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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Mauro Modesto


Mauro Davila Modesto nasceu em Sena Madureira, Acre. À beira do cafezal, um igarapé sem muita importância de Sena, Estudou no rio de Janeiro e em Minas Gerais. 

Mauro modesto é um apaixonado por Sena Madureira, desde cedo com vocação para  poesias, que encantam e garantem o prazer de uma boa leitura, não poderia deixar de ser o Príncipe dos Poetas Acreanos, titulo este, concedido pela Casa do Poeta Acreano.

O Poeta tem importância fundamental na evolução cultural desta terra, comprometido com educação, com o folclore, com a poesia, com o hino, a Bandeira e com o Patrimônio Histórico e cultural do estado do Acre.

Mauro Modesto possui 10 obras publicadas. Fundou 12 Casas de Cultura e é membro de mais de 60 entidades culturais do país. O acreano é detentor das medalhas Raimundo Correia, Olavo Martins dos Guimarães Bilac, Austregésilo de Athayde, Francisco da Silva Nobre, Castro Alves, acadêmico Giovanni Siqueira, Juscelino Kubitschek e Arthur da Távola, além de três estrangeiras: Mérito Cultural “Museu Maria da Fontinha, do Mérito Elos Club de Leiría e do centenário de Miguel Torga – Portugal.

Poeta, conferencista, economista e jornalista, Mauro consegue representar sua paixão e prender cada leitor de seus livros com charme,  com poesias de saudades que fazem o leitor viajarem ao tempo, com sentimentos puros e ainda consegue resgatar e mostrar o prazer da literatura brasileira.

- Detentor da medalha Olavo Bilac - Rio de janeiro, concedida pela Federação das Academias de Letras do Brasil e Academia Cearense de Ciências, Letras e Artes do Rio de Janeiro.

- Dono do Projeto e criador da fundação municipal de Cultura do Rio Branco, atual Fundação Garibaldi Brasil.

- Fundador da Casa do Poeta de Sena Madureira e da casa do poeta de Tarauacá

Membro Efetivo da Academia Acreana de Letras; 

Membro Fundador das Academias de Letras e Artes de Sena Madureira; de Xapuri, Brasiléia, Quinari, Plácido de Castro e Academia de Jornalistas e de Letras do Estado do Acre; 

Membro Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Acre; 

Membro Honorário da Academia Brasileira do Meio Ambiente; 

Membro Honorário do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais.

Algumas obras do autor

Desencontro - Poesias e Crônicas - 1983
Por quê? - Poesias e Crônicas - 1985
Toda Saudade tem um nome - Poesias e Crônicas - 1990
Respingo de Paixão e de Saudade - Poesias e Prosas   - 1998
Pedaços de Amor e de Saudade - Poesias - 2000

Fontes:
http://senamad.com.br/index.php?/Poeta/poeta-mauro-modesto/Todas-as-Paginas.html
http://sitedepoesias.com/poetas/Mauro+Modesto
http://pagina20.uol.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=33829&Itemid=14

domingo, 22 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (O Céu de Friburgo)


Olho o céu de Friburgo sobre mim! Reparo
nos detalhes desta obra perfeita de Deus!
Na manhã de ouro e azul, o dia é belo e claro,
nem um lenço de nuvem branca, acena adeus...

Olho o céu... e a outros céus mentalmente comparo!
Não viram outro igual no mundo os olhos meus!
Parece que se curva e vem a nós, num raro
gesto, sem distinguir entre cristãos e ateus!

Hei-lo para o meu culto: catedral imensa
sobre as cristas das altas montanhas suspensa,
templo de sol, e estrelas para o amor e a fé...

E ao vê-lo perto assim... chego a ter a impressão
de que, se erguer o braço sou capaz de até
poder tocar o imenso azul com a própria mão!

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Canto à Friburgo. 1961

sábado, 21 de abril de 2012

J. G. de Araujo Jorge (A Geladeira)


Os capitalistas, os donos do mundo
não conhecerão esta pura alegria.

Esperar a geladeira nova
e a geladeira nova chegar.

O caminhão que para, o vulto branco que desce,
o cuidado do homem rude que nunca a possuirá,
uma faísca de sol nos metais de fecho de abrir,
os meninos que param em roda do caminhão, assistindo,
e eu, de camarote, da sacada do apartamento
assistindo.

Os capitalistas não conhecerão esta pura alegria:
esperar a geladeira
a geladeira de sete pés, branca e iluminada
que afinal chegou.

Agora haverá coca-cola, crush, e água gelada pra visita
e pavê de chocolate, e quanta coisa gostosa
que o frio preservará com seu sopro imortal.

O dial da geladeira não faz jorrar música
mas fala inglês: "defrost, fast, freese, box";

Gosto de abrir a geladeira, ela se acende toda quando eu a toco,
fica festiva, bela e alegre, na sua brancura imaculada
e nos seus metais rebrilhando.

Sinto o hálito frio que me envolve o rosto
me apanha as mãos,
e uma emoção primária de conforto me dissolve
quando ela se abre para mim, feliz e sortida
nas suas entranhas burguesas.

Esta pura alegria, esta higiênica alegria
não sentirão os capitalistas,
é privilégio dos que vem de baixo, escalando a vida como alpinistas,
para encontrar a neve e o frio das alturas
na sua geladeira branca e cheia de sol!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. A Outra Face. 1949.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) Auto-Retrato


A fronte larga como larga pista
para as idéias levantarem vôo...
Os olhos verdes: - sinal sempre aberto
para a vida passar, sem obstáculos...

E estas narinas dilatadas, como
se fossem feitas para grandes haustos
saborear o mais simples dos prazeres:
- o de encher os pulmões... e respirar!

Um coração desordenado e boêmio,
e um sentimento de justiça, intenso,
como traço marcante do caráter.

A humildade de ser, para os pequenos,
o orgulho de enfrentar os poderosos
e a alegria de amar sem ter limites!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

sábado, 14 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge / AC (A Cantiga Do Só) 11. A Primeira


Foste o nosso primeiro balbucio
a primeira palavra pronunciada;
o primeiro aconchego, se fez frio,
- nosso primeiro passo pela estrada.

O primeiro conselho, ante o desvio
que pudesse levar a uma emboscada;
a presença, mais que outras, desejada,
nos momentos de dor ou desvario...

Foste tudo de bom que aconteceu:
o beijo puro, o gesto carinhoso,
a mão primeira que nos protegeu...

Tudo nos deste: o próprio Ser e o nome,
e foi teu seio farto e generoso
que silenciou nossa primeira fome!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 10. A Palavra Mãe


Do pátrio idioma és a mais bela flor
unipétala flor nunca esquecida,
sinônimo de nossa própria vida,
traço de união entre a alegria e a dor...

Superlativo da palavra "amor"!
Verbo do coração; ternura e lida;
- tudo em ti se resume, e és tão querida,
que igual não há, seja em que idioma for!

Antes que as outras todas te aprendemos,
e desde quando te tornaste em fala
simbolizas o amor capaz de extremos...

- "Mamãe"... Palavra azul, cor da distância...
Quem não pode um dia pronunciá-la,
nasceu... cresceu... mas nunca teve infância!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

domingo, 8 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 6. A Grande Criadora


Podes dar tratos a imaginação
e conceberes o que se afigura
a ti mesma, um absurdo, uma loucura,
coisa além dos sentidos, da razão.

Podes imaginar uma aventura
a mais estranha, sem ter céu nem chão,
e o que de mais ousado na Criatura
cheque às raias da tua concepção.

Podes tudo pensar, tudo criares
em histórias e cantos singulares,
o que o sonho não pode e a alma não deve,

e ainda assim, hás de ver que não és louco,
que tudo o que pensaste é nada e é pouco
ante o que a própria Vida vive e escreve!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 4. A Festa Triste


Não, o Natal não é uma festa alegre,
é uma festa triste.

De repente
as crianças (logo as crianças!)
separam o mundo em duas metades
desiguais:
- de um lado, a abastança, indiferente ou piedosa;
do outro, a necessidade, a mendigar seus restos
como há milênios faz...

As crianças (logo as crianças!)
Algumas com presentes, brinquedos, esperanças,
e as puras alegrias que o bom Velhinho
lhes traz do céu;
outras, sem terem nada, e mesmo tendo pais,
são "órfãos do Natal",
não tem Papai Noel...

Não. Neste mundo como está,
(neste mundo profano
que a um olhar mais humano
não resiste),
o Natal pode ser uma festa,
(quem contesta?)
mas é uma festa triste...

