domingo, 27 de dezembro de 2015

Aparecido Raimundo de Souza (Achei você no Jardim do meu Olhar...)

Você era a flor mais bonita, a que se destacava das outras, como em alvíssaras, a que sobressaia e brilhava com uma intensidade que nenhum poeta saberia descrever.

Havia um beija flor que pairava (lembrava um helicóptero em miniatura) elegante, numa espécie de dança cadenciada. Enquanto batia freneticamente as asas, com o bico, beijava a maciez que lhe envolvia, numa suavidade perene.Depois dava uma volta curta em torno das outras plantas e sumia, de vez, junto com o vento.

De repente, de repente você murchou. Ficou abandonada, esquecida. Seu brilho, faiscante de pura magia, se quedou ofuscado. A sensação de bem estar que emanava do seu aroma perdeu o magnetismo. Ninguém mais parou para lhe contemplar, nem o passarinho que vinha de longe ousou se aproximar. Sua elegância ímpar, num dado momento, se despojou completamente do viço. Você se apagou, por inteira, se fez toda em tristeza, se trancou sem explicação, se enclausurou sem motivos aparentes numa redoma escura. Toda você virou desespero, largada
à sorte, ruína de si mesma.

Foi ai que me veio à cabeça a ideia maluca de lhe roubar. Você estava estiolada, definhada, o coração partido e sem forças. Movido por esse plano meio doido, levei você pra mim, escondida, como um bandido que age desonestamente e não quer ser pilhado em flagrante. Cuidei, então, de você, no aconchego da minha casa. Seu corpo, cheio de feridas abertas, se decompunha coberto por chagas e espinhos pontiagudos. Durante meses, reguei com paciência, joguei água limpa, podei as dores e os dissabores. Afastei as lembranças que lhe magoavam. Por um longo tempo, só tive olhos para você. A sua solidão doía, não só em seu coração, mas, igualmente no meu. A dor que castigava sua alma, eu sentia a danada aqui dentro do peito. O receio de morrer só e abandonada, tanto machucava você, quanto enlutava a minha existência.

Com o passar do tempo, fui lhe avivando, lhe realçando, lhe revigorando. Moldei, sem pressa, seu novo eu. Fundi sua imagem numa escala ascendente, até que, sem querer, me vi recompensado pelo esforço do seu retorno à vida. De joelhos no chão e o espírito voltado em direção ao céu, agradeci a Deus não ter sido em vão o seu tempo de cativeiro passado ao meu lado. Aos poucos, com a nossa convivência diária, com as nossas relações íntimas, você foi me envolvendo, me prendendo, me enlaçando, me abrangendo, de tal forma, que acabei por me quedar vencido, atenuado, entrelaçado pela sua beleza, inebriado pelo seu porte de princesa, e pior, enfeitiçado pelo seu jeito nobre de me fazer cada dia, cada minuto, mais e mais feliz. E foi a partir daí, desse querer cada vez mais forte, que passei a dividir, também com você, meus dias, minhas horas, meus segredos, meus mistérios, minhas causas secretas e confidências. Como um garoto imaturo e sem a experiência de um homem de verdade, lhe expus meus ilusórios. Desenhei meus medos e falei dos meus fantasmas. De contrapeso, listei meus pontos
fracos e sem vigor, sem a robustez necessária de pensar e de agir com os pés no chão. Abri a alma inteira e me deixei ser levado pela magnificência da lealdade que brotava do fundo do seu coração. Falei do meu hoje, do meu presente. Exibi pra você as minhas incertezas e desconfortos para com o futuro. E, em paralelo a tudo, ensinei você, de pouquinho, aos goles escassos, a acreditar no amanhã. Fiz você voltar a crer novamente na vida. A aceitar seu destino sem temer os percalços que ainda estavam por vir. Mostrei a você que se fazia necessário gostar primeiramente de si mesma, se amar, ter esperanças e persistência sempre, houvesse o que houvesse, acontecesse o que acontecesse.

Por fim, deixei pra você uma herança. Na verdade, leguei um pedaço de mim em forma de experiência transformada em carinho, sedimentada em nacos de quimeras imorredouras. Transferi a você, o amor que nasceu em mim, recheado por porções enormes de sentimentos fortes que brotaram do fundo da minha alma e me fizeram ver o mundo por outro ângulo. Através desse amor e da sua ânsia de querer ser feliz, quando eu não mais me fizer presente, você se agigantará. Prosperará, na sua altaneria e será uma benção por onde passar. Sinto, pois, que a minha dedicação lhe trouxe tranquilidade e confiança plenas. Igualmente garra e determinação, para encarar os desafios que ainda estão a horizontes incertos.

Hoje, Meu Deus! Hoje, quando lhe vejo no jardim dos meus olhos, pressinto alguma coisa diferente ao redor de tudo o que me cerca. Parece que o sol foi areado de novo, pelo Criador, com suas mãos de ternura. Talvez seja por isso que eu sinta o astro rei derramar sobre nós, e sobre você, em especial, um grande jorro de luz. Por tudo o que passamos, por tudo o que vivemos, e pelo que nos tornamos, tenho plena convicção de que você também se recorda, sem nenhuma tristeza, ou magoa, dos fora propositais que a vida nos deu, dos desencontros pelos quais ela nos fez e nos obrigou a passar...

Com certeza, você e eu, agora sabemos: a vida... A vida, meu amor, só estava juntando EU E VOCÊ para sermos UM SÓ!

Fonte:
SOUZA, Aparecido Raimundo de. Havia uma ponte lá na fronteira. São Paulo/SP : Ed. Sucesso, 2012.

Nenhum comentário: