sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Contos Populares Portugueses (O Ovo de Ouro)

Havia uma pobre viúva que tinha dois filhos. Um o mais velho, era atilado e com o seu trabalho granjeava os meios de subsistência para si, sua mãe e seu irmão, um pobre parvo, que passava os dias encarapitado nas árvores e nos altos penedos à procura de ninhos.

Um dia, levou o parvo à mãe um ovo com umas letras na casca. A mãe achou o ovo muito bonito e, dotada de certa esperteza, foi vendê-lo à cidade. Passou pelo estabelecimento de um ourives e mostrou-o ao dono. O ourives leu as letras e ficou surpreendido.

- É um ovo muito bonito, que quero comprar para a minha filhinha - disse ele, disfarçando o espanto e dando à mulher uma moeda de ouro.   

A mulher agradeceu, e ia já a despedir-se, quando o ourives lhe disse:

- Dava-lhe uma boa quantia de dinheiro se apanhasse a ave que pôs este ovo.

- Direi ao meu filho que lhe arme um laço.

O filho mais novo assim fez e conseguiu apanhar a ave. Foi a mulher comunicar a notícia ao ourives e este respondeu animadíssimo:

- Vá já para casa e mande assar a ave. Eu já lhe apareço com o meu irmão.

O ourives acompanhou as palavras com a oferta de uma grande bolsa de dinheiro, acrescentando:

- Ainda lhe levarei mais para sua casa.

Voltou a mulherzinha para a sua casa, depenou a ave e assou-a no espeto. Os dois filhos queriam comer alguma coisa da ave, e a mãe, para que eles ficassem sossegados, deu ao mais velho a cabeça da ave e ao mais novo o coração. Comeram aquilo e lá foi cada um para seu lado: o mais velho guardava as vacas de um lavrador e o mais novo andava à procura de mais ninhos

Chegou o ourives com o irmão e logo se sentaram à mesa. Quando a velhinha apareceu com a ave sem cabeça nem coração, pôs-se o ourives a gritar, dizendo que fora roubado.

- Roubado! - exclamou a mulher, muito aborrecida.

- O que fez ao coração e à cabeça da ave?

- O que todos fazem: dei-os ao gato – respondeu esta, querendo esconder que os dera aos filhos.

- Pois saiba agora que o ovo que me levou tinha umas letras que diziam: Quem comer a cabeça da ave que pôs este ovo será papa e o que comer o coração será rei, E, já que não comi o coração e meu irmão a cabeça, passe-me para cá o meu dinheiro.
- O senhor não fez essa declaração e nem me pôs condições, portanto, não lhe entrego o dinheiro, que é bem meu, e vou queixar-me à justiça de pretender roubar aquilo que de direito até pertence ao meu filho mais novo, para quem a Providência destinou a ave!

O ourives teve de se safar com o irmão e de perder aquele dinheiro todo.

A noite contou a mãe aos filhos o que lhe tinha acontecido. O mais novo pôs-se a rir, mas o mais velho pediu à mãe que lhe desse o seu dote para entrar num convento, o que aconteceu no dia seguinte.

O mais velho revelou grandes aptidões para os estudos e foi chamado a Roma pelo superior do convento. Mais tarde morreu o papa e todos os votos caíram nele, então, apesar de jovem, já um sábio muito respeitado. Isto levou bons anos.

Ora isto levou mesmo bons anos, e o filho parvo, que não tinha notícias do irmão e sabendo apenas que ele estava em Roma, pedindo licença à mãe, para lá partiu.

Chegou o parvo a Roma na ocasião em que o novo papa era aclamado. Atravessou a multidão e chegou próximo do novo papa, que imediatamente viu quem era. Não se conteve e pôs-se a chamar por ele, que também o reconheceu e logo o levou para o palácio. Ali soube notícias da mãe, que já estava muito velhinha, e mandou buscá-la para viver junto dele. Ao irmão mais novo perguntou:

- E tu, que tencionas fazer?

- Eu não tenho dinheiro para nada...

- Pois bem, pega nesta bolsa que hoje me ofereceram. Sempre que queiras dinheiro, abre a bolsa, que aparecem lá moedas. Mas vê se não te deixas enganar.

Saiu o parvo e foi dar a uma cidade, onde comprou um palácio fronteiriço ao do rei, que tinha uma filha muito formosa e esperta.

O parvo não saía da janela a fazer namoro à princesa, e com tanta persistência que logo deu a conhecer o seu pouco juízo.

A princesa quis rir-se à custa dele e um dia apresentou-se-lhe em casa. Ficou o moço muito satisfeito de ver a princesa em sua casa e convidou-a a sentar-se. Em pouco tempo descobriu ela que a origem de tanta riqueza era a célebre bolsa. Pediu-lhe que lhe mostrasse e o parvo assim fez. Ela, então, pediu-lhe licença para a ir mostrar ao rei, seu pai. Escusado será dizer que ele concordou e ela nunca mais voltou.

Passados poucos dias, toda a gente falava no próximo casamento da princesa com um seu primo.

O parvo, vendo-se sem dinheiro, tornou a Roma e contou tudo ao irmão. Este disse-lhe:

- Nasceste parvo e ainda o és. Não te dou dinheiro, mas leva esta gaitinha. Quando encontrares algum cadáver, toca que logo o morto ressuscitará. Desta maneira acabarás por ganhar muito dinheiro.