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 3. A Enfermeira


No seu branco uniforme, hei-la que passa... É a imagem
do amor, do sacrifício... e é toda abnegação!
Eu a chamo: Nossa Senhora da Coragem,
de leito em leito, sempre, em peregrinação...

Vigia do sofrer. . . Chega, e à sua passagem
a dor é menos dor, e é menor a aflição...
Sobre a fronte febril seu gesto é como a aragem,
sua presença é luz e sombra, é proteção...

Misto de anjo a mulher, de santa a de heroina,
não sei de profissão que em si tanto resume
na glória de se dar nesse árduo e puro afã...

É a síntese complete da alma feminina,
pois traz no coração um pouco de cada uma:
- a amiga, a companheira, a mãe, a esposa, a irmã!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 3. A Enfermeira


No seu branco uniforme, hei-la que passa... É a imagem
do amor, do sacrifício... e é toda abnegação!
Eu a chamo: Nossa Senhora da Coragem,
de leito em leito, sempre, em peregrinação...

Vigia do sofrer. . . Chega, e à sua passagem
a dor é menos dor, e é menor a aflição...
Sobre a fronte febril seu gesto é como a aragem,
sua presença é luz e sombra, é proteção...

Misto de anjo a mulher, de santa a de heroina,
não sei de profissão que em si tanto resume
na glória de se dar nesse árduo e puro afã...

É a síntese complete da alma feminina,
pois traz no coração um pouco de cada uma:
- a amiga, a companheira, a mãe, a esposa, a irmã!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 1. Prefácio ; 2. A Cartilha

1. PREFÁCIO

JG de Araujo Jorge, assina este texto no prefácio da 2a edição - 1968 em edição aumentada com poemetos e trovas.

"Cantiga do Só é uma coletânea. Alguns dos seus poemas são anteriores a "A Sós..." e "Espera...", e deixaram de ser incluídos em "Harpa Submersa" porque necessitavam de pequenos retoques que só foram feitos posteriormente.

Há  neste livro um soneto de mais de vinte anos: "Gula". Escrevi-o sob encomenda, pare a revista "O Malho", já desaparecida, que o publicou numa série de sonetos sobre os pecados capitais.

Encontrei-o agora, na velha publicação, já meio amarelada, e resolvi aproveitá-lo.

Muitos dos poemas, dos escritos recentemente, tem merecido por parte dos ouvintes do meu programa literário, na Rádio Tupi, aos sábados, às 18,30 horas, reiterados pedidos de leitura e cópias.

" Mulher Grávida ", " Vermelho e Branco ", " Carta ao Futuro de Meu Filho ",  são,  por  exemplo,  alguns  dos trabalhos que mais me pedem pare apresentar no programas.

Agora, uma noticia final:

Quando me dispus a " limpar as gavetas " para  preparar  os   originais  deste " Cantiga do Só ", encontrei tanto material, que resolvi enfeixá-lo noutro volume. Deste modo, depois de sua publicação,  espero   lançar  uma  nova coletânea de versos líricos, cujo titulo será: "Quatro Damas ".

Os leitores já terão compreendido que há de encontrar em s uas  páginas, - pelo menos mais nitidamente, - quatro perfis de mulher... de diferentes épocas da minha vide...

Talvez o melhor titulo fosse: "Quatro Damas... e um Curinga... “

2. A CARTILHA
- "OVO, AVE, UVA, AVÔ."

E eu que tantas palavras procuro e carrego
me lembro destas primeiras que encontrei...
E da mão de minha mãe me levando
- como guia de cego -
sobre o velho caderno onde estudei...

(E ao lado delas
também ficaram
na minha lembrança,
aqueles rabiscos que fazia
brincando,
aquelas
garatujas que eram
como passos de criança
engatinhando... )

- "OVO, AVE, UVA, AVÔ."


( Ovo gorado, eis a vida!
Ave, - esperança perdida,
uva, um desejo constante,
- avô, minha infância distante ! )

Ficaram na minha memória
as primeiras palavras sem história
como uma tênue e apagada trilha...

E, de repente... Eis que a vida da sentido
aquelas primeiras palavras
que aprendi na velha cartilha…

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

sábado, 31 de março de 2012

J. G. De Araújo Jorge (Vozes Femininas)


Para o observador desavisado, a impressão é a de que no Brasil de nossos dias, apenas um nome de mulher se impõe entre os grandes poetas, o de Cecília Meireles. Na verdade, ultimamente, a crítica brasileira tem esquecido injustamente muitos valores expressivos da nossa poesia feminina.

Ainda agora, ao lançar, inteiramente refundida, a terceira edição de “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”, volume I, poesia brasileira, contendo quatrocentos sonetos de todos os tempos e escolas, relendo suas provas comprovei essa realidade, diante de peças líricas da maior beleza e emoção, assinadas por nossas poetisas. E figuram no volume, entre outras, mais antigas, ou mais recentes: Amélia Tomás, Ana Amélia, Beatrix dos Reis Carvalho, Benedita de Melo, Carmem Cinira, Colombina (Ylde Schloembach), Corina Rebuá, Cíntia Castelo Branco, Francisca Júlia, Heli Menegali, Gilka Machado, Henriqueta Lisboa, Ilka Sanches, Itacy de Souza Teles, Lilinha Fernandes, Maria Eugênia Celso, Maria José Giglio, Maria José Aranha de Resende, Maria Sabina, Maria Teresa de Andrade Cunha, Nísia Nóbrega, Seleneh de Medeiros, Vivência Jambo da Costa, Vicentina de Carvalho, e mais algumas, todo um grupo de nomes, no mesmo plano em que se encontram nossos melhores poetas.

Nas exíguas proporções de nossa crônica, gostaríamos de destacar quatro vozes líricas, de diapasões diferentes, inexplicavelmente silenciadas ou desconhecidas do grande público. Uma, já desaparecida; três delas, ainda em nosso convívio, muito embora seus cantos se percam na azoada vida contemporânea, onde música e ruído se confundem, onde poesia e charada se identificam.

Quem se lembra de Carmem Cinira? Carioca, falecida com menos de trinta anos, em 1933, seus versos eram publicados por jornais e revistas na última década de sua vida. De uma poesia simples, comunicativa, encontrou no soneto uma de suas formas preferidas de expressão. Selecionei de Carmem Cinira três sonetos para a antologia, um deles, realmente antológico, copiado nos cadernos de poesia, obrigatoriamente incluído em qualquer seleção no gênero. É o intitulado.

INCANSÁVEL

Velho sonho de amor que me fascina,
causa das mágoas que me têm pungido
e que, entanto, conservo na retina
como a fonte de um bem inatingido...

Flana velada, cântico em surdina
de uma alma triste, um coração ferido,
nem pode haver linguagem que defina
o que eu tenho, em silêncio padecido!

Mas, ainda que mal recompensado
meu amor há de sempre desculpar-te
humilde, carinhoso, devotado...

Bendito seja o dia em que te vi,
pois não há maior glória do que amar-te
nem melhor gozo que sofrer por ti!


Citemos agora o nome de uma das maiores poetisas brasileiras de todos os tempos: Gilka Machado. De uma poesia sensorial, de ritmos quentes, pletórica de imagens, Gilka dá continuidade à melhor tradição de nossa sensibilidade e de nossa etnia. Permanece entretanto em silêncio, um injustificado silêncio que nos priva de seus versos tão cheios de belezas. E aqui fica uma pergunta aos nossos editores: porque não reeditar a obra de Gilka Machado, ou pelo menos um volume de suas poesias escolhidas?

Certos antolhos críticos, estreitas convenções estéticas vêm sufocando o que de melhor existe em nossas letras. Gilka Machado é uma vítima dessa “segregação”. Vou escolher ao acaso, um dos quatro sonetos que incluí na antologia:

SONÊTO

Sob o céu, sobre o mar, dentre um profundo
silêncio de ermo, em meio às rochas nuas,
aninhamos na noite, como duas
aves, ébrios de nós, longe do mundo.

Em teus olhos de treva ardiam luas;
errava um cheiro, não sei onde oriundo;
e minhas mãos, de tuas mãos no fundo,
tinham desejos de morrer nas tuas.

Sangrando luz, pendida a trança flava,
uma estrela do além se despenhava...
- Sorriste olhando-a, entristeci-me ao vê-la...

Com a alma em fogo, pela noite fria,
em vertigens de amor eu me sentia
rolar no abismo como aquela estrela.


