sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (Era uma vez um menino... )

Era uma vez um menino. Nasceu numa noite tão linda, que nem parecia real. Sua mãe e seu pai o acolheram como se acolhe uma estrela, um cometa nos braços. Aquele menino irradiava luz.

O tempo, mestre do disfarce, também disfarçou aquele menino, que, entre ramos de alecrim e de oliveira, cresceu alegre e consciente de seu tempo. Ao lado dos pais, adolesceu e ficou grande. A grande hora de sua vida estava chegando.

Disposto a fazer do amor a palavra-chave que abriria todas as portas de todos os seres humanos, arranjou alguns amigos e, de porta em porta, de vila em vila, de cidade em cidade, foi cantando seu enredo, sua forma de ser e de estar em si.

Um rei que mandava em todos de sua terra àquela época, nada satisfeito com a popularidade que nosso homem-menino conquistava, mandou prendê-lo e, dentre dois "malfeitores", pediu a cabeça do homem que o contrariava tanto.

Aquele menino, tão lindo e tão cheio de vida, com o céu nos olhos e o mar nos pés, o menino foi posto em companhia de dois ladrões e, com a mãe chorosa aos pés da cruz, morreu, após três dias ressuscitou e, até hoje, falamos muito nele.

Dia vinte e cinco de dezembro, comemora-se convencionalmente seu nascimento. Eu, pelas mãos da dor e do sofrimento, já o senti algumas vezes ao meu lado. Eu sei: "Ele está no meio de nós".

Quando fico muito cansado, e eu fico sempre, é para ele que me volto. De manhã, no ônibus, quando vou para o trabalho, penso nele e em você, que também precisa dele. Há quem não creia e faça pouco de sua luz. Mas e estrela é guia.

Pedirei mais amizade sincera, verdadeira, para ele, no Natal. Quem sabe, dentro da meia, não venha você, não venha quem ajude um poeta a cantar bem mais forte... Era uma vez Jesus Cristo.

Fonte:
O Autor
Imagem - http://www.pt.depositphotos.com

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (O Conto da Estrela)

Tinha nascido estrela. Dentre tantos bilhões de iguais, pequenina e sem graça, uma estrela. Deus não a teria feito estrela se não quisesse. Poderia tê-la feito flor, mas a quis fazer estrela. Que remédio!... Brilhava, luzia, fazia toda a força que podia para ver se conseguia algum destaque, por menor que fosse, dentre as "irmãs", mas o que conseguia era uma febre que não passava nunca, que a levava para o Hospital Via-Láctea, cinco estrelas, é verdade, porém, ainda assim, hospital. Logo que sarava, voltava para seu posto e, devagar, luzindo um pouco por dia, ganhava o céu novamente.

Lá de cima, olhando o mundo em que estamos, nossa estrela mirava os humanos, bem menores do que ela, sem saber que muitos deles tinham egos estratosféricos, que valiam por mais de quatrocentos bilhões de estrelas iguais a ela. Sem luz própria, os humanos dependiam da estrela-mor, ou seja, do sol (que nem estrela era), para terem luz e calor concretos. À noite, da lua, mais abstrata, tiravam de seus raios cada verso que acendiam numa página qualquer, numa tela do Windows, em cada olhar já sem luz que os leria depois, quando ficassem carentes dessa guia que é a poesia.

Numa noite de verão, já bem perto do Natal, decidira, aquela estrela, que se mudaria. Não queria mais o céu de suas irmãs. Cansara-se de São Jorge, com seu dragão a tiracolo, botando fogo na lua, enchendo o céu de fumaça, encobrindo um tanto a mais seu brilho, sua chance de ser vista.

Coitada daquela estrela! Se tivesse feito amizade, quem sabe, não seria ou uma das Três Marias, ou, melhor ainda, uma das cruzes do Cruzeiro do Sul... Avessa a isso, sozinha, por mais que luzisse, era ofuscada por essas grandes parcerias celestes e, como um fraco luminoso de hotel, ficava mais só.

Na noite do dia vinte e quatro de dezembro, aquela estrela alcançaria sua glória e, a sua moda, faria história. Mal se levantou de sua cama no buraco negro em que dormia, sorriu maliciosamente para as vizinhas e, pouco depois das seis da tarde, após a estrela Vésper despertar o céu para a jornada, pôs-se à beira de sua janela estelar e, meia noite em ponto, se jogou lá do alto, rumo à vida que sonhava!... Nascida estrela, não flor, luzir, mesmo que um pouco, era o que podia. Não, não era a grande Estrela-Guia, mas "Um pequenino grão de areia / Que era um pobre sonhador"...

