sábado, 8 de fevereiro de 2014

A Saudade em Versos Diversos I


ALESSANDRA NEVES
Pra um dia ela voltar

E é sempre assim,
Quando você acha que a saudade se vai
Quando você acha que o vazio se acaba
Quando você acha que tudo passou
A saudade surge!
Aparece!
E você esta ali impotente...
Ela machuca e faz doer
E você nada pode fazer
Talvez chorar
Possa aliviar o peito
Mas nunca curar a alma...
Talvez sorrir, e
Se fizer de conta que não a vê
Talvez ela se vá!
Que nada!
E permanece o tempo que ELA quiser
E você não tem escolha
Fica remoendo os bons momentos
A alegria
Ou até mesmo apenas a falta da presença sentida
E uma hora,
O tempo, que não cura nada,
Faz com que você se acostume com a dor...
Faz com que você se acostume
Com a falta da presença
Faz com que você se acostume...
Pra um dia ela voltar.
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BENEVIDES GARCIA
Minha Saudade

Minha saudade parece infinita;
Ela vem de séculos,
Caminha por muitos cantos,
E beija as almas nas lembranças doces.
Ela me conforta nos dias sombrios
Quando a solidão resolve me abraçar.
Está sempre indo e vindo:
Às vezes me dá de presente uma alegria
Mas, sempre me faz chorar...
Tem dias que passa o tempo comigo
Depois parte em busca de novos corações.
E assim tudo se renova
Até chegar o dia,
Até chegar o dia…
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FLORBELA ESPANCA
Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
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PATATIVA DO ASSARÉ

Há dor que mata a pessoa
Sem dó nem piedade.
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.
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 SONIA NOGUEIRA
Saudade

Quando a saudade bate a porta
O sonho corre longe ao meu sertão
Lembranças da criança em compota
Adoça devagar meu coração

Revejo o gado solta na pastagem
O rio nas enchentes percorrendo
A terra encharcando, só aragem
A lua poderosa pernoitando

Relembro a serenata na calçada
Menina ainda, a tia se afoitando
Chegava tímida na janela disfarçada
O violão nas cordas amor cantando

A casa tão distante da cidade
A paz reinava firme sem barulho
De dia a rotina forte da enxada
Silêncio e solidão, no sonho o vulto

Trazia dois olhares que sonhavam
Promessas de amor em jura eterna
Sonho de menina que voaram
Sumiu na imensidão o sonho hiberna.
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SÍLVIA ARAÚJO MOTTA
Vida sem canção

Ah! Se eu pudesse ter os seus abraços
de madrugada, sem ninguém se opor;
parar a hora para atar os laços
sem ver a aurora, tempo que traz dor...

Ah! Se eu pudesse em pautas ter compassos,
prender o amor, manter o seu sabor,
fruto de outrora, doce entre os amassos
do ser amado, meu melhor cantor.

Ele se foi...Mudou a nossa meta;
levou também a imagem do prazer;
e na saudade marcas da traição;

Que faço agora? Trago a dor secreta;
triste, sozinha, não sei que fazer!
Minha alma chora a vida sem canção.

Fonte:
AISENMAN, Jacqueline. Revista Varal do Brasil. Varal da Saudade. ano 4. n. 23. maio/junho 2013.

Irmãos Grimm (Branca de Neve e a Rosa Vermelha)

Era uma vez uma pobre viúva que vivia numa cabana solitária. Na frente da cabana havia um jardim onde dois pés de roseiras cresciam orgulhosos, um dos quais dava rosas brancas e o outro produzia rosas vermelhas. Ela tinha duas filhas que eram parecidas com os dois pés de roseira, e uma delas se chamava Branca de Neve, e a outra Rosa Vermelha. Elas eram boas meninas e viviam felizes, eram ágeis e carinhosas como somente duas crianças no mundo poderiam ser, apenas Branca de Neve era mais tranquila e mais gentil do que Rosa Vermelha. Rosa Vermelha gostava mais de correr pelos campos e pradarias em busca de flores e caçando borboletas; mas Branca de Neve gostava de ficar em casa com sua mãe, e a ajudava nas tarefas domésticas, ou lia para ela quando não havia nada para fazer.

As duas meninas gostavam tanto uma da outra que quando elas andavam pelas ruas, elas sempre seguravam uma na mão da outra, e quando Branca de Neve dizia, "Jamais nos separaremos um dia," Rosa Vermelha respondia, "Jamais, enquanto vivermos," e a mãe delas completou, "O que uma tinha, fazia questão de dividir com a outra."

Muitas vezes, elas gostavam de correr pela floresta sozinhas para colher frutas vermelhas, e nenhum animal nunca fez mal algum a elas, mas gostavam de ficar perto delas, porque confiavam nelas. A pequenina lebre gostava de comer folhas de repolho na mão delas, o cabritinho gostava de ficar pulando perto delas, o veadinho saltitava alegremente nos arredores, e os passarinhos ficavam pousados nos galhos das árvores, e cantarolavam canções maravilhosas para elas.

Nunca, nenhum perigo as ameaçava; se elas ficavam muito tempo na floresta, e a noite chegava, elas se deitavam uma perto da outra sobre a relva, e dormiam até a manhã seguinte, e a mãe delas sabia disto e não ficava preocupada com isso.

Uma vez, quando elas tinham passado a noite na floresta e acordaram somente no alvorecer do dia, elas viram uma linda criancinha vestida numa roupinha branca e reluzente que estava sentada perto de onde elas haviam dormido. O bebê se levantou e ficou olhando tranquilamente para elas, mas não disse nada e seguiu andando pela floresta. E quando elas olharam ao redor elas descobriram que haviam dormido bem perto de um precipício, e certamente teriam caído dentro dele na escuridão se elas tivessem dado apenas alguns passinhos a mais. E a mãe delas disse que deve ter sido o anjo que protege todas as crianças boas.

Branca de Neve e Rosa Vermelha ajudavam sua mãe a manter a casa tão limpa que era um prazer olhar dentro dela. No verão, Rosa Vermelha tomou conta da casa, e todos os dias de manhã ela colocava uma coroa de flores na cabeceira da cama de sua mãe antes dela acordar, na qual havia uma rosa de cada roseira. Durante o inverno, Branca de neve acendia a lareira e pendurava uma chaleira. E a chaleira que era de cobre brilhava como ouro, e era polida até ficar reluzente.

Ao anoitecer, quando caíam os flocos de neve, a mamãe dizia, "Branca de Neve, não esqueça de trancar a porta," e então, elas sentavam ao redor da lareira, e a mamãe pegava os seus óculos e lia um livro em voz alta para elas, e as duas garotinhas ficavam ouvindo, sentadas, enquanto fiavam. E perto delas ficava um cordeiro sentado no chão, e atrás delas estava uma pombinha branca sentada no poleiro e tinha a cabeça escondida debaixo de suas asas.

Uma noite, quando elas estavam assim confortavelmente acomodadas, alguém bateu à porta, como se desejasse entrar. A mãe disse, "Rápido, Rosa Vermelha, abra a porta, deve ser algum viajante que está procurando abrigo." Rosa Vermelha foi e destrancou a porta, achando que fosse algum mendigo, mas não era; era um urso que enfiou a sua cabeça grande e negra para dentro da porta.

Rosa Vermelha gritou e deu um pulo para trás, o cordeirinho berrou, a pombinha se agitou, e a própria Branca de Neve se escondeu atrás da cama da sua mãe. Mas o urso começou a falar e disse, "Não tenham medo, Não vou fazer nenhum mal a vocês! Eu estou meio congelado, e só quero me aquecer um pouquinho ao lado de vocês."

"Pobre urso," disse a mãe, "venha aqui se aquecer perto do fogo, e não se preocupe porque você não vai se queimar." Então, ela exclamou, "Branca de Neve, Rosa Vermelha, saiam, o urso não vai fazer mal a vocês, ele só quer se aquecer um pouco." Então, as duas saíram correndo, e pouco a pouco o cordeirinho e a pombinha também se aproximaram, e não ficaram com medo do urso. Então, ele disse, "Ei, crianças, será que vocês poderiam tirar um pouco de neve dos meus pelos;" então, elas trouxeram uma vassoura e escovaram toda a pele do urso; e ele se esticou perto da lareira e rosnava contente e satisfeito. E pouco tempo depois eles já haviam feito amizade, e já faziam estrepolias com o desajeitado convidado. Elas puxavam os pelos dele com as mãos, colocavam os pés nas costas dele e ficavam rolando, ou elas pegavam o quebra-nozes e batiam na cabeça dele, e quando ele rosnava, elas gargalhavam. Mas o urso aceitava tudo com despreocupação, somente quando elas exageravam um pouco ele gritava, "Crianças, me deem um pouco de sossego. Branca de Neve, Rosa Vermelha, vocês teriam coragem de bater em quem as ama?”

Quando chegou a hora de dormir, e as crianças já tinham ido para a cama, a mãe disse para o urso, "Você pode ficar aí deitado ao lado da lareira, pois aí você ficará protegido do frio e do mau tempo." E assim que o dia amanheceu, as duas crianças o deixaram sair, e ele saiu trotando alegre pela neve rumo a floresta.

Desse dia em diante o urso vinha todas as noites na mesma hora, ficava esticado ao lado da lareira, e deixava que as crianças brincassem com ele até se cansarem; e elas ficaram tão acostumadas com ele que as portas jamais eram fechadas até que o amigo delas de pelagem preta houvesse chegado.

Quando a primavera tinha chegado e tudo lá fora estava coberto de verde, o urso falou numa manhã para Branca de Neve, "Agora eu preciso ir embora e não voltarei durante todo o verão." "Para onde você vai, então, querido urso?" perguntou Branca de Neve. "Eu preciso ir para a floresta e guardar os meus tesouros dos malvados duendes. No inverno, quando a terra fica congelada, eles são obrigados a ficar aqui embaixo e não podem trabalhar; mas agora, que o sol derreteu o gelo e aqueceu a terra, ele abrem buracos, e saem para bisbilhotar e roubar; e o que cai em suas mãos, e entra em suas cavernas, não consegue ver a luz do sol novamente."

Branca de Neve ficou muito triste porque o urso precisava ir, e quando ela foi abrir a porta para ele, e o urso saiu apressado, ele esbarrou na tranca e um pouco dos seus pelos foram arrancados, pareceu a Branca de Neve que ela tivesse visto um brilho dourado através dele, mas ela não teve certeza disso. O urso fugiu rapidamente, para logo desaparecer por trás das árvores.

Pouco tempo depois a mãe mandou que suas filhas fossem até a floresta para buscarem lenha para a lareira. Lá elas encontraram uma árvore muito grande que estava caída no chão, e perto do tronco alguma coisa estava pulando pra frente e pra trás na relva, mas elas não conseguiram identificar do que se tratava. Quando elas chegaram mais perto, elas viram um duende com um rostinho magro e envelhecido e uma barba branca como a neve e com quase cem metros de comprimento. A ponta da barba estava presa na fenda de uma árvore, e um amiguinho dele estava pulando para a frente e para trás como um cachorro que estivesse amarrado a uma corda, e não sabia o que fazer.

Ele ficou encantado com as meninas com seus olhos vermelhos como brasa e exclamou, "O que vocês estão fazendo paradas aí? Será que vocês não podem vir aqui para me ajudar?" "O que você está fazendo aí, anãozinho?" perguntou Rosa Vermelha. "Tola e curiosa menina!" respondeu o duende; "Eu estava tentando rachar a árvore para conseguir um pouco de madeira para cozinhar. Para o pouco que comemos precisamos apenas que alguns gravetos sejam queimados; nós não comemos tanto quanto vocês que são grandes e gulosos. Eu tinha acabado de enfiar um calço dentro da fenda, e tudo estava indo como eu queria; mas a danada da madeira era lisa demais e de repente pulou para fora da fenda, e a árvore se fechou tão rapidamente que não tive tempo de puxar a minha barba branca e delicada; então, agora eu estou preso e não consigo ir embora, e vocês ficam aí rindo, vocês são tolas, ingênuas e bobas! Ugh! Como eu odeio vocês, suas patachocas!"

As meninas fizeram muita força, mas elas não conseguiam tirar a barba que estava muito presa. "Eu vou correndo buscar ajuda," disse Rosa Vermelha. "Sua gansa desajeitada!" rosnou o duende; "porque você iria buscar ajuda? Duas já são demais para mim; será que vocês não conseguem pensar em algo melhor?" "Não fique nervoso," disse Branca de Neve, "Eu vou ajudar vocês," e ela tirou uma tesoura do bolso, e cortou a ponta da barba do duende.
E assim que o duende se viu livre, ele pegou uma sacola que estava encostada entre as raízes das árvores, e que estava cheia de ouro, a levantou, e resmungava consigo mesmo, "Criaturas estúpidas, cortaram um pedaço da minha bela barba. Desejo má sorte para vocês!" (o duende era muito mal humorado) e então, ele jogou a sacola nas costas, e saiu em disparada sem nem sequer olhar para as meninas.

Algum tempo depois Branca de Neve e Rosa Vermelha foram pescar alguns peixes. Assim que elas chegaram perto do riacho elas viram algo que parecia um grande gafanhoto pulando em cima da água, e parecia que ele queria mergulhar. Elas correram em direção a ele e descobriram que era o duende. "O que você está fazendo?" disse Rosa Vermelha; "É claro que você não quer entrar na água?" "Eu não sou tão tolo assim!" exclamou o duende; "vocês não estão vendo que aquele peixe covarde está querendo me empurrar para dentro?" O anãozinho estava pescando ali, e por azar o vento tinha enroscado a sua barba na linha de pescar; bem nesse instante um peixe grande mordeu a isca, e como a criatura era fraca, ele não teve força para puxá-lo; o peixe foi mais esperto que ele e tentou puxar o duende. Ele se segurou em todos os juncos e caniços que pode, mas de nada adiantou, ele foi obrigado a acompanhar os movimentos do peixe, e por pouco não foi arrastado para dentro da água.

