segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (Roupa de missa)

Minha professora de canto sempre nos dizia: Amanhã tem apresentação, quero todos bonitos, com a "roupa de missa"! E sabíamos que era para estarmos "na estica", muito elegantes, com a melhor roupa que tivéssemos para cantarmos.

Que importância damos à roupa que vestimos? É verdade que tem uma para cada ocasião (e até mesmo sua falta, no momento certo, pode ser bela); mas que importância você dá para a forma como se apresenta às pessoas? Há quem não ligue para isso e se vista ou como pode, ou como consegue, ou como a bolso permite. Manoelito se preocupava com sua roupa. Gostava de estar bem vestido, nos "trinques".

O rapaz de que lhe falo morava com sua mãe e gostava de andar na moda. Não saía de casa sem perfume, nem seu sagrado gel no cabelo, tomando o cuidado de aplicá-lo pouco e com cuidado, para não lambuzar a cuca e parecer mané. Quando apontava na esquina, comentavam que ele era o mais bem vestido da vila e, quem sabe, da cidade, que não era grande, mas na medida para os casos amorosos do caro Manoelito. Entre um beijinho e outro, pedia à mãe que passasse bem sua camisa, pois tinha que impressionar. Só não usava uma roupa: um conjunto de calça e camisa, muito finos, herdados de um tio bastante rico que não os visitava quase nunca.

"Pois esta vida não está sopa / E eu pergunto com que roupa / Com que roupa eu vou / Pro samba que você me convidou"... Ah, Manoelito amava essa música! Iria com qualquer roupa para todo samba que houvesse, menos com "aquela", o conjunto de calça cinza e camisa branca, de manga comprida e gola alta, que eram seu love. Se fosse mulher, poderia imitar aquela mãe do poema de Drummond em que ele fala do "caso do vestido" e pendurar camisa e calça na parede, como se pendura um quadro, objeto de recordação, adoração, admiração. Mas não. Era fanático pela roupa, que guardava a sete chaves no guarda-roupa, tão bem fechado que as baratas da casa tinham desistido de tentar profaná-la, roendo os punhos de qualquer outra peça, menos "importante" para Manoelito.

Certo dia, houve um casamento na família e sua mãe, dona Eudóxia, queria porque queria que o filho desencantasse aquela roupa e a estreasse no casório, pois seria convidado de honra. Nada! Ele se negava a dar esse gosto à senhora. Desesperado, disse que não iria mais ao casamento, que não adiantava brigar. Nunca a usaria. O que fazer? Assim foi por muito tempo. Tinha se afeiçoado tanto àquelas duas peças de fino linho, jamais as teria sobre o corpo. Jamais?!

Aquela roupa tão linda, tão bem preservada, com tanto carinho e com tanto capricho, sem traços de traça, sem rastros de rato, foi usada por ele, sim. A famosa "roupa de missa" coube como uma luva em nosso amigo no dia de sua passagem para o Céu, em que São Pedro, numa túnica bem pomposa, o recebera. Lindo, Manoelito, com sua roupa mais cara, chegou na hora da ceia e, ao lado de Noel Rosa, ceou feliz. A roupa lhe caíra bem.

Fontes:
O Autor
Imagem = http://www.bandsc.com.br

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