quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Silvana da Rosa (A mulher escritora e personagem nos contos de fadas) Parte V

2.2 Os contos moralizantes de Charles Perrault

Servir uma beleza ingrata
É só perda de tempo e de trabalho
E pretendê-la amável quando trata
É ser como o Grou, um paspalho.
PERRAULT, 2007, p. 155.
                                                                
Charles Perrault revive o popular através da literatura, uma vez que insere em suas obras a magicidade lúdica, bem como inova, ao acrescer à mesma uma lição de moral, o que faz direcionar o entendimento do leitor, evitando possíveis ambiguidades interpretativas. De acordo com Novaes Coelho, ele defendeu, de certo modo, a causa feminista, apoiando Mlle. L’Héritier, sua sobrinha, que lutava pela valorização da mulher quanto à aquisição de direitos intelectuais, embora, ao mesmo tempo, Perrault tenha também assumido posições nada feministas em seus contos.

Da mesma forma, as lições das narrativas apresentam acentuado cunho moralista destinado à postura feminina.

De outro modo, Novaes Coelho salienta que a posição defendida por Perrault é percebida através das temáticas abordadas em seus contos, sendo que versam sobre “mulheres injustiçadas, ameaçadas ou vítimas” (COELHO, 1987, p. 66). Para a escritora, essa abordagem escolhida por Perrault ressalta seu apoio à causa feminista.

Mendes opõe-se à afirmação de Novaes mencionada anteriormente, uma vez que para Mendes o objetivo desse escritor era realmente moralizar o papel feminino, inserido em uma estrutura familista, predominante na época, sustentando que os textos do mesmo falam do significado das funções femininas na sociedade e do significado das funções culturais da narrativa mítica. Num e noutro se consolida a ideologia familista da classe burguesa, que definia seu papel social no século XVIII. (2000, p. 110)
                      
As idéias de Mendes são bastante pertinentes, uma vez que os contos de Perrault sempre trazem uma lição moralizante para a mulher e não para o homem, o que seria mais viável se ele realmente estivesse engajado à causa feminina.

Mendes menciona ainda que Perrault, considerado pioneiro na escritura dos contos infantis, utilizou-se dos mesmos para mascarar o seu real objetivo, ou seja, doutrinar a mulher, iniciando com os menores leitores/ouvintes desde a infância até a idade adulta, ressaltando os papéis sociais.

Maria Tatar solidariza-se com a posição de Mendes. Entretanto, para ela, as lições moralizantes citadas das obras de Perrault não correspondem ao contexto dos contos lá apresentados. Além do mais, os menores leitores não entendiam o que as referidas lições pretendiam ensinar, uma vez que se embasavam em digressões sociais e de caráter, comuns ao público adulto.

[...] Em 1697, ao publicar Contos da Mamãe Gansa, Charles Perrault acrescentou a cada um pelo menos uma lição moral, por vezes duas. Freqüentemente, contudo, essas conclusões morais não se harmonizavam com os eventos na história e vez por outra não ofereciam nada além de uma oportunidade para um comentário social aleatório e digressões sobre caráter. As diretrizes comportamentais explícitas acrescentadas por Perrault e outros tendem a não funcionar quando visam crianças [...] (TATAR, 2004, p.12)
                      
Assim, Perrault compilou contos já existentes, oriundos da cultura popular. Desse modo, ele publica onze contos inseridos no livro Contos da Mamãe Gansa, entre 1691-1697, destinados às crianças e aos adultos que são: 1. A bela adormecida no bosque; 2. Chapeuzinho vermelho; 3. Barba-Azul; 4. O gato de botas; 5. As fadas; 6. A gata borralheira ou Cinderela; 7. Henrique, o topetudo; 8. O pequeno polegar; 9. A pele de asno; 10. Os desejos ridículos e 11. Grisélidis.

Percebe-se que, se Perrault, de certa forma, solidarizou-se com as mulheres, pelo menos em seus contos, as suas intenções não se tornaram claras, uma vez que, em suas obras e nas lições de moral, verifica-se a transparência de uma linguagem desmedidamente machista, conservadora e patriarcal. Além disso, o olhar desse escritor não se voltou para observar as potencialidades femininas fora do âmbito familiar, pois suas personagens assumiam a obediência, a submissão, o temor, a apatia, como características fundamentais femininas que se enfatizavam nas lições de moral.

As contribuições ou restrições que os demais homens escritores ofereceram ou impuseram à figura feminina, em âmbito sócio-intelecto-cultural, através de suas obras, seguem no próximo subcapítulo.

continua…

Fonte:
Silvana da Rosa. Do tempo medieval ao contemporâneo: o caminho percorrido pela figura feminina, enquanto escritora e personagem, nos contos de fadas. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), 2009

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