As meninas haviam chegado bem na hora; elas seguraram-no bem firme e tentaram soltar a sua barba da linha, mas nada deu certo, a barba e a linha ficaram mais enroscadas ainda. Não houve outro jeito senão trazer a tesoura e cortar a barba, e uma parte dela ficou faltando. Quando o duende viu o que ela fez, ele gritou, "Está certo isso, sua desajeitada, desfigurar o rosto de uma pessoa? Não foi o bastante cortar a ponta da minha barba? Agora você jogou fora a melhor parte dela. Agora não vou mais poder deixar que me vejam assim. Eu gostaria de saber se você poderia correr caso lhe faltasse a sola dos seus sapatos!" Então, ele pegou um saco de pérolas que estava no meio dos juncos, e sem dizer nem mais uma palavra, levou-o para longe e desapareceu atrás de uma pedra.

E aconteceu que pouco depois a mãe mandou que as duas crianças fossem à cidade para comprar agulhas e linhas, e também laços e fitas. A estrada tinha um cruzamento que levava até um brejo onde havia, por toda parte, grandes blocos. Então, elas perceberam que uma grande ave pairava no alto, e voando mais devagar um pouco acima delas; ela veio descendo devagar, e finalmente pousou perto de uma rocha não muito distante. Em seguida elas ouviram um grito alto e penetrante. Correram para o local e viram, com horror, que a águia havia capturado o velho amigo delas, o duende, e já estava se preparando para ir embora.

As meninas, ficaram com pena, e imediatamente seguraram o anãozinho, e lutaram com a águia durante tanto tempo, que finalmente ela soltou a sua presa. Assim que o duende se recuperou do seu primeiro susto gritou com sua voz estridente, "Você não poderia ter feito isso com mais cuidado! Você agarrou no meu casaco marrom com tanta força que ele está todo rasgado e cheio de buracos, suas criaturas inúteis e desajeitadas!" Então, ele pegou um saco cheio de pedras preciosas, e saiu correndo novamente debaixo das pedras e entrou no buraco onde ele morava. As meninas, que já estavam habituadas com a ingratidão do duende, continuaram a caminhar e foram comprar o que sua mãe lhes havia pedido.

Quando elas foram atravessar o brejo novamente ao retornarem para casa elas deram de cara com o duende, que tinha esvaziado a sua sacola de pedras preciosas em um lugar vazio e limpo, nem tinha imaginado que alguém poderia vir até ali tão tarde. Os últimos raio de sol refletiam sobre as pedras; elas brilhavam tanto e espalhavam seus reflexos por todos os lados e tudo era tão encantador que as meninas ficaram paradas e olhava para elas. "O que vocês estão fazendo aí de boca aberta, suas molengas?" exclamou o anão, e o seu rosto que era cinzento começou a avermelhar de tanta raiva. Ele ia começar a falar alguns palavrões, quando, de repente, elas ouviram um grunhido estrondoso, e o urso negro estava saindo da floresta e veio trotando em direção a eles.

O anão deu um pulo de tão assustado que ficou, mas ele não conseguiu entrar na sua caverna, porque o urso já estava bem perto. Então, tremendo que nem vara verde ele gritou, "Querido Senhor Urso, me poupe, eu lhe darei todos os meus tesouros; veja, as belas jóias que eu tenho aqui! Poupe a minha vida; o que você iria querer com uma criaturinha tão delicada como eu? você nem iria me sentir entre os seus dentes. Venha, leve estas duas garotas perversas, elas serão duas tenras iguarias para você, gordinhas como duas codornas; por misericórdia, fique com elas!" O urso não deu atenção às suas palavras, mas deu uma tremenda patada no duende sem coração, que ele nunca mais se moveu.

As meninas haviam fugido, mas o urso as chamou de volta, "Branca de Neve e Rosa Vermelha, não fiquem com medo; esperem, quero ir com vocês." Então, elas reconheceram a voz do urso e o esperaram, e quando ele chegou perto delas, de repente ele se desfez de sua pele de urso, e eis que ali estava um belo e garboso príncipe, todo vestido de ouro. "Eu sou filho do rei," disse ele, "e eu fui enfeitiçado por aquele duende malvado, que roubou todos os meus tesouros; tive de viver correndo pela floresta como urso selvagem até que me libertasse com a morte do duende. Agora ele recebeu sua bem merecida punição."

