domingo, 20 de dezembro de 2015

Contos Populares Portugueses (História de Debaixo da Terra)

Havia um lavrador que tinha três filhas e ia botar água a uma lameira, e sempre ouvia lá uma voz que lhe dizia:

- Traz-me a tua filha!

E o homem voltava para casa muito triste. As filhas perguntaram-lhe o que tinha, e ele contou-o. Ofereceu-se a mais velha para ir, e foi, mas a voz disse que não era aquela. Depois foi a do meio, e a voz disse o mesmo.

Por fim, foi a mais nova, e logo se abriu na terra um alçapão, por onde ela desceu, e foi ter a um quarto, onde estava sozinha e servida por um negro. O negro viu-a um dia muito triste e perguntou-lhe o que tinha. Ela respondeu que o coração lhe adivinhava que a sua mãe tinha morrido. O negro foi dizê-lo ao amo, e este mandou-lhe as chaves para ela tirar o dinheiro que quisesse e ir a casa. Também mandou aparelhar o cavalo branco e disse que ela montasse assim que este desse três patadas, senão o cavalo não esperava.

A rapariga foi e a mãe estava morta. O cavalo deu uma patada, e ela soltou um suspiro muito grande. Depois o cavalo deu duas patadas, e ela deu outro suspiro. As irmãs perguntaram-lhe o que era, e ela contou. A terceira patada, montou e foi-se embora.

Outro dia, estava muito triste, o negro perguntou-lhe o que tinha. E ela disse que o coração adivinhava que o pai tinha morrido. Sucedeu o mesmo que da primeira vez: ela foi, o pai morrera, mas as irmãs perguntaram-lhe se ela estava bem. Ela disse que sim, só tinha de noite um grande pesadelo. As irmãs disseram-lhe que metesse uma vela acesa dentro de uma panela e a cobrisse com um testo e quando tivesse o pesadelo tirasse o testo para ver.

Assim fez, e viu um homem, que lhe disse:

- Tu nem foste boa para ti nem para mim, que eu tinha o meu encanto hoje acabado, e agora dobraste-me.

Mas vestiu-a de rapaz e disse-lhe:

- Hás de ir servir para o rei. Toma lá este anel. Quando te vires apoquentada, lembra-te de quem te deu.

A rapariga foi servir para um palácio, e a rainha agradou-se muito do moço, porque era muito bonito. Para o tentar, mandava-o trazer água e ramos de flores para ele entrar no quarto dela, mas ele deixava tudo à sua porta.

Um dia, a rainha foi acusá-lo ao rei, dizendo-lhe que o moço a tentara. O rei mandou-o enforcar. A rapariga não tinha tornado a pensar no anel, mas quando o carrasco ia a deitar-lhe a corda lembrou-se, e logo ali apareceu um homem vestido de branco, que perguntou ao rei porque é que o ia enforcar. O rei explicou porquê.

Ele mandou-a descer, e despiu-a toda, e disse que, como era mulher, não podia meter-se com a outra. O rei então mandou matar a rainha e queria casar com a rapariga, mas o encanto disse que não, que lhe tinha custado muito e que era dele. E casaram.

Fonte:
Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

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