quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (O diário)

   
Não, não era o diário da Anne Frank, a da Segunda Guerra, nem o da Helena, da novela Por Amor, de Manoel Carlos. Era o diário de uma moça que não tinha namorado, nem sabia se teria. Por isso, talvez muito por isso mesmo, enchia as bordas de cada página com mil anjinhos e florzinhas, corações e doces símbolos, como adolescente. Não, já não era mais mocinha. A mulher em que se tornara escrevia seu diário num papel rosado, como a dizer para si mesma, feito Edith Piaf, que "via a vida em rosa". Rosa. Eis a cor de que mais gostava. Por que a vida não podia ser só nessa cor?
  
  Noite a noite, chegava, tomava um coffe, comia uns biscoitos e já pegava seu "querido diário", louca para lhe contar as novidades!... O caso é que não havia muitas, não. Na verdade, quase nenhuma. Levava uma vida sem graça, previsível, presumível, resumível a poucas linhas inéditas, sendo que as sequentes poderiam conter apenas a expressão: idem às anteriores. Pode ser mais sem graça que isso? Perdera a conta de quantos romances tinha lido, de a quantas novelas e filmes tinha visto, sonhando, como a "rosa púrpura do Cairo", que o herói saltaria direto da tela para sua vida.
 
Nunca levava o diário para lugar nenhum. Mas houve uma vez... Vixi! Ela o levou. Estava com alguns minutos a mais de almoço, então aproveitaria o tempo com seus escritos. Pra quê! Não sei se foi quando se sentou no último banco do ônibus, mas ela o perdera... Um pouco de la vie em rose com que sonhava estava para sempre perdida!... Bem, às vezes o que se perde pode ser achado. Foi com esse pensamento que se pôs a divulgar o sumiço do diário. Passava noites navegando na Internet, para ver se alguém falava que tinha encontrado suas confidências por aí, sem saber.
 
    Desanimada, passado mais de um mês do sumiço do motivo de seus sonhos, decidiu se esquecer de que, um dia, tinha tido um diário. Aproveitando, limpou as gavetas, jogou uns papéis fora, amassou lembranças que não lhe faziam (nem fariam) bem. A gente acumula coisas e, quando vê, parece uma mula, um burrinho de carga, com o mundo nas costas. Ser leve era bom. Não mais encontraria o diário de sua vida. Pronto. Aceitava. Mas, ao puxar a última gaveta do armário para limpá-la, notou um velho livro e, logo abaixo, uma pequena florzinha à mostra. Puxou o livro de cima e... voilà! Era o danado do diário, que ela escondera na noite anterior ao "sumiço", com medo de que o sobrinho, que a visitaria com sua irmã no dia seguinte, arteiro como o quê, rasgasse o querido diário de sua alma. Nunca mais o largou. Seu príncipe nerd viria.

Fontes:
O Autor
Imagem - http://diariodoiniciante.blogspot.com

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