E finalmente, Branca de Neve se casou com ele, e Rosa Vermelha com o irmão dele, e elas dividiram entre si o grande tesouro que o duende havia juntado e levado para a caverna. A velha mãezinha viveu tranquila e feliz com duas filhas durante muitos anos. Ela levou as duas roseiras com ela, as quais foram colocadas diante da janela, e que todos os anos floriam as mais belas rosas, a branca e a vermelha.

Fontes:
Contos de Grimm
Imagem =Branca de Neve e Rosa Vermelha. Ilustração de Alexander Zick (1845-190
7)

Graça Graúna (Poemas Avulsos)


A CAMINHO DO HAITI TEM UMA PEDRA (*)

tem uma jangada de pedra
a caminho do Haiti
a esperança se avizinha
pois navegar é preciso
ou como diz o velho Mago
uma obrigação todos temos.
E agora, que fazer?
A caminho tem uma pedra
e uma jangada se recria
pois não há mais tempo a perder
________
(*) Fiz este poema, pensando em Carlos Drummond de Andrade, autor do poema “No meio do caminho” e empreguei o termo Mago para homenagear SaraMAGO e a sua solidariedade ao povo do Haiti.
 

ALMAS PEREGRINAS

Entre as histórias mais belas
do Rio Grande do Sul
é impossível esquecer
a canção de amor e morte
de Pulquéria e Tiaraju.

Na antiga São Miguel
com a lua por testemunha
em meio a flores silvestres
e os cantares dos pássaros
se encontram os amantes.

É um amor tão bonito
que Ñanderu nos faz ver
o que há de mais sagrado
na história de Pulquéria
e o seu amor por Sepé.

Foi na Guerra das Missões
que o amado parente
enfrentou as duras penas
que as lágrimas de Pulquéria
deram luz a uma nascente

Diz a lenda que Pulquéria
no rio ainda se banha
enquanto o guerreiro amado
segue o Cruzeiro do Sul
quando a noite é mais pituma.

CRAVOS DE ABRIL

Do outro lado do Atlântico
a liberdade é uma flor
a liberdade é vermelha.

Do outro lado do Atlântico
os prantos se foram
e o canto agora é de paz
à Grândola, Vila Morena
onde é possível encontrar
um amigo em cada esquina
e em cada jardim um sonho
de alegria e esperança
pois há um cravo a brotar

DEMASIADO
               (para Hideraldo Montenegro)

humano
é poder apalpar o universo,
ainda que de longe
e sem fronteiras.

Consciente desta possibilidade,
o poeta expõe a solidão
tatuada em seu silêncio.

ESCRITURA FERIDA

          
  à Florbela Espanca

Atiram mil pedras
na charneca em flor.

Ossos do ofício:
no mais fundo do poço
retirar o poema
encharcado de mágoas

MANIFESTO

...fragmento que sou
da fúria no choque cultural,
aqui, manifesto o meu receio
de não conhecer mais de perto
o que ainda resta
do cheiro da mata
da água
do fogo
da terra e do ar

Torno a dizer:
manifesto o meu receio
de não conhecer mais de perto
o cheiro da minha aldeia
onde ainda cunhantã
aprendi a ler a terra
sangrando por dentro

MIRAGENS

À meia luz
escudados nos sonhos
despistaram o medo de amar
e só diante do espelho admitiram
que a nudez é um perigo
capaz de intimidar o Amor
...depois do amor a espera
sem pressa, sem dor
depois do amor
o desejo natural
de repousar entre lençóis
e continuar a loucura
que não se vê em jornais.
Escudados nos sonhos
beberam a angústia do ser
na boca molhada de suor e sexo
seguindo o infinito
neste sopro de adeus…

O GUARANI
 

Sepé Tiaraju foi um guerreiro
defendeu com a vida o rincão
a caça, a pesca e o plantio
do guarani contra a invasão

Da real história poucos sabem
o que se deu no século dezoito.
Sepé Tiaraju morto em combate
em nome da cultura do seu povo.

Junto a mil e quinhentos guaranis
afirmando que “esta terra já tem dono”.
na luta contra o mal ele morreu

Mas contam lá em São Miguel
quando a noite parece mais pituma
o guerreiro Sepé vira uma estrela

UMA CHANCE À PAZ
               (pensando em John Lennon)

O silêncio nos acompanha
resmunga
diz que envelheceu
e que só alguns loucos tentam escutá-lo.

O silêncio reclama
diz que são raros
os que ousam tocá-lo
e continuam se perguntando:
— todos dormem ou fingem que estão mortos?