Fontes:
O Autor
Imagem – http://
pensamentoslucena.blogs.sapo.pt

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Gérson César Souza (Poemas Escolhidos)



ISABEL

Eu vejo teu ventre crescendo, menina,
Semente que a gente plantou.
Teu jeito de “mãe aprendendo”, menina,
me ensina que a vida mudou.

Eu vejo em teus olhos de espera, menina,
a paz de quem faz o depois,
e a flor que trará primavera, menina,
germina o amanhã de nós dois.

Menina, teus sonhos também são meus sonhos,
são teus o meu som, minha voz,
e com paciência tu geras a essência
do amor que se fez entre nós.

Ficar em teu colo dormindo, menina,
é um bem que não tem outro igual.
Teu rosto tão lindo sorrindo, menina,
termina de vez com o mal.

Menina, teus sonhos também são meus sonhos,
são teus o meu som, minha voz,
é lindo, te juro, menina, o futuro
do amor que se fez entre nós.
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QUIMICAMENTE FALANDO

Quimicamente falando
nós vivemos reagindo,
somos átomos se unindo,
compostos se combinando.
Falando quimicamente
somos soluto e solvente,
comburente e combustível.
Viver sem ti é impossível,
quimicamente falando.

Quimicamente falando
nós temos grande entalpia,
a nossa estequiometria
está sempre balanceando.
Falando quimicamente
o nosso calor latente,
mantém essa ebulição.
Somos dupla ligação,
quimicamente falando.

Quimicamente falando
Tu és a equação direta,
o íon que me completa,
o amor se catalisando.
Falando quimicamente
Esta paixão entre a gente
jamais será diluída
Eu te entrego a minha vida
quimicamente falando.
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DEUSA DA NOITE

Quando a noite se fez pela estrada
surgiste do nada, vieste da rua.
Uma deusa perfeita e formosa,
coberta de rosas, vestida de lua.

Como que compensando o sol posto,
a luz do teu rosto brilhou no caminho,
preenchendo o vazio do leito,
enchendo o meu peito de paz e carinho.

Tua boca sorriu, me tocou,
num beijo mandou para longe a saudade,
e, de amor, nossos corpos se uniram
e então descobriram a felicidade.

Vendo agora esta noite findando
fico te observando, com medo no olhar,
de que sejas um sonho somente,
e que, de repente, eu precise acordar...
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CIDADE AMADA

Nasci longe daqui, porém aconteceu
que a vida assim quisesse me ver perto de ti.
E então, Cidade Amada, cheguei... te conheci...
e este teu povo alegre logo me recebeu.

Provando a erva mate que o solo ofereceu,
amando o jeito alegre deste povo daqui,
na beira do Iguaçu, pescando um lambari,
depressa eu me senti igual a um filho teu.

Desejo, minha terra, toda a felicidade,
e que tu sigas sempre sendo a linda cidade
na qual eu vim morar, por vontade de Deus.

E que todos escutem o que o meu verso diz:
não há outro lugar para ser mais feliz
do que a cidade amada, chamada São Mateus!!!
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VEREI QUE É PRIMAVERA

Verei que é primavera se o poente
cobrir com raios rubros nosso leito,
e a flor do nosso amor (que era perfeito)
surgir desabrochando lentamente.

Verei que é primavera se meu peito
Sentir brotar o ardor que estava ausente,
e, então, tendo-te perto novamente,
unir as partes do que foi desfeito.

Verei que é primavera se chegares
e o teu perfume em todos os lugares
vier recompensar tão longa espera.

O inverno da saudade irá sumindo,
deixando, em seu lugar, o amor florindo,
e ao ser feliz verei que é primavera...

Poesia premiada no concurso de sonetos de Pouso Alegre/MG
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LEMBRANÇAS

Nas horas em que bate uma incerteza,
em que meus pés não pisam com firmeza,
eu busco, pai, a força dos teus passos.
Como se eu fosse ainda uma criança
que tenta caminhar... treme... balança...
mas sabe que ao cair, cai em teus braços.

Nas horas em que eu erro (e eu erro tanto)
para acalmar as dores do meu pranto
eu tento recordar cada lição...
E então, como num toque de magia,
eu volto a ver o olhar que corrigia
e a ouvir a voz que dava o teu perdão.

Nas horas em que eu busco mais coragem,
ao reencontrar, na mente, a tua imagem,
com ela, os meus temores eu reparto.
E eu sinto que tu segues ao meu lado
me protegendo, como no passado,
afugentando os monstros do meu quarto...