Destaquemos em seguida, aquela que poderíamos chamar de a nossa Virginia Vitorino: Benedita de Melo. Exímia sonetista, com um verso musical, tal como a grande poetisa portuguesa, Benedita de Melo possui apenas um livro publicado: “Luz da Minha Vida”. E é realmente a sua luz, pois a poetisa cega encontra na poesia seu iluminado mundo interior. Sua lírica vem valorizada pela capacidade de fixar conflitos psicológicos e situações do cotidiano. Um dos mais belos momentos de inspiração é este

VERGONHA

- “Menina!” Disse alguém, no grande instante
em que era dividido em dois um ser...
E essa palavra, pelo mundo avante,
foi meu santo orgulho de viver...

Ser menina. Ser moça. Ser constante.
Ser caráter. Ser honra. Ser dever.
Por mais tropeços que encontrasse adiante
nunca me entristeci de ser mulher.

Mas veio o Amor. Veio a traição ferina
e todo o orgulho meu de ser menina,
roubou-o a sorte, malfadada e crua;

e veio a dor, e veio a mágoa, o tédio,
e a vergonha escaldante e sem remédio
de ter sido mulher para ser tua.


Finalmente, uma outra poetisa de que poucos terão ouvido falar. E a razão é a mesma: possui também apenas um livro publicado. Uma coleção de poemas e sonetos líricos: “Primavera, Escuta...”

Conhecia-a há anos, muito mocinha, em Friburgo. Sei que se casou, que reside em São Paulo, que é uma dona-de-casa feliz, às voltas com todos os problemas rotineiros de um lar. Telefonou-me faz algum tempo, quando lancei a primeira edição da antologia, para agradecer-me o fato de “tê-la incluído entre tantos poetas consagrados”. Mas não fiz favor. Maria Teresa de Andrade Cunha, este o seu nome de solteira, o seu nome literário, disse-me também que não tem mais tempo para a poesia. Não acredito. Estou certo de que apenas recolhe o canto, até nova surpresa. É uma poetisa como as demais, neo-romântica, de expressão moderna. Se poesia é emoção e simplicidade, Maria Teresa faz poesia, e da mais pura. Vamos ouvi-la, numa homenagem à sua arte e à de Friburgo daquele tempo, com o seu soneto:

QUERIA QUE CHEGASSES

Festiva, em frente, se ergue a serrania
tocada de um dourado cambiante;
queria que chegasses neste instante;
nem sabes como está bonito o dia!

Anda no ar transparente uma alegria
uma alegria imensa, delirante...
Como está perto o azul do céu distante!
Que perfume e que luz, na tarde fria!

Queria que chegasses de surpresa.
É tão maravilhosa a natureza,
juncando esse caminho, há tanta flor!

...Sairíamos juntos, devagar...
Sem destino, sem pressa de voltar
de mãos dadas, felizes, meu amor!


Fonte:
JORGE, J. G. de Araújo. No mundo da poesia. Edição do autor, 1969.

sexta-feira, 30 de março de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Verão, Compromisso com a Felicidade)


Uma vez um amigo meu estranhou que “chovesse tanto” em minha poesia. A chuva -disse-me ele - é uma constante em vários poemas, e em todos os seus livros. Curioso com a observação passei os olhos por minha obra. Mas se constatei, realmente, que escrevi muitos poemas sugeridos pelos dias de chuva, nem por isso, homem que sou dos trópicos, escapei às influencias poderosas do sol, do verão.

Confesso até meu “estranho remorso” num poema de “Eterno Motivo”:

“Às vezes, quando escrevo feliz uma poesia,
me assalta um estranho remorso, incompreensível,
que não sei de onde vem:
Quem sabe? Pode ser que esse meu canto de alegria
faça mal a alguém...
meu irmão triste, meu irmão doente,
perdoem-me a cantiga frívola e contente,
que me fugiu dos lábios na manhã alvissareira
de verão...
Ela brotou sem querer na minha felicidade!
É que eu trago uma cigarra cantadeira
e imprudente/ dentro do coração!”.

Um dos sonetos meus mais difundidos é justamente aquele “Bom dia Amigo Sol!” que está no mesmo livro. Lembram-se?

Bom dia amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreende-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara,
na intimidade que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho
nem no ar, cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreende-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito...

Ainda no mesmo livro, além do “Desejos na Manhã de Sol”, há uma verdadeira declaração de amor à manhã, vale dizer ao dia, ao sol: “A manhã é a minha namorada.” “Ela entrou no meu quarto trêfega e contente/ e com seus dedos de sol tocou nos vidros e metais/ mexeu em tudo que viu/ e espiou para os lençóis da minha cama desfeita.../ Depois, fugiu.../ Lá se foi pelo caminho com as mãos cheias de pássaros/ levada pela aragem numa doida correria,/ rasgando seu vestido/ de galho em galho.../ e as contas do seu colar espatifando-se no espaço/ eram gotas de orvalho...”/.

Sim, mas terei de confessar que a noite é a minha companheira, e com ela as madrugadas. Sou um nostálgico do silêncio das sombras. A luz grita, o sol atordoa. O verão é um desafio constante. Parece jogar-nos na cara todos os instantes: “Vê se consegues ser claramente feliz como eu!”

Um dia de verão é um compromisso com a felicidade. E ai dos que não podem sintonizar o coração com a harmonia e a luminosidade do mundo ao redor. São esmagados. Por isso escrevi aquele “Manhã para se Ser Feliz” que está em “Espera”.

Esta é uma manhã para se ser feliz
em algum lugar, de algum modo
- é uma manhã para se ser feliz...

Esta é uma manhã para dois, para dois juntos
abraçados e tontos num remoinho,
não como nós, eu aqui, diante do sol, das árvores, de tudo
envergonhado porque estou sozinho...

Esta é uma manhã que me fala de ti
na transparência do ar,
neste azul do céu, imaculado,
na beleza das coisas tocadas de sonho
e imaterialidade...

Uma manhã de festa
para se ser feliz de verdade!
Esta é uma manhã
para te ter ao meu lado...
Quando Deus fez uma manhã como esta
estava com certeza apaixonado!”

E eis a razão das fugas constantes para os dias de chuva, dias que parecem feitos para a solidão; quando mesmo sozinho, não sabe tão funda a tristeza. Ficou-me na alma e no ouvido, além do mais, aquele rumor da chuva nos telhados de zinco da minha infância, no Acre. Daí, entre tantos, aquele poema em forma de oração, do “Cantiga do Só”:

Irmã chuva, com teu manto cor de cinza
teus olhos embaciados
teus gestos mansos,
solidária com as nossas fadigas
que acaricias nosso tédio com teus dedos molhados
e embalas nosso coração sussurrando baixinho doces cantigas...

Irmã chuva, que sempre vens quando ficamos doentes
de sol
ou de alegrias,
exaustos de verão e de calor,
e que, com teus gestos suaves e compressas frias
acalmas nossa fronte ardente
e adormeces nosso amor...

Irmã chuva... Que bom teres chegado assim, tão calma...
Pareces que adivinhas a aflição da minha alma...
Ainda bem, que mansamente
E inesperadamente,
Vieste me ver...

Irmã chuva, que aconchegas o coração da gente,
para a gente adormecer…

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

quinta-feira, 29 de março de 2012

J. G. de Araújo Jorge ("Vamos Voltar Pra Casa ?")


Uma hora "sagrada" para mim é a hora da volta. A hora de voltar para casa. Acredito que seja uma "hora sagrada" para quase todos os homens.

Ao fim do dia de trabalho, de preocupações, de luta, atirado ao mundo ilimitado de interesses e ambições, aquela expectativa de paz, de aconchego, do seu pequeno mundo entre quatro paredes.

Os ingleses tem uma doce palavra que define esse porto de volta - "home".

É o nosso lar.

Tenho uma pena infinita daqueles que não podem voltar, ou não tem para onde voltar. São como pássaros que tivessem que permanecer em vôo, sem o embalo de um ramo, ou a quentura de um ninho.

Na pressa do retorno, no fim da jornada, quando procuro os meios de condução, vez por outra surpreendo na ruas, nos bancos das praças, os vultos indigentes dos que não voltam, dos que terão de ficar, dos que vêem chegar a noite, indiferentes ao estranho burburinho humano que lembra o dos pardais, nas árvores da cidade.

Então, não consigo evitar que um pensamento amargo turve o meu apressado egoísmo. E uma tristeza inevitável esvoaça por momentos como uma borboleta negra que entrasse por uma janela aberta.

Todos nós, diariamente, ao entardecer, somos como marinheiros de nós mesmos; navios que se avizinham do porto de origem. ansiamos por avistar a paisagem do coração, por encontrar os que nos são caros, os que justificam as partidas de todo dia, o cotidiano exílio do trabalho.