Imagine
um silêncio de fel sobre o gelo fino

Teófilo Braga (A Rosa Branca na Boca)

Recolhido no Algarve

Um homem muito abastado veio a cair em pobreza pelos seus desvarios; como tinha dado uma boa educação ao filho, este sabia tocar muitos instrumentos e para ganhar a sua vida foi por esse mundo além. Chegou a uma terra e parou diante de um palácio onde se estavam tocando peças de música muito lindas. Deixou-se ali ficar sem comer nem beber.

O dono do palácio vendo aquele homem parado na rua, perguntou-lhe o que queria. Ele disse que também gostava muito de música; o homem mandou-o entrar para ver se ele também sabia tocar.

Assim foi, tocou e desbancou todos os outros músicos. O homem admirado, despediu todos os músicos, e disse ao rapaz que ficasse com ele, para o ouvir tocar sempre.

Os outros músicos desesperados só queriam apanhar o rapaz para o matarem; mas o velho assim que soube disto protegia o rapaz, acompanhava-o sempre, e queria deixar-lhe tudo como se fosse seu filho.

Na corte correu a fama do tocador, e o rei pediu ao fidalgo para lhe levar o rapaz e deixá-lo no paço alguns dias. Lá lhe custou isso, mas não podia dizer que não ao rei. O rapaz espantou todos nas festas do palácio, porque tocava muito bem.

Uma noite que estava recolhido, sentiu entrarem-lhe na câmara e meter-se na cama com ele uma dama; quis saber quem era, acendeu uma luz, mas ela trazia uma máscara. Enquanto se demorou no paço, todas as noites ia a dama ter com ele.

O rapaz insistiu para que lhe dissesse quem era. Ela respondeu:

– Não te posso dizer quem sou! Amanhã ao entrar para a missa, hás de me ver com uma rosa branca na boca.
   
O rapaz foi dizer tudo ao fidalgo que já o tratava como filho; mas o fidalgo lembrando-se do ódio dos músicos, quis acompanhá-lo, não fosse alguma traição.

Pôs-se ele à porta da igreja, entraram todas as damas, e só quando veio a rainha é que ao lado dela viu a condessa que a acompanhava, e que todos tinham na corte por muito virtuosa, com a rosa branca na boca.

Assim que viu o rapaz em companhia do fidalgo botou a rosa ao chão e machucou-a com os pés. O rapaz chegou-se próximo da condessa para saber o motivo daquela zanga. Ela disse-lhe que a tinha atraiçoado, dizendo tudo ao fidalgo.

Perguntou-lhe ele o que era preciso que fizesse para tornar a alcançar o seu amor. Disse a condessa que só matando o fidalgo que lhe servira de pai.

Ele na sua cegueira assim fez.

O rei quando soube deste crime, achou-o tão atroz que deu ordem logo para que o enforcassem.

Então a condessa foi contar tudo ao rei, e confessou-se culpada, dizendo que o rapaz estava inocente, e que o que fizera era pela paixão do amor.

Então o rei perdoou-lhe:

– Já que a condessa fez a sua desgraça, case agora com ele para o fazer feliz.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Lavínia Severo (Fria Aurora)

Eram quase quatro da manhã. Não preguei os olhos a noite inteira. Já estávamos beirando julho e ela não conseguira realizar seu sonho. A mãe não cumprira sua promessa. Botijão já não se via há semanas e buscávamos o mingau da sobra do vizinho, que chegava já gelado. O frio e o ar seco cortavam-me os lábios e faziam doer os rins. As contrações, cada vez mais penosas, espinhavam na alma o ódio do desfavorecimento. Kayla acabava de padecer nos meus braços e abraços, mas meu calor, que já não dava conta nem de mim, falhou em mantê-la viva. Havia estendido a ela a promessa da mãe e seus olhos brilharam de esperança até o último minuto, inocente que era.

Nós duas éramos as únicas dos cinco irmãos na escola, por sermos meninas. Os meninos iam todas as noites coletar papelões e latinhas. Kayla era a razão da minha permanência naquela casa desgraçada e esquecida por Deus.

O interruptor não respondeu e confirmou o óbvio.

– Que m…., Armando! Não vá dizer que não pagou a conta? - a mãe perguntava por perguntar, em seguida resmungava meia dúzia de palavrões, porque chorar já tinha desaprendido.

O pai, que já abria a segunda garrafa de pinga, nem se deu conta da ausência de luz no casebre. Levantou, derrubando o copo, e agarrou a mãe colocando-a em cima da mesa, erguendo-lhe o vestido e mal conseguindo falar ordenou que calasse a boca. A mãe gemeu de dor. Segundos depois, já gritava de prazer.

Desta vez, não precisei cobrir os olhos e os ouvidos de Kayla.

