domingo, 27 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (Conto dialógico)

    Um casal de adolescentes numa sala de espera do dentista. Ele, de aparelho azul, fingia que lia uma revista de esportes radicais, que estava de ponta-cabeça. Ela, de aparelho rosa, fingia que lia uma revista tipo Capricho, que também estava de ponta-cabeça. Ambos repararam um no outro quando entraram na antessala do consultório do dentista.

Calados, depois de darem o ar da graça com a secretária do lugar, sentaram-se e, sem dizer nenhuma frase, nenhuma oração, nem mesmo um "Oi", puseram-se a fingir que liam qualquer revista do famoso revisteiro de consultório, com as edições de dez anos atrás de qualquer publicação popular. Não liam nada. Antes, dialogavam. O diálogo é na mente e não precisa de palavras concretas para ser diálogo. Conversando consigo mesmo se fabrica uma porção de diálogos. Saberiam disso aqueles dois adolescentes? Não sei, mas já se diziam mentalmente uma porção de coisas.

Será que ele é de Peixes?", "Será que ela é da hora?", "Será que ele é romântico?", "Será que ela curte rock?", e ensaiavam a aproximação. "Oi, meu nome é Lia. E o seu?", "Oi, sou o Lucas. Seu nome também começa com L. Legal!".

Próximo!, chamou a secretária, e Lucas entrou para ver o doutor. Lia, mal se continha e desenvolvia todo um diálogo sem ele, que não tinha lhe dado nenhuma palavra até então. O amor pode nascer do silêncio? Acho que o amor nasce até do vácuo. Se ele resiste, se ganha fôlego e se sustenta por si mesmo é outra história.

Lucas saiu. Próximo!, chamou a secretária, mas queria dizer próxima, pois seria Lia a entrar. Nervoso, Lucas debruçou-se no balcão para marcar o retorno. Lia, com andar de tartaruga, não sabia se entrava, nem se inventava alguma coisa para perguntar à secretária, só para aproveitar mais um pouco a presença do jovem.

Próximo!, chamou, dessa vez, o próprio dentista. Lia, sem saber o que fazer, com mil coisas na cabeça e nenhuma sílaba na boca, de repente, pouco antes de entrar na sala onde o doutor a esperava, disse ao Lucas: "Oi...". Pra quê! Uma série de possíveis diálogos se formaram na mente do moço que, sem jeito, mas alegre, respondeu: "Oi...".

Ela marcaria seu retorno no mesmo dia do dele. Até lá, milhões de diálogos nasceriam, cresceriam e se desenvolveriam sem que nenhuma palavra mais fosse dita. A vida é dentro? Não sei, mas dialoga.

Próximo!

Fontes:
O Autor
Imagem : http://www.sunflowerjoias.com.br

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