Pai, eu cresci... E o teu menino agora
não pode te chamar sempre que chora
e nem pedir teu colo quando cai.
Porém eu sou, no mundo das lembranças,
a mais feliz de todas as crianças
por ter um grande amigo, herói e pai!

Fonte: SOUZA, Gerson César. Dons DiVersos. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2012.

Gerson Cesar Souza (1972)

Gerson Cesar Souza, escritor de textos teatrais, conhecido também como astrônomo, compositor de musicas entre todas essas facetas, permeadas pela paixão pela poesia, nasceu em Porto Alegre em 1972, filho de Leda e do grande trovador gaúcho Milton Souza. Casado, se radicou em São Mateus do Sul no Paraná, onde trabalha como Administrador na Petrobras. Uma de suas composições foi escolhida como o Hino da Campanha da Fraternidade de 2013, em Concurso Nacional da CNBB.        
 Publicou Mochila de Versos, 2001 e Dons Diversos, 2012, e O livro “A Estrela de Jacó”, que resgata a memória histórica dos imigrantes poloneses e a fantástica vida do padre polonês Jakub Wróbel, que atuou na Água Branca entre 1896 e 1914.

Silvana da Rosa (A mulher escritora e personagem nos contos de fadas) Parte XI

2.5 No universo literário masculino, a figura da mulher contadora e tradutora de histórias

O fellow, come, the song we had last night,
Mark it, Cesario, it is old and plain;
The spinsters and the knitters in the sun,
And the free maids that weave their thread with bones,
Do use to chaunt it : it is silly sooth,
And dallies with the innocence of love,
Like the old age.


Amigo, a canção que ouvimos ontem,/ Note bem, Cesário, é antiga e simples;/ As fiandeiras e tecelãs ao sol,/ E as donzelas livres que fiam com ossos,/ Costumam cantá-la: é tolo alívio,/ E brinca com a inocência do amor,/ Como a velhice. (Noite de Reis, II, iv).
                                                                                    
Muitas mulheres participaram indireta ou diretamente do mundo literário, quer seja como contadoras de histórias para os próprios escritores ou através da participação feminina no conto das mesmas. Franz sustenta que “pelos escritos de Platão sabemos que as mulheres mais velhas contavam às suas crianças histórias simbólicas “mythoi”. Desde então, os contos de fadas estão vinculados à educação de crianças” (1981, p. 17).

No universo de homens-escritores-medievais surge Marie de France que, em 1180 divulga o mais famoso Isopet (estória de animais, narrada em versos e em língua “romance”), pertencente também à célula-mater, Calila e Dimna.

Marie de France seguiu o exemplo de sua mãe e de seu bisavô, pois era filha de Alienor D’Aquitânia, conhecida como protetora de poetas e artistas. Por sua vez, o bisavô era o mais antigo dos trovadores provençais. Dessa forma, Marie de France, com o sangue literário fluindo em suas veias, tornou-se a primeira poetisa francesa da história, sendo de sua autoria os Lais de Marie de France.

Segundo Novaes Coelho, a poetisa estava “encantada com os primitivos e líricos lais bretões, impregnados desse novo ideal, entrega-se aos trabalhos de traduzi-los para o francês: narrativas maravilhosas, conhecidas como os Lais de Marie France” (1987, p. 49, grifos da autora). Evidentemente, foram apenas traduções, mas, a partir destas, homens e, principalmente, mulheres francesas tiveram acesso às obras, possibilitando que o público feminino se inserisse no cenário intelectual e, posteriormente, passasse a escrever seus próprios livros.

Os Lais traduzidos por France somam dez: Lai d’Yonec; Lai de Bisclavaret; Lai de Lanval; Lai de Iwenec; Lai de Fresno; Lai de Tidorel; Lai de Eliduc; Lai de Guingamor; Lai de Tiolet e Lai de Madressilva.

Faz-se pertinente ressaltar que o novo ideal citado anteriormente, que encantou France, prenuncia o período vindouro, o surgimento do período medieval que, para ela, corresponderia a novas perspectivas, principalmente no campo literário.

Assim, no período medieval correspondente ao período que vai do século V ao século XV, mais especificamente em seu final, a crueldade, a brutalidade primitiva da sociedade, retratada nas narrativas, vai se apagando nas linhas e entrelinhas dos contos, à medida que os costumes burgueses proliferam, refinando os hábitos do povo. Um exemplo disso foi a transição de homens guerreiros para cortesãos. Essa pacificação interna da sociedade iniciou-se e prosseguiu com grande lentidão nos séculos XI e XII, chegando a completar-se entre os séculos XVII e XVIII, sendo que a nobreza cortesã da França ocupou uma posição específica nessa mudança de padrões de conduta, pois os costumes franceses refinados disseminaram-se além-fronteiras.