Os meninos chegaram silenciosos e só então alguém me notou com Kayla nos braços, descolorida, pétrida e fria. Minha vida já não fazia sentido algum. Éramos as caçulas e entre nós quatro anos de distância. Depois de mim, a mãe abortou oito vezes, mas Kayla ela não conseguiu matar. Nasceu esmilinguida e sem movimento nas pernas, mas tinha uma sapiência incomum, ia entrar na quinta série com idade regular e escrevia histórias lindas - duvidei muitas vezes da fidelidade da mãe.

Pedi ao meu irmão mais velho que me ajudasse a carregar o corpo de Kayla pra rua, sem fazer muito barulho pra não levar a garrafada do pai, que ainda bebia pinga no gargalo.

Com a porta já às costas, meu irmão repousou o corpo na carroça de papelões e nos puxou para o centro da cidade. Eram meus últimos momentos com Kayla e prometi à sua memória que realizaria seu sonho.

Abandonamos o corpo na frente do IML, na ainda deserta perimetral. Subi na carroça e duas quadras dali pedi pro Valdir parar. Beijei o rosto dele, nos olhamos por muito tempo, mas ele sabia, desde que viu Kayla nos meus braços, que nunca mais nos encontraríamos. Virei as costas e ele me pegou pelo braço, tirou do bolso uma nota de dois reais e repousou-a sobre minha palma. Sorri timidamente e chorei, chorei por muito tempo depois que ele partiu.

Amanheceu, entrei na padaria e pedi um chocolate quente.

Fonte:
Contos Maringaenses

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 38 – 29 de novembro de 1887

Nascimento cura, cura,
Curandeiro Nascimento;
Curandeiro fura, fura,
Fura-vida e fura-vento;

Pois que tens a liberdade
De curar tantas mazelas
Que devastam a cidade,
Curar e viver por elas;

Tudo isso com quatro passes
De evocação de defuntos,
Que, sem que mostrem as faces,
Todos ali falam juntos;

Espíritos diferentes;
Um cura barriga da água,
Outro arranca um ou dois dentes,
Sem deixar sangue nem mágoa:

E mais que tudo, são grandes
Em ler, como as adivinhas,
Para o que, basta que mandes,
Com tais e tais palavrinhas;

Nascimento (apre! que custa
Desfiar um pensamento
Verso abaixo! Custa e assusta).
Dize-me cá, Nascimento,

Dize o que virá de Minas,
Se queijo, tabaco, ou lombo,
Se cousas mais superfinas,
Quem dá pulo e quem dá tombo.

Antes que tudo nos venha,
Veio muita porcaria,
Muita rixa e muita lenha,
Pulso de gente bravia.

Palavreada sem estilo...
Ao menos, se os escritores
Nos fizessem ler aquilo
Com alguns poucos lavores,

Dariam à pobre gente
Que vive de outros negócios
Um recreio de patente
Para entreter os seus ócios.

Então, padecesse o Veiga,
Calmon, Santa Helena e o resto,
Para uma pessoa leiga
Era um gosto puro e honesto.

Lia em boa e sã linguagem
Que o vizinho era um modelo
De ignorância e parolagem,
Um papagaio e um camelo.

E, vice-versa, diria
O vizinho assim tratado,
Que a maior patifaria
Tinha no outro o grão-mestrado.

Eram certamente afrontas,
Mas rendilhadas, cobertas
De corais e finas contas,
Menos que afrontas, ofertas.

Ah! mas justamente é isso
O que faria à polêmica
Perder o melhor feitiço,
E pô-la inválida e anêmica.

E por que tanto barulho?
Para ter lugar marcado
Na casa, que é nosso orgulho,
E a que chamamos senado.

Que vale a pena, isso vale!
Ponham-me ali já eleito
Pela serra ou pelo vale,
E verão se não aceito.

Aceito, fico e sustento,
Com alma, com heroísmo,
Esse forte monumento,
Flor do parlamentarismo.

Uma só condição, uma,
Para pleitear aquilo
Descompostura nenhuma,
Ou nenhuma, ou com estilo.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

André Telucazu Kondo (Crônica do Medo)

 texto vencedor do XII Prêmio FACCAT - Panorama (Categoria Crônica)


– Você não teve medo?

          Essa foi uma das perguntas mais frequentes que me fizeram, quando voltei de minha viagem de volta ao mundo, passando por cinquenta países em oito meses. Depois, repetiram a mesma pergunta, quando voltei de outra viagem, desta vez, apenas pela América do Sul, só que realizada no estilo carona, dormir na praça e passar fome.
  
       Medo?