Em muitos trechos de minha poesia tenho fixado as emoções que essa hora me suscita. Sou um homem que acha que, até mesmo nas viagens de puro prazer, a grande alegria é a volta. Quase se poderia dizer que a gente parte antegozando hora de retornar., transformar as uvas colhidas no vinho doce das lembranças, servido entre amigos.

Tal como se diz dos namorados: que brigam pelo prazer de fazer as pazes. Uma viagem é uma "briga de namorados" com a vida. A gente larga o que gosta, para sentir saudades, e voltar mais apaixonado ainda.

Gostaria de citar para vocês os muitos poemas que escrevi, cantando a alegria de voltar. Sim, bem sei que tenho muitos outros poemas falando do desejo de partir, de perder-me em dionisíacos descaminhos. Mas, no fundo mesmo, o que prevalece é o sentido das raízes que prende o homem ao seu chão, que lhe permite, nos momentos de pausa, crescer e encher-se de flores, frutos e pássaros.

Na exígua moldura desta página, eis duas faces de um mesmo canto.

Tiro primeiro, de "Harpa Submersa" um trecho de :

COLÓQUIO PROSAICO

Porque as coisas que me cercam se impregnam de poesia,
porque lhes transmito minha convivência
é que posso amá-las e senti-las com a perspectiva
da minha emoção.
Oh, felizes são aqueles que encontram os objetos amados
nos seus lugares, ao seu redor,
e possuem o Dom de transubstanciar-se em seu próprio mundo
cercado por uma imensa família
mesmo em solidão.

Seres de nosso mundo
os jarros, os quadros, os livros, as cortinas,
a janela, a cama, a mesa,
são velhos companheiros - formas estáticas de pensamentos-
são velhos confidentes, testemunhas silenciosas
de nossos conflitos,
estátuas de mil figuras e personagens
representando-nos em mil instantes diversos...

Cada um, é um momento múltiplo, onde se agrupam tantas idéias
tantas conjeturas e solilóquios,
fazem parte de nossa vida e se encontram nela, vivos
como a cena no personagem.

Depois, de "a Outra Face" este monólogo lírico que intitulei:

Meu Mundo

Toda tarde digo para mim mesmo:
afinal, eis o meu mundo.

O mesmo beijo, o mesmo quarto claro, com seu assoalho brilhando
refletindo o meu passo;
as mesmas paredes brancas me envolvendo com afáveis gestos de paz;
o mesmo rádio silencioso, entre livros empilhados, a mesma estante fechada
que a um gesto meu descobre tesouros como velha mala de pirata.

Afinal, eis o meu mundo.
A mesma insubstituível companhia, a mesma presença até quando longe dos olhos,
a mesma voz perguntando, a mesma voz respondendo,
o mesmo odor suave da janta, do tempero cozinhando,
a mesma impressão de quem chega de ombros nus e veste ajudado
um macio agasalho.

Afinal, eis o meu mundo.
Como o pescador solitário, diante do primeiro ramo:
- afinal, eis a terra!

E por isso é que acho que defini a felicidade naqueles dois versos de um poemeto de "A Sós":

Gostaria de poder de repente te dizer:
- vamos voltar pra casa!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

quarta-feira, 28 de março de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Universo à Vista)


Estamos nos limites de uma época - momento grave da entrega do bastão, na maratona da História

Fim de etapa, começo de outra. Dialeticamente chegamos a uma nova síntese. O homem se encontra, não apenas em face de um mundo novo, mas de “novos mundos”, tal como a civilização medieval na era dos grandes descobrimentos marítimos. Não foi sem razão, portanto, que chamaram os astronautas da Apolo-8 de “Colombos do espaço”. Do mesmo modo que os Colombos, os Magalhães, dilataram o mundinho mediterrâneo, o fechado “maré nostrum” romano, e deram ao Atlas terrestre suas proporções atuais, os recentes feitos da Astronáutica subverteram as dimensões da nossa acanhada geografia.

-Universo à vista!

O Gênesis tem que ser reescrito. “No princípio Deus criou os céus...” e as terras. Muitas terras gravitando em imensos vazios, mas com certeza habitadas por outros seres, parecidos ou não com os Adões e Evas do perdido Éden.

Subitamente somos passado e futuro. Decolamos de nós mesmos, do que “éramos”, como um foguete rompendo a área gravitacional da Terra, e investindo o desconhecido. Olhamo-nos no espelho, e não nos reconhecemos em corpo e alma. Nossas idéias terão que ser reestruturadas em função deste deslocamento físico, das alterações de nossa visão cultural; da imprevista realidade descortinada; do homem inédito em que nos sentimos. Saímos da casca, como o pinto, e devemos encarar tal fato como uma projeção natural do nosso eu ante as espantosas conquistas da ciência moderna.

Todos nós crescemos, e vivemos, sabendo que a Terra é redonda, que gira em torno de si mesma, e entorno do Sol. Está nos compêndios que compulsamos desde o curso primário, no globo terrestre que a professora tinha em cima da mesa. Mas, no fundo, todos nós esperávamos pela “prova real” dessa velha lição. Como S. Tomé: “Ver para crer”. Já ouvi um garoto perguntar ao pai, como é que o japonês podia andar de cabeça para baixo, do outro lado do mundo? E da ingênua conjetura de um companheiro: por que um avião “parado” no ar, não fazia a volta à Terra em 24 horas, se ela completa seu giro nesse tempo?

As explicações da lei de Newton nos deixavam incrédulos, a pensar neste estranho mundo redondo, a rodar nos céus, com todas as coisas presas no chão, sem que as imensas massas líquidas dos oceanos não se soltassem, e com elas, algas, peixes, baleias, tubarões, a voarem como pássaros!

Os garotos de agora não terão motivos de dúvida. Viram, como eu vi, na televisão, os filmes tirados por Borman, Lovel e Anders, quando a mais de 400 mil quilômetros de nosso planeta, circunavegavam a Lua (Três meses depois de escrita esta crônica, a 20 de julho de 1969, Armstrong, Aldrin e Collina, os três astronautas norte-americanos chegaram a lua, tendo os dois primeiros descido na superfície lunar). E todos compreendemos, então, que o homem deixou de ser um simples habitante terreno. Seu “espaço” ampliou-se. Até agora, víamos tudo, do chão, colados, como as serpentes. De repente, ultrapassamos as próprias aves - somos aves de infinito vôo, - e é como se descobríssemos a Terra - habitantes de outro planeta - livres das milenares raízes que nos agarram ao solo. Einstein se imaginou numa estrela, Arturus, para, livre da lei da gravidade, descobrir a sua “teoria da relatividade”.

Borman e seus companheiros se encontram realmente na situação imaginada pelo gênio de Einstein, e devem ter descoberto uma teoria mais simples: a da humanidade. Paradoxalmente foi preciso que se afastassem da Terra para se “humanizarem”, no sentido de compreenderem ao mesmo tempo a insignificância e a grandeza do homem. O Universo, apenas palavra, poesia - tem agora um sentido tão próximo, palpável, como praia, mulher, edifício, sorvete.

Lovel declarou, vendo a Terra à distância, como uma bola iluminada, que, naquele momento, duvidou que ela pudesse ser habitada.

Assistindo o filme, e a nos repetirmos a cada instante: inacreditável! - também perguntamos: será que há seres naquela “lua grande”? E Lovel concluiu:

“O mundo pareceu-me então, realmente um mundo só”.

Positivamente, como se falar em guerras por palmos (palmos, mesmo) de terra, diante dessa imagem extraordinária? Eu, por mim, não pude conter a irritação, quando, logo após o locutor se referia à disputa entre árabes e judeus, por nesgas de deserto, de areal, na península do Sinai. Tudo me pareceu de proporções liliputianas! Que tacanha a mentalidade de nossos estadistas! Se eu fosse Borman, a primeira coisa que teria proposto ao meu governo ao sair da cápsula, na volta seria:

“Que seja criado um governo Universal!”

Não somos mais que um átomo a girar nos espaços. É estúpido que permaneçamos a usar um sistema métrico mental ultrapassado; que insistamos em nos autodestruir e a nos entre devorar.

Tal apelo, hoje, não saberia mais a utopia. Se Borman o fizesse, teria completado a sua oração, ao ler, no Cosmo, um capítulo do Gênesis. Sim, o Gênesis terá que ser reescrito. Esta é a hora de revisarmos valores, idéias, e até palavras. Fronteiras, pátrias, religiões, formas arcaicas de uma civilização para trás, devem e terão que ser necessariamente reconceituadas. As ONUS, OEAS, UNESCOS, meras siglas sem significado real, não funcionarão enquanto o nosso mundo subdividido continuar sujeito à espoliação dos fracos pelos fortes, às competições desleais entre ricos e nobres, com uma infra-estrutura anterior à era da energia atômica, da astronáutica, dos transplantes, da eletrônica.