Essa modificação social, ou melhor, esse refinamento cultural, se fez propício para a entrada de mulheres na literatura e,    enquanto ainda não apareciam mulheres-escritoras, as contadoras de histórias iam surgindo. Novaes Coelho cita que “Katherina Wieckmann, camponesa de extraordinária memória, teria sido para os Irmãos Grimm a grande fonte transmissora” (1991, p.140) das histórias cultuadas e transmitidas oralmente pelos povos.

Câmara Cascudo também observa, em sua obra, que o conto O fiel Dom José foi contribuição de Luísa Freire, uma cearense contadora de histórias:

Luísa Freire, branca, analfabeta, residiu em nossa casa de 9 de junho de 1915 até 23 de julho de 1953, quando faleceu. Nascera em junho de 1870. Foi colaboradora preciosa em literatura oral. Com maiores anotações publiquei no Porto, Portugal, um volume inteiro contendo “Trinta Estórias de Bibi”. Bibi era seu apelido dado por mim quando menino e conservado a vida inteira. (CASCUDO, 2004, p.30)
                     
Referindo-se ainda a contadores de histórias, Cecília Meireles cita que os que contavam histórias no passado são os antepassados dos escritores atuais.

O gosto de contar é idêntico ao de escrever – e os primeiros narradores são os antepassados anônimos de todos os escritores. O gosto de ouvir é como o gosto de ler.

Assim, as bibliotecas, antes de serem estas infinitas estantes, com as vozes presas dentro dos livros, foram vivas e humanas, rumorosas, com gestos, canções, danças entremeadas às narrativas. (MEIRELES, 1979, p. 42)

Salienta-se que, no convívio social, é comum ouvir-se histórias narradas por avós que contam a respeito de seu tempo pretérito e também de outros tempos que não lhes pertenceram, mais longínquos ainda, e os fatos desses tempos foram ouvidos, vividos ou criados por seus ancestrais. Marina Warner observa que a mais antiga referência ao conto que senhoras idosas narravam aos seus familiares e, principalmente, a crianças, encontra-se no Górgias, de Platão:

Platão, no Górgias, referiu-se depreciativamente ao tipo de conto – mythos  graós, o conto das velhas – narrado pelas amas para divertir ou assustar as  crianças. Possivelmente, trata-se da mais remota referência ao gênero. Segundo relatos, quando os meninos e meninas de Atenas estavam prestes a embarcar para Creta, para serem sacrificados ao Minotauro, velhas senhoras desciam até o porto para lhes contar histórias e distraí-los de seu sofrimento. (WARNER, 1999, p.39)
                     
Realmente, milagres essas velhas senhoras faziam ao entreter crianças condenadas à morte, uma vez que a temática dessas narrativas abordava magicidade, fantasia, fadas e a vitória de sentimentos nobres, por mais que esses custassem as suas vidas.

É sabido que Giambattista Basile, Perrault, os Irmãos Grimm e Sílvio Romero, entre outros, registraram a cultura oral de seu povo, visando entretenimento, ou com fundo moralista ou, até mesmo, como oferecimento a parentes de um rei da época, porém o que deve ser ressaltado é que o contar histórias era uma característica comum às mulheres fiandeiras desses tempos.

Antigamente, era comum entre mulheres fiandeiras o ouvir, o contar e o recontar de histórias. De acordo com Novaes Coelho, “Perrault [...] conhecedor como era, da mitologia pagã, teria associado a tarefa das Parcas (tecer a vida dos homens) com o tecer estórias que formam a rede humana” (1987, p. 69).

Lílian de Lacerda (2003)33 descreve a dificuldade que as mulheres contadoras de histórias - que viveram antes do século XX - enfrentaram para, ao menos, serem alfabetizadas. E, quanto a serem escritoras, nesse período, considerava-se um sonho inatingível.

