, abrir mão de uma hora de sua vida ocupada para simplesmente fazer companhia a Horácio.

Horácio não discutiu. Ele apenas ouviu. E em cada palavra vazia, sentiu o peso da rejeição cair sobre seus ombros já curvados. O asilo não era uma solução de cuidado; era uma solução de descarte.

Naquela noite, sozinho em seu quarto, Horácio encarou o espelho. Não viu o homem generoso que dedicou sua vida aos outros, viu apenas um estorvo, uma bagagem que seus amigos — sua suposta família — estavam ansiosos para despachar.

O descaso é uma forma de violência silenciosa, um veneno de ação lenta. A atitude deles não apenas minou sua saúde física, mas aniquilou seu espírito. A autoestima de Horácio, que sempre se baseou em seu valor como pilar de apoio para os outros, desabou. Ele se sentiu o homem mais solitário e mal-amado do mundo.

A rejeição doeu mais do que a artrite nos joelhos ou a falha da memória. Doeu na alma. A ingratidão daqueles a quem ele amou incondicionalmente transformou seus últimos anos em um inverno perpétuo.

Ele não foi para um asilo. Foi para um depósito. Um depósito de memórias, onde o amor que ele distribuiu jazia esquecido, e onde a única companhia era a sombra da solidão, tecida pela indiferença daqueles que um dia chamou de amigos. 

A crônica da sua vida terminou não com um rugido, mas com o sussurro triste de um adeus silencioso a um mundo que ele amou, mas que se recusou a amá-lo de volta quando ele mais precisava.

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