Há um mundo novo pela frente. Um mundo que deverá se organizar à base das necessidades fundamentais do homem, físicas e culturais, despojando as sociedades de inúteis e anacrônicos aparatos bélicos. As fardas, para os museus.

As fronteiras não estão mais na terra. As pátrias têm novo sentido. As religiões serão reinventadas, para que permaneçam arrimo e esperança. A Bíblia, velha colcha de retalhos, remendada pelos hebreus, será relegada à sua condição de mitologia lendária do Oriente.

A Igreja não considera mais a Terra o “centro do Universo”, renegou Ptolomeu, admite outros mundos habitados. Concordou afinal com Galileu, e quem sabe? -com Renan. Re-estudar a natureza mística de Cristo não será mais heresia. De quantos Cristos precisaria Deus para redimir incontáveis “humanidades”?

As fronteiras são rabiscos de giz, num quadro-negro, que as gerações apagam com facilidade espantosa. O nacionalismo, já o definia Goethe, como “sarampo dos povos”, doença primária, e passageira. As pátrias, armadas, mais que amadas, caducaram. Absurdo que se justifiquem genocídios brutais, à base de conceitos artificialmente alimentados ao som de bandas de música e de discursos políticos. O homem é um só. O Universo, o seu mundo. E é diante desta visão, desta realidade nova, que deveremos reconstruir-nos para conquistar os caminhos que Deus projetou à nossa frente. À maneira dos velhos marinheiros, do alto dos mastros das caravelas, agora podemos gritar:

- Universo à vista!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

J. G. de Araujo Jorge (Uma Estrela Para Você)


É hora da gente pensar como no poema: “Um dia...”

Um dia... E para nós há sempre um dia
que tudo modifica de repente,
dando outro rumo, inesperadamente,
ao caminho que a gente percorria...

E então, a hora inesperada de alegria
se transforma em tristeza, rudemente,
ou a dor se desfaz, e a alma sente
imprevisto prazer que não sentia.

Ouço falar assim desde menino
e me deixo ficar, sempre esperando,
por esse estranho dia do destino...

E às vezes, esta espera me intimida,
porque não sei o que trará, nem quando
chegará esse dia à minha vida...


Não me lembro. Mas talvez tenha escrito este soneto num fim, ou num começo de ano, quando inexplicavelmente nos deixamos ficar com a alma em suspenso, como se alguma coisa tivesse, ou estivesse para acontecer. Fim de ano é época propícia às velhas superstições. Todos nós, mesmo os mais céticos, os mais materialistas, percebemos que nosso pretensioso racionalismo se turva, que resíduos místicos vêm à tona agitados sabe-se lá por que misteriosos elementos.

Afinal, a Terra completou mais uma volta em torno do Sol, tal qual fazia nos tempos dos faraós egípcios, e dos “patesis” sumérios. O que não impediu que muitos povos, através da história, comemorem o ano solar de formas diversas, como os gregos, os russos, os mulçumanos, os judeus. Mas todos nós, povos cristãos, o festejamos da mesma maneira e na mesma ocasião, desde a reforma gregoriana.

E então, a 31 de dezembro, à meia-noite, atordoados pelo rumor da alegria nos salões e nas ruas, por entre contos fetichistas e marchinhas carnavalescas, ressurgem em nós crenças e temores que julgávamos desaparecidos. Já não discutimos a força dos signos, nem as previsões dos horóscopos.

De súbito, acreditamos no Destino e na Felicidade, que ganham a força de entidades, de uma efêmera religião que nasce e morre ao espocar das garrafas de champanha, ou enquanto se derretem as velas de cera dos rituais pagãos a Iemanjá, à beira do mar.

Há um transe coletivo, em que todos se engolfam, nas festas de passagem de ano.

Vagamente se acredita que alguma coisa está terminando, e que algo de novo se inicia, e com esse algo de novo, novas oportunidades, novas possibilidades diante da vida. Você já experimentou se analisar naquelas horas, naqueles momentos, em que se comemora o Ano Novo?

Subitamente o Destino está presente, como um deus. É o Deus-Destino ao qual festejamos, diante de quem comparecemos, como as almas dos mortos egípcios, no tribunal de Osíris. E se não nos confessamos, e se não estamos em penitência pelos nossos erros e pecados, esperamos que ele nos absolva de tudo, e que nos dê aquela felicidade que ainda não conseguimos conquistar.

Exaltei-o nas quadrinhas:

Deus poderoso, maneja
nosso mundo pequenino...
Quem, por mais forte que seja,
tem mais força que o Destino?

Que somos nós? Indefesos
pobres bonecos, sem pés...
O Destino nos tem presos
aos seus estranhos cordéis...


E isto porque, todos nós, a cada nova manhã

Saímos, pelos caminhos
quais D. Quixotes, bisonhos,
lutando contra os moinhos
de vento, dos nossos sonhos!


A verdade é que, ao fim de cada ano, a cada ano novo, não podemos fugir às sugestões que a oportunidade suscita. Há um fato astronômico ? trezentos e sessenta e cinco dias, cinco horas, quarenta e nove minutos e doze segundos ? o tempo necessário para o nosso velho planeta completar a sua volta em torno do Sol, mas criamos com isso todo um mundo complexo de implicações emotivas e imaginosas, e então, sentimos, como se realmente nós também começássemos uma “volta” nova em nossas vidas. Mas, em torno de quê?

O fato é que realimentamos o coração de desejos. Que poderoso manancial de sonhos e esperanças há nesta simples expressão: Ano Novo! E todos nós nos desejamos, ardentemente, com estranha convicção: um feliz Ano Novo! Levantamos no tempo (o que é o tempo?) uma barreira quase material: o que passou, passou! Sim, há um ano novo, e poderá haver também uma vida nova. Estamos, na realidade, desejando: Feliz Vida Nova para Você!

E nessa hora de festa, é como se todos se sentissem obrigados a ser felizes. Como se temessem a tristeza como uma doença, ou como se receassem aparecer diante dos seus deuses com as máscaras de suas dores e de seus desenganos. As claridades que estão no céu não são apenas as de um novo dia, mas as de uma felicidade entressonhada, nunca tarde demais para chegar.

Estranho. Nessas ocasiões me acovardo. As festas coletivas me intimidam. Receio não ter forças nem condições para sintonizar com as grandes felicidades.

Naquele exato momento, entre o ano que finda e o que nasce, quando uma onda de alegria contagia a todos, quase que indistintamente, fico à margem, numa invisível praia solitária, como um náufrago. À toa, sem saber que fazer da vida. Uma das horas mais pungentes para mim, inexplicavelmente, é sempre aquela em que os ponteiros se casam na meia-noite do dia 31 de dezembro de cada ano. Enquanto sobem foguetes, espocam garrafas de champanha, tinem taças, ouvem-se cantos, bocas se beijam, abraços se estreitam, não consigo evitar meu invencível e súbito estado de levitação interior, entre atordoado a atônito.

Tal como no carnaval, ou no Natal, o último dia do ano me apanha sempre desprevenido. O encontro com essa felicidade barulhenta, exibicionista, que estoura como um petardo, me paralisa. Caio em mim, e sinto-me de repente, fundo, distante de todos, incapaz de segui-los, de entrar em seus “ranchos” e “blocos”. Como já escrevi, certa vez: Me sinto cada vez mais no “bloco do eu sozinho”. Desculpem-me esta cinza com que escrevo. Alguma coisa ainda se queima, e o vento trouxe. Resta o consolo de que alguma coisa ainda há para queimar, para arder. Podia ser pior.

Francamente, sou um homem incapaz de “entrar no Ano Novo”. Não sei que gostaria de fazer, quem gostaria de encontrar. Talvez porque não consiga mesmo distinguir essa “última noite” do ano de todas as outras noites. Não gosto das datas vermelhas dos calendários. Gosto dos feriados que a vida, avaramente, cada vez mais avaramente, decreta para mim. Meu Ano Novo começa qualquer dia e qualquer hora.

Me lembro, por exemplo, de que esse último dia do ano, enquanto a festa atordoante se diluía na noite, e pulsava em todos os segundo, eu me sentia um homem banal, perdido, sem contatos com a Terra. Receio muito que esteja me tornando, cada vez mais, um homem difícil, nesses tempos difíceis.

Mas, de coração, desejo felicidades para todos vocês.

Afinal o Ano Novo é um estado de espírito. Que o tenham, festejando como um Natal - algo novo que nasce, que brilha como uma estrela.