E assim aconteceu: quando o parvo chegou à corte, onde tinha o seu palácio, levava já muito dinheiro. Sucedeu então morrer o primo da princesa que com ela estava para casar. Houve muitos choros por este acontecimento e logo o parvo disse que era capaz de o fazer viver de novo.

O rei mandou-o chamar e foram tão grandes as quantias de dinheiro que lhe ofereceu que o parvo ressuscitou o noivo da princesa.

Soube a princesa que o parvo tinha consigo uma gaitinha misteriosa e decidiu apoderar-se dela, o que veio a conseguir. Então, o parvo voltou a Roma a conferenciar com o irmão. A experiência própria tinha-lhe metido na cabeça algum juízo e já não era o mesmo parvo do tempo em que andava aos ninhos.

O papa, desta vez, ofereceu-lhe um rico tapete, recomendando-lhe:

- Finge que não ligas importância às coisas que ela te tirou e dá-lhe mesmo este tapete. Logo que ela lhe puser os pés em cima, salta para ele tu também e diz: – Tapete, leva-me a Roma. Quando vocês aqui chegarem, eu vos casarei.

O irmão mais novo do papa compreendeu a lição e dirigiu-se para o seu palácio. A cura do primo da princesa dera-lhe entrada livre no palácio real. Por isso, o parvo ia lá sempre que lhe apetecia. Assim, uma vez encontrou-se com a princesa e disse que tinha para lhe dar um belo tapete. A princesa logo pensou em ficar com ele. Nessa tarde, a rapariga apresentou-se no palácio do parvo e pediu-lhe que lhe mostrasse. O moço assim fez e ela pôs os seus mimosos pés em cima do tapete, que era o que o parvo queria, pois logo ordenou:

- Tapete, leva-nos à Córsega!

Enganara-se e em vez de dizer Roma dissera Córsega. Encontraram-se imediatamente nos campos desta última ilha, que então não era ainda habitada. O parvo subiu a um cerro para se orientar, mas a princesa, que não tirara os pés do tapete, disse:

- Tapete, leva-me para o meu palácio.

E a princesa desapareceu. Quando o parvo desceu do cerro, já não encontrou o tapete nem a princesa. Viu-se ali perdido e pôs-se a andar sem destino. Extenuado e cheio de fome, viu uma figueira carregada de figos pretos e comeu alguns. Em poucos momentos, na cabeça e nas costas, nasceram-lhe dez cornos. Então é que ficou triste e desesperado! Dirigiu-se, no entanto, a outra figueira de figos brancos e comeu um. Caiu-lhe imediatamente um dos cornos. Comeu mais nove figos e ficou livre de todos os cornos.

Encheu um dos bolsos de figos pretos e outro de figos brancos e dirigiu-se a uma cidade em cujo porto estava um navio que partia para a cidade onde morava a princesa. Meteu-se no navio e chegou em pouco tempo ao seu palácio.

Disfarçou-se o parvo e foi vender figos pretos ao palácio real. E em poucas horas toda a gente sabia que o rei, a rainha e a princesa tinham a cabeça cheia de cornos. Chamados todos os médicos do reino, eles só viram como solução que lhos cortassem. Ainda experimentaram, mas as dores eram muitas e o rei entendeu que essa operação não era possível.

Então espalhou-se a notícia de que chegara das Índias um médico que se comprometia a fazer cair os cornos das reais cabeças. Claro que o médico era o irmão do papa. Chamado o parvo ao quarto do rei, este não o reconheceu devido ao disfarce. Deu-lhe então o falso médico a comer os figos brancos, dizendo ser um remédio oriental, e o monarca ficou logo curado.

– Agora é necessário que Vossa Majestade não saia do seu quarto nem comunique com qualquer pessoa durante oito horas -recomendou o parvo.

Dirigiu-se depois ao quarto da rainha e aconteceu o mesmo. Entrou de seguida no quarto da princesa. Ficou pasmado. Era a que tinha comido mais figos e a sua cabeça estava mais ramalhuda do que a de um veado. E logo o moço viu o célebre tapete no chão e sobre a mesinha-de-cabeceira a sua bolsa e a gaitinha. Fingindo não dar valor àquilo, pediu à princesa que se levantasse da cama.

- Não posso com a cabeça - respondeu ela a chorar.

Então ele ajudou-a carinhosamente a erguer-se e fê-la sentar numa cadeira com os pés para o tapete. Teve um momento de guardar nos bolsos a gaitinha e a bolsa, e perguntou à princesa:

- Então não me conhece?

- Conheço-o pela fala

Neste momento já o parvo tinha dito:

- Tapete, para Roma, para o palácio do meu irmão, o papa.

Ambos se encontraram de repente no gabinete do papa, que não conheceu o irmão devido ao disfarce. O papa ficou suspenso por um momento, mas o irmão arrancou as barbas e a cabeleira postiças e deu-se a conhecer

O papa falou amorosamente à princesa, e por tal forma se insinuou no seu espírito que ela declarou que levava muito em gosto casar com o parvo.

E ali mesmo foi celebrado o casamento. Quando, dias depois, o rei foi informado de toda a história, ficou muito contente com o casamento. E logo a seguir ao casamento comeu a princesa os figos brancos necessários para que lhe caíssem da cabeça todos os cornos que lá estavam.

E a verdade é que, daí em diante, o que dantes fora parvo tornou-se muito inteligente e governou muito bem o reino do sogro. O primo da princesa, esse, coitado, ficou a chuchar no dedo.

Fonte:
Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

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