          Quase fui roubado e detido na Rússia, fui abandonado na fronteira tcheca, enganado no Peru, quase atropelado em uma ilha da Indonésia, quase despenquei de uma montanha na Venezuela, enfrentei uma enchente em Honduras, escalei um vulcão ativo na Guatemala, andei mil quilômetros na Espanha, fui ameaçado em Rondônia, dormi em caverna na Capadócia e em albergues de mendigos no Brasil, passei fome no Caminho da Fé, passei frio no Círculo Polar Ártico e calor na linha do Equador...

          Se eu tive medo?

          Sim. Eu tive medo. Tive medo de uma vida sem sentido, em trabalhar em um emprego em que acordasse com um suspiro de desânimo e retornasse para casa com outro de tédio. Tive medo de enfrentar o trânsito caótico de uma cidade para chegar a lugares em que eu não queria chegar. Tive medo de me enforcar com uma gravata todos os dias. Tive medo de abandonar o meu sonho de conhecer o mundo e de escrever sobre ele. Tive medo de viver cotidianos, de ver o mesmo dia se repetindo todas as semanas e todas as semanas se repetindo em todos os meses e todos os meses finalmente se convertendo em anos e os anos se convertendo em fim. Tive medo de adiar a minha vida.

          Por isso, eu parti. E em cada curva da estrada, em cada momento em que eu não sabia o que ia acontecer lá na frente, eu sorria. E nunca suspirei de tédio ou desânimo, mesmo diante de uma longa e escaldante estrada. Senti o frio ártico em minha pele e me senti mais aquecido do que nunca, pois é melhor sentir o frio na pele do que frio no coração. Senti o calor equatorial e suei todos as minhas frustrações, que se escondiam debaixo dos meus poros. Fui enganado, sim. Mas não perdi a confiança em mim. Fui abandonado, sim. Mas não abandonei a minha fé. Fui ameaçado, sim. Mas não ameacei desistir do meu sonho. Senti fome, sim. Mas nunca deixei de sentir a minha alma alimentada.

          Se eu não tenho medo agora?

          Tenho medo e sempre quero ter medo.

          Agradeço ao medo. Foi ele que me fez ter a coragem de enfrentar outros medos. A verdade é que não há medo maior do que não ter medo de nada. Pois o medo nos desafia a enfrentá-lo. Quem não sente medo, contenta-se com a segurança do cotidiano, dos pratos de mesmos sabores, dos bom-dias sem calor.

          Sinto medo de não ter medo. Medo de ter coragem de viver uma vida sem sobressaltos, sem riscos, sem desafios...

          Quero ter medo!

          Quero, sobretudo, ter medo da morte, para ter coragem de enfrentar... todos os medos da vida.


Fonte:
http://andrekondo.blogspot.com

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas : Luis Marcus da Silva

Luís Marcus (ou Marcos) da Silva nasceu em Fortaleza, 1964. Editou “Noite Empalhada”, no Almanaque de Contos Cearenses. Teve “Ociosidade” classificado (e publicado em coletânea) em 4º. lugar no I Prêmio Literário Cidade de Fortaleza. Estampou contos em jornais. Inédito em livro.

                Os contos de Luís Marcus da Silva, embora apresentem características da narrativa realista urbana, buscam o inusitado, o lado obscuro da realidade. Narrado na primeira pessoa, “Noite empalhada”, apresenta um narrador sem nome explícito, envolto em brumas, a falar para outro e, ao mesmo tempo, para si mesmo. Fala de noite, solidão, loucura e morte: “A loucura, a morte: elas sempre chegam durante a noite”. Como se delirasse: “Será que te matei ou te mataram?” Para quem conhece a cidade de Fortaleza, é fácil perceber por onde se locomove o personagem: “A 24 de Maio nos meus delírios, a saudade da outra cidade que não mais existe e uma forte atração pela morte”. Refere-se a uma rua do centro e a uma cidade que se transformou nos últimos anos numa metrópole caótica.   

                Em “Iniciação”, o mesmo caos interior a se misturar ao caos urbano e do planeta. No entanto, seu narrador se apresenta como um ser mitológico, e não como um personagem de carne e osso. Em vez de um conto realista ou intimista, uma parábola, uma alegoria, em que o narrador seria “o ser humano” e não “um ser humano”. Em “Pedrada” a violência urbana (o caos urbano) e também a violência humana são retratadas num enredo singular, em que meninos na rua atiram pedras uns em outros e terminam por atingir o rosto de uma mulher, “num talho entre os olhos e a boca”. O narrador (escondido em uma mercearia, testemunha ocular dos atos de desordem dos pequenos) não fala de si mesmo, voltado que está para os garotos e suas ações, como um repórter. Para ele, os atiradores de pedras se comportam como seres das cavernas: “A batalha primitiva continua no seu apogeu