Sim, desejo a todos vocês uma estrela brilhante, neste Ano Novo que se inicia!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Uma Casa na Lembrança)


Com a mecanização avassalante da vida moderna, muitas vezes me pergunto qual será a imagem do lar do futuro?

A dona-de-casa trabalha fora, absorvida por mil e uma preocupações estranhas ao seu tradicional mundo doméstico; desaparecem as empregadas; os apartamentos se resumem a cubículos, com peças únicas, escamoteáveis, armários embutidos, sofás e poltronas-camas, quitinetes; aparelhos elétricos capazes de improvisar papas liquidificadas à guisa de refeições. Os filhos amontoam-se em camas-beliches, em espaços exíguos de camarotes de navio.

Amanhã, numa sociedade-síntese, em que se unirão as conquistas do conforto capitalista ao sistema de vida socialista, como sobreviverão o homem, a mulher e os filhos?

Francamente, não sei se serão agradáveis as casas dos nossos tetranetos. E quando digo casa, na me refiro apenas ao espaço onde nos recolhemos depois da luta de cada dia, mais justamente aos elementos humanos que a compõem e que, somados, transforma a casa em lar.

Confesso que não gosto de imaginar essa casa solitária, despojada de tantos valores tradicionais, espécie de robô habitado, onde as coisas acontecem sumariamente, a simples toques mágicos, sem a presença necessária e o calor da convivência humana.

Lembro-me de como me senti, certa vez, num pós-operatório, imobilizado num leito de hospital, ligado por tubos que me alimentavam e satisfaziam necessidades, numa cama que se mexia por mim.

Temo que a casa do futuro desumanize o homem. Tire-lhe uns restos de paisagem que ainda resistem como decoração. A intromissão da máquina em nossa vida particular vai reduzindo ao mínimo as perspectivas desse poético mundo prosaico que é o mundo de nossas casas, tão rico de belezas singelas em seu aconchego e em sua tranqüilidade.

A casa do futuro talvez acabe tornando o homem mais solitário que o faroleiro, montado numa penha perdida, em mar alto.

E como será esse homem que prescinde de seus semelhantes, que vive cercado de instrumentos, alimentando-se de pastilhas, procriando por inseminação artificial, em companhia de seres que estarão mais longe de seu espírito que os planetas de seu universo?

Não acredito que a dona-de-casa feliz seja a dona-de-casa sem casa, sem empregadas, para quem os afazeres naturais que constituem a sua vida e a sua alegria se transformem em gestos mecânicos, em atos frios e automáticos.

Eu, por mim, gosto das casas grandes, antigas, impregnadas de histórias, de tradições. Numa delas deixei minha infância, minha adolescência. E quando falo de casas antigas, lembro-me da casa de meu avô, o casarão dos Tinoco, na Rua da Piedade, em Bota-fogo. Está num poema:

“Me lembro da minha rua
velha rua da Piedade
Mudou pra Clarice Índio
Clarisse Índio do Brasil;
o nome de alguma dama
muito importante, quem sabe?
Muito importante, quem viu?”

(A Outra Face).

Bem que o guardo na memória, abrindo suas janelas altas, com grades de ferro, para a rua; o jardim lateral, a grande amendoeira, as acácias; e ao fundo, como uma vaga reminiscência das senzalas, as casas das empregadas. E me ocorrem visões de nossa velha aristocracia patriarcal.

Os romances de Manuel de Macedo e de Alencar fixaram para sempre os aspectos e a paisagem dessa sociedade de fins do século passado. Casas com telhados coloniais; janelas com gelosias românticas; amplas varandas com cadeiras de balanço, com redes preguiçosas, arrastando franjados no assoalho; quintais com uma infinita variedade de árvores, cada vez mais raras: abieiros, caramboleiras, sapotizeiros; salas-de-visitas com lustres e candelabros como jóias cintilantes, espelhos bisotês, estofados rococós; uma quantidade de quadros, salas, corredores, onde os filhos dos senhores brancos andavam de cambulhada com toda uma gama de mulatinhos vivos, filhos das escravas, das mucamas, às vezes com o senhor branco, cuja elástica moral era a do “faça o que eu digo e não o que eu faço...”

O casarão do meu avô Tinoco era, evidentemente, mais recente, mas recendia a sociedade patriarcal, quase ao tempo dos “sinhôs” e das “sinhás”, quando os maridos tratavam respeitosamente as esposas por Vossa Mercê... Lá estava, junto ao quarto de dormir, o oratório dedicado a Nossa Senhora da Conceição, com a candeia de azeite sempre acesa, as jarras com flores, a palha benta.

E a copa e a cozinha, enormes, fervilhantes de empregadas e tias (nesse tempo eu tinha 16!) nos dias de festas, onde pontificava a Maria Cozinheira e seus quitutes! Minha infância está presa à memória pelo paladar. Falar nela é ficar com água na boca, e lembrar-me da hora do lanche, quando a grande mesa da sala-de-jantar (nosso reino encantado!) ficava rodeada por minha avó, tias, primos, primas e suas amigas. Lá estavam os biscoitos de polvilho, os rocamboles, os pãezinhos de minuto, de bolos, as tortas, por entre bules fumegantes de chocolate, café, chá, leite. E nos aniversários e festas vinham os quindins, canudinhos de coco, baba-de-moça, as ameixas recheadas, bolos de nozes, que sei eu?

Sim, ficou-me no coração a nostalgia das casas-grandes, povoadas pelo bulício e a algazarra de tantos parentes e amigos, numa época em que as próprias empregadas como que faziam parte da família também. Até hoje com a carapinha algodoada, ainda vive a Maria Cozinheira, mãe-preta de nossa infância, que recorda com os olhos marejados de lágrimas aquele tempo. E não me esqueci também da Juventina, da Conceição, da Adriana, e até das babás, moças e roliças, que me ajudaram em algumas primeiras “lições de coisas...” Não sei como serão as casas do futuro, cada vez mais apartamentos, ou “apertamentos”. Mas não trocaria, por nada deste mundo, algumas das casas da minha infância, intactas, de pé, nas ruas da memória e do coração.

As casas são como seres que nos envolvem, com suas paredes, nos abrigam e protegem; nos falam; partilham de tantos dos nossos momentos; nos amam e passam, e às vezes morrem, como entes queridos.

Assim ficou o velho casarão de meu avô Tinoco: não como uma casa comum, mas como a lembrança de um primeiro amor, ideal que nunca se esquece e que não morre nunca!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Um "Quadro " de Rimbaud)

Escrevi uma vez: um poema, um quadro, uma estátua, uma partitura, existem, têm vida própria, como um organismo, independente do artista que os criou.    Na realidade,  um poema tem sangue, nervos, coração, voz, alma, fala, comove, tal como ser, tal como o próprio homem. Daí um poeta chileno, Vicente Huidobro ter afirmado:

    “Um poema és um poema, tal como uma naranja és uma naranja y no uma manzana.”

A arte é o reverso da grande criação. Deus morre nos homens todos os dias. O artista se eterniza todos dias, em sua obra. O eterno criou o efêmero; o efêmero cria o eterno. Na realidade tudo é eterno e efêmero:  o artista, mortal, cria “seres” eternos; Deus eterno, cria seres  mortais.

Ocorreram-me estas idéias no dia em que me dispus a realizar as primeiras traduções. Preparava os originais da antologia que publicaria com o título de “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”.    

Lançaria o primeiro volume, só de sonetos brasileiros,  mas  queria  completar a obra,  com  um  volume de sonetos  estrangeiros.

Nossos leitores têm muito poucas oportunidades de conhecer a poesia de outros povos. Raros podem ler o francês, o inglês, ou mesmo o espanhol. Pedi, pois, a escritores, poetas, meus amigos, que me ajudassem. O que vinha encontrando, já realizado no passado,  pelos poetas românticos  e parnasianos,  era pouco, ou de difícil aceitação.  As traduções encontram-se  eivadas  de preciosismos, palavras mortas, expressões em completo desuso.                                                                  

Desde o momento, entretanto, em que comecei a receber a colaboração de meus amigos, senti-me na obrigação de participar também do livro, não apenas como seu idealizador, mas com alguns trabalhos. Tratava-se de uma experiência inteiramente  nova  para  mim,  mas,  que não se dissesse depois, que eu estava apenas explorando a produção alheia. E pus mãos a obra.                                     

Convenci-me, então, que traduzir é uma tarefa apaixonante. Não se trata de um simples  jogo  de  palavras.Em  sua  realização,  opera-se  uma  verdadeira “reencarnação” literária. Não trocamos apenas o corpo do poema  -suas palavras-,  de  um   idioma  para  outro,  mas  sopramos-lhes  um  novo   espírito,  o nosso, ao tentarmos captar a inspiração do original. E cada poema que sentimos, que se comunica conosco, que de alguma forma se identifica com a nossa sensibilidade, transforma-se num desafio, naquele justo momento em que nos dispomos a trocá- lo por um material diferente, para reconstruí-lo num idioma diverso.                     