Entretanto, Lacerda enfatiza que, por mais que as mulheres estivessem inseridas em um meio de censuras quanto ao ingresso ao mundo letrado e literário, algo as faz lembrar, com prazer e saudades, as avós contadoras de histórias. Segundo Lacerda, referindo-se às avós do passado:

[...] Elas são portadoras da ancestralidade do grupo, carregam os segredos da família, guardam na memória os fatos, os acontecimentos e as histórias – imaginárias ou sabidas de cor – aprendidas oralmente ou por meio de diferentes impressos a que tiveram acesso. (LACERDA, 2003, p. 193)
                     
Conforme o exposto, Maria Helena Cardoso (1973) afirma a importância do ato de ouvir histórias para o desencadeamento do imaginário infantil e salienta que, quando ouvia histórias, narradas por sua avó, sentia que o processo interativo ampliava-se e adquiria formas inimagináveis:

Bem pequena ainda, adorava estórias: às noites, assentada nos degraus de tijolos da escada da cozinha da casa de vovó, ou deitada na caixa-frasqueira da sala de costura, à luz bruxuleante da lamparina de querosene, que deixava nos cantos um enorme espaço de sombra, ou à chama clara fixa do lampião, ouvia da cozinheira, ou de vovó, estórias maravilhosas, que me enchiam a cabeça, me fazendo arregalar os olhos de admiração ou estremecer de pavor. Quando o medo era muito, me achegava a um dos meus irmãos, assentados próximos a mim. [...] De tal modo gostava dos personagens das estórias que ouvia, que costumava conversar baixinho com eles, quando não cantava seus nomes em estribilho [...] (CARDOSO, Maria Helena. 1973, p.97) 34
                     
É bem verdade que a fama de as avós serem contadoras de histórias não surgiu neste século e muito menos por acaso. Na aurora dos tempos, de todos os tempos, as Sibilas eram mulheres que possuíam extremada sabedoria, tanto que a elas era atribuído o dom de inventar histórias; o presente informar e o futuro prever.

Cecília Meireles (1979) cita que Selma Lagerlöf, ao receber o prêmio Nobel em 1909, enfatizou o seu fascínio pelas senhoras que vivem isoladas em florestas ou lugares quase inacessíveis ao simples mortal (como se feiticeiras ou Sibilas fossem), pois a ensinaram a ver e entender naturalmente as histórias do mundo.

O interessante é que na história de vida do ser humano sempre havia ou há uma mulher contadora de histórias e também por trás de um homem escritor: com Perrault, a babá de seus filhos ou a sobrinha Mll. L’Héritier; com os Irmãos Grimm, Katherina Wieckmann e Jeannette Hassenpflug; com Câmara Cascudo, Luísa Freire, já vistos anteriormente.

Dessa forma, torna-se indiscutível que a transmissão oral dos contos seja quase que prevalentemente de autoria de mulheres. Situação essa já lembrada por Marina Warner:

[...] embora os escritores e colecionadores do sexo masculino tenham dominado a produção e a disseminação de contos maravilhosos populares, estes freqüentemente eram transmitidos por mulheres no ambiente íntimo ou doméstico. (1999, p. 43)
      
A esse respeito, Marina Warner cita Italo Calvino, uma vez que ele, analisando diversos suportes folclóricos do século XIX, verificou também que as fontes desses contos eram femininas, o que pode significar uma tradição cultural própria desse gênero: “Italo Calvino, em sua coleção de Fiabe ou Fábulas italianas de 1956 – a resposta italiana aos irmãos Grimm – chamou atenção para esse aspecto da tradição, observando que várias antologias de folclore do século XIX, que ele consultou e adaptou, citavam fontes femininas [...]” (WARNER, 1999, p. 41).

Embora os contos sejam compostos por personagens masculinos e femininos, é nas mulheres que este trabalho de pesquisa procura se ater, uma vez que, no processo evolutivo da mulher, enquanto personagem e escritora, a literatura é a comprovação fiel do que os tempos mais remotos da humanidade revelam a respeito de seu papel social. Entretanto, o que se percebeu é que em um universo de homens escritores, havia sempre mulheres contadoras e tradutoras de histórias e, muito depois, é que surgiram as escritoras. Evidentemente que foi bastante tardia a participação da mulher escritora comparada à dos homens, visto que é somente no século XVII, em 1608, com Mme. de Rambouillet, que os pensamentos, desejos e ideais femininos passaram a ser conhecidos em obras escritas, através do Preciosismo, movimento literário que recebeu adeptos da literatura, sendo que esses trabalhos eram expostos em salões para o entretenimento de variado público e, posteriormente, disseminaram intelectuais em todo o mundo.

continua…

Fontes:
Silvana da Rosa. Do tempo medieval ao contemporâneo: o caminho percorrido pela figura feminina, enquanto escritora e personagem, nos contos de fadas. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), 2009
Imagem = http://tulipa-cat.blogspot.com