Há no trabalho de recriação, todas as alegrias da verdadeira criação.                    

Surpreende-nos a emoção de suas revelações, quando  as vamos  descobrindo, assim como um arqueólogo em suas escavações, saboreando os detalhes do seu achado, um a um, a proporção que o vai vislumbrando.                                          

Foi  o  que  se deu, por   exemplo,  quando  me  dispus  a  escalar  as   alturas rimbausianas, atendendo a um concurso promovido pela página literária de um de nossos matutinos. Tratava-se de traduzir um soneto de Rimbaud; “Lê dormeur du Val”. E a escolha recaira intencionalmente, sobre uma das peças mais difíceis do grande  simbolista,  não  apenas  pela  sua   peculiar semântica poética, mas pela própria complexidade sintática de sua escola literária.                                          

Aceitei o desafio. Estava justamente com a “ mão na massa ”. Mandei a tradução, com um pseudônimo, e afinal para a minha surpresa, “entre mais de mil trabalhos lidos e selecionados”, como acentuou a Comissão julgadora, acabei saindo vencedor.

Eu trabalhava com cuidado. Para me manter, tanto quanto possível, fiel, não apenas à idéia central do soneto, mas à beleza das imagens, e a certos detalhes, indispensáveis à visão do conjunto e ao efeito final. E porque tentei reproduzir o ritmo dos versos, tive que sacrificar alguns elementos clássicos: adotei versos brancos (sem rimas, portanto), e não respeitei a cesura interna dos alexandrinos. No que diz respeito, aliás, a tonicidade, Rimbaud adotou liberdades que eram comuns entre os simbolistas.

Mas o soneto é uma pequena obra-prima. E Rimbaud, nele, não é apenas o poeta, mas  se desdobra  no  músico  e   no  pintor,  pela  sonoridade  de   alguns vocábulos, suas relações dentro dos versos, e pelo colorido do quadro esboçado.

Sim, trata-se de um pequeno quadro, descrito por um passeante, que avista a cena à distância, vai se aproximando encantado, e... o imprevisto final. O leitor o acompanha  despreocupado,  e  participa  da  emoção   do poeta  ante o desfecho surpreendente. Eis o “encontro” com                                                                       
LE DORMEUR DU VAL

C’est un trou de verdure, où chante une rivière
accrochant follement aux herbes des haillons
I’argent, oú le soleil, de la montangne fière
luit. C’est un petit val qui mousse de rayons.

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue
et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
dort; il est étendu dans l’herbe, sous la nue,
pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant comme
sourirait un enfant malade, il fait un somme.
Nature, berce-le chaudement: il a froid!

Les parfuns ne font pas frissonner sa narine;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine,
tranquile. Il a deux trous rouges au côté droit.
    E a tradução:
O ADORMECIDO DO VALE

É uma clareira verde, onde canta um riacho
prendendo alegremente às ervas seus farrapos
prateados; onde o sol da orgulhosa montanha
brilha. É um verdadeiro a espumar claridades.

Um jovem soldado, a boca aberta, e a cabeça
descoberta a molhar-se na erva fresca, azul,
dorme; está estirado ao chão, a céu aberto,
pálido no seu leito verde, à luz que chora.

Os pés nos lírios roxos, dorme. E sorri como
sorriria uma criança enferma, em sono leve.
Natureza. - aconchega-o bem: êle tem frio!

Os perfumes não mais lhe excitam as narinas;
Dorme ao sol; tem a mão abandonada ao peito.
Dois rubros orifícios sangram-lhe à direita.

Repito: uma tradução é uma estranha e singular “reencarnação” em palavras.

Ninguém discutirá, está claro, que o original é o original, a cópia a cópia, a tradução a tradução. Mas, na medida do possível, quando as figuras de linguagem, as  imagens,  são  reconhecíveis;  quando  as   palavras  comunicam,  e t êm correspondentes nos dicionários; quando suas combinações fixam símbolos e realidades subjetivas universais, sem projeções esotéricas ou hermetismos pessoais,  uma  tradução pode  ser   tentada, de poeta para poeta, com bons resultados. Mas, só entre poetas. Como no caso de uma “transfusão” de sangue, só possível com sangues do mesmo tipo.                                                                 

Então vale a pena tentar.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

domingo, 26 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Sonetos Imortais)

Todos os sonetos citados nesta crônica encontram-se em minha antologia “Os mais Belos Sonetos Que o Amor Inspirou”. Volume I - Poesia Brasileira.

Na história da literatura brasileira temos o fato curioso de três grandes poetas que se celebrizaram apenas com um livro: Augusto dos Anjos, com “Eu e Outras Poesias”, Raul de Leoni, com “Luz Mediterrânea”, e Moacir de Almeida, com “Gritos Bárbaros”. Eu acrescentaria um nome bem mais recente, cuja obra “Cânticos Bárbaros”, mereceu em 1934 o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras: trata-se de Mário cruz, que vive em Petrópolis, e é técnico do Museu Imperial.

Por acaso, são todos poetas de minha predileção, em que pese à diversidade de estilos e temperamentos, ou justamente por isso. Mas, do mesmo modo que há escritores de um único livro, ou que se consagraram por uma de suas obras, há, entre os poetas, os que se celebrizaram apenas por um poema, um soneto.

O exemplo clássico é o de Felix Arvers, autor de “Mês Heures Perdues”, e que teria mergulhado no mais completo anonimato não fora o seu famoso soneto inspirado por Marie Nodier. Só em língua portuguesa há cerca de 200 traduções conhecidas.

No Brasil há alguns casos mais ou menos semelhantes. Autores de sonetos célebres, ou que se celebrizaram por um soneto, mas com muitas outras produções de valor pelo menos idêntico ao do trabalho consagrado. São por demais citados Bilac com o seu “Ouvir Estrelas”; Raimundo Correia, com “As Pombas” e “Mal Secreto”, e Machado de Assis, com “Carolina”. Carlos Ribeiro, o mercador de livros, me referiu que, às vezes, entram porta adentro de sua livraria e lhe perguntam à queima-roupa:

– O senhor tem aí a “Carolina”, de Machado de Assis?
(hoje há outra “Carolina” concorrendo com a de Machado de Assis: a do Chico Buarque de Holanda, poeta moço, que ainda se dá ao luxo de música nos belos poemas que compõe).

Citemos outros: Raul de Leoni está nos álbuns, nos recitais, na memória do povo, cada vez mais, com aquele soneto que não incluiu em sua obra, e que é apresentado ora com o título de “Perfeição”, ora com o título de “Argila”. Eu prefiro “Perfeição”. Quem não será capaz de dize-lo?

Nascemos um para o outro, desta argila
de que são feitas as criaturas raras,
tens legendas pagãs nas carnes claras
e eu trago a alma dos faunos na pupila...”


Mário Pederneiras, poeta carioca, cantor de sua cidade, hoje quase esquecido, ficou com seu “Suave Caminho”, de um lirismo envolvente:

“Assim, ambos assim, no mesmo passo...”

E o final:

“Placidamente pela vida iremos
calçando mágoas, afastando espinhos,
como se a escarpa desta vida fosse
o mais suave de todos os caminhos...


Nilo Bruzzi, o biógrafo de Casimiro de Abreu e Júlio Salusse, romancista e poeta conquistou seu lugar com um único soneto: “Única”. Pelos primeiros versos vocês se lembrarão logo:

“No turbilhão da vida cotidiana
há sempre oculto um rosto de mulher...”


Há outro poeta que não deixou se quer livro publicado, cearense, falecido em 1941, cujas poesias ficaram esparsas por jornais e revistas de sua terra: o Padre Antônio Tomás. Seu soneto “Contraste” é uma página que traz a marca da perenidade. Canta o poeta: “Quando partimos, no vigor dos anos,/ da vida, pela estrada florescente,/ as esperanças vão conosco à frente/ e vão ficando atrás os desencantos...” Mais tarde, no entanto, conclui: “Nós enxergamos claramente/ quando a existência é rápida e fugaz,/ e vemos que sucede exatamente/ o contrário dos tempos de rapaz:/ os desenganos vão conosco à frente/ e as esperanças vão ficando atrás!”

Julio Salusse, “o último Petrarca brasileiro”, apaixonado pela sua Laura, filha do Conde de Nova Friburgo, criou a imagem do amor eterno com o soneto “Cisnes”. Ainda hoje figura em todos os cadernos de poesia:

“A vida, manso lago azul, algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós, constantemente,
um lago azul sem ondas nem espumas...”


Alceu Wamosy, gaúcho, que morreu pelejando, com apenas 28 anos, imortalizou-se com os quatorze versos de “Duas Almas”. Quem não os sabe de cor?

“Ó tu que vens de longe! Ó tu que vens cansada
entra, e sob o meu teto encontrarás carinho:
eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...”


Da mesma maneira, Da Costa e Silva, do outro extremo do Brasil, poeta piauiense, está na memória da gente, com o soneto “Saudade”, cujo terceto final ressoa como uma balada de sino:

“Saudade! O Paraíba, velho monge
as barbas brancas alongando... E ao longe
o mugido dos bois da minha terra...”


Quero encerrar, entretanto, esta crônica, com uma surpresa para vocês. Vou apresentar-lhes um soneto inteiramente desconhecido. Recebi-o de um amigo, num velho recorte sem data, já amarelecido, do “Correio da Manhã”, e certamente o incluirei na 3ª edição de minha antologia “Os Mais Belos Sonetos que o Amor inspirou”. O nome do poeta? Otávio Rocha. Não o conheço; nunca encontrei seu nome em qualquer citação. Mas arrisco-me a vaticinar-lhe a celebridade à proporção que se der a divulgação do soneto. Ei-lo na íntegra:

ROMANCE

“Venha me ver sem falta... Estou velhinha.
Iremos recordas nosso passado;
a sua mão quero apertar na minha
quero sonhar ternuras ao seu lado...”

Respondi, pressuroso, numa linha:
“? Perdoe-me não ir... ando ocupado.
Ameia-a tanto quanto foi mocinha
e de tal modo também fui amado.

Passou a mocidade num relance...
Hoje estou velho, velha está... Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços.


Não quero ver morrer nosso romance...
- Prefiro tê-la, jovem no meu sonho,
do que, velha, apertá-la, nos meus braços!


Aí está, o mais velho e o mais belo dos temas, renovado sempre na poesia e no sonho de um poeta.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Retrato da Infância)


Felicidade é a gente poder olhar para trás e encontrar esse vago mundo em “sol menor” que se chama infância. Adivinhação da vida. Bem sei que, com muita gente, acontece essa coisa estranha: torna-se adulto sem ter sido criança. Ou, o que é pior: ter sido criança sem ter tido infância.

A infância, para mim, não é apenas e simplesmente uma idade, mas justamente aquele mundo de pequeninas coisas que tornam inconfundível na lembrança um tempo de alegria, um tempo em que conhecemos a felicidade sem ao menos nos apercebermos dela.

Uma vez escrevi:

“Infância mesmo
a gente só pode ter
depois de crescer.
Porque antes
a gente não sabe.”


Não é uma pena que a gente só descubra a infância depois que ela passou? Que ela seja como um sonho de que só temos consciência quando acordamos, já adultos? Ah, se pudéssemos retornar o sonho, tão próximo e tão distante, interrompido pela vida, para revive-lo plenamente, com a consciência, com os sentidos despertos.

Ocorrem-me agora aqueles versos:

“Mamãe - palavra azul, cor da distancia,
quem não pode algum dia pronunciá-la,/
nasceu, cresceu... mas nunca teve infância...”


Mas não quero referir-me somente aos que não conheceram seus pais, os que nasceram órfãos, os que nunca souberam o que significa um lar, mas aos que não tiveram a oportunidade de experimentar tantas e infinitas alegrias colhidas com liberdade e amor.

Os que nunca souberam pronunciar a palavra infância com todas as suas letras; não tiveram companheiros de aventuras; não sabem o sentido de coisas simples e inesquecíveis como bolas de gude, piões, papagaios, balões... Sou um homem feliz porque tive infância. E quantas vezes tenho fugido para ela, tentando reabastecer o coração de esperanças e ilusões. Sim: posso encontra-la viva, intensa, apenas volto o rosto, em cada curva da lembrança.

Por isso tenho escrito sobre suas recordações e sobre a sua eterna presença. Releio outro poema, ainda inédito:

“Ah, a infância, esse país de lenda
sem a ameaça da morte.”


Me lembro da minha infância: trago-a intacta dentro de mim, posso quase toca-la com as mãos. Nela fui rei e moleque. Ficaram em meu corpo suas marcas e cicatrizes e me orgulho delas como um combatente de suas medalhas. Cada uma tem uma história, encerra uma aventura. Vivi todos os seus riscos, junto aos companheiros. Ainda ouço a voz de minha mãe me repreendendo, quando voltava para casa:

- Já não disse que não quero você com aqueles moleques?

E quantas vezes ouvi também outras mães chamando por seus filhos e repreendendo-os com as mesmas palavras.

Me lembro de minha infância. Esbocei dela dois pequenos retratos no livro. A Outra Face. Um, com oito a dez anos, em Rio Branco no Acre, garoto solto, de beira-rio (sem o lirismo casiminiano), tomando banho nos igarapés, tirando alfenim na engenhoca, comendo cacau maduro na floresta; outro dos 11 aos 15 anos, aqui no Rio, em Botafogo, metido em “peladas”, e pescarias nas pedras atrás do morro da Viúva.

Fui rico de infância: tive uma, no interior, livre, em contato com a natureza, aprendendo com os bichos e as coisas; outra, na cidade grande, já sabido apavorando as tias, desencaminhando os primos; capitão de moleques.

O velho rio é a moldura da primeira, sublinha a sua paisagem. Pergunto por ele num poema ainda por publicar:

“Onde estás, rio Acre, de Rio Branco,
rio vermelho que o tempo azulou,
que corres para a distancia
e que foges de mim?
Rio Acre da minha infância
que sempre vais
de onde eu vim...”


No livro Amo! há outras reminiscências, em tantas perguntas:

“Onde estão aqueles olhos cheios de desejos puros
e que mesmo rebeldes
olhavam para os céus?
E aquela alma inquieta, como os caminhos
nos campos, os varadouros
e os igarapés alegres da floresta?
E aqueles lábios que não conheciam o sabor dos beijos
mas mordiam os bagos branquinhos e doces de ingá
e a polpa suculenta dos cajus?
Onde está o meu primeiro amor
a menina de cabelos negros
e de olhos da cor do rio
que nunca será esquecida?”


E a resposta inexorável:

“O tempo ladrão roubou/ de parceria com a vida...”

Me lembro de tudo. E quero fixar nesta página os traços do retrato mais distante, que ficou no Acre. Primeiro, a paisagem: a casa grande, coberta de zinco, com um l argo alpendre aberto para as mangueiras, cercada pelo milharal. E meu pai:

O “velho” pigarreando
de chinela, de pijama,
despacha papéis na sala.
O anspeçada no alpendre
o milharal com penachos,
as saúvas carregando
como fardos, grãos de milho;
arma o tempo, baixa o tempo,
barrica cheia entornando
cantando embaixo da calha.
Que bom o banho na chuva!


Depois a visão do engenho:

Tempo bom! Engenho rude
boi rodando, boi rodando,
- que pena no olhar do boi!
Moenda geme sozinha,
garapa sempre escorrendo,
tachada de mel virando
rapadura se fazendo,
cana raspada prontinha
alfenim branquinho, puro
que nem o sonho de Eudóxia.


Ao mesmo tempo, as recordações do grupo Escolar 7 de Setembro, primeira escola, curso primário da vida:

Festa no Grupo Escolar:
eu, apache, ela, duquesa,
pulseirinha feito cobra
que o preso fez na cadeia,
tem meu nome, o nome dela,
- primeira algema de amor.


E a vida livre:

Saguaçu voa na mata
baladeira estica, estica,
pedra parte, não vem mais.”


Lição de coisas:

“O touro
e a vaca pastam no campo;
o cavalo e a égua cruzam
nos terrenos da Intendência
à vista de D.Zefa
e do padre Bernardeli.
A molecada faz roda
seu padre faz que não vê.”


E a festa na vila, a “chata”que apitava lá em baixo, na curva do rio, junto da cadeia, anunciando a civilização.

“Sino tocando, tocando,
foguete no ar estalando
vestido novo, de seda,
chata trouxe de Manaus;
cara pintada, cabelo
com fita grande, parece
que borboleta pousou
na cabeça da Nininha.”

Roupa branca, meia branca,
camisa branca, sapato
branco, tudo branco,
parece até comunhão
mas não é, é festa só.

Meu Deus, quanta coisa, quanta
coisa mesmo se passou.
Será que isto tudo é meu
ou foi alguém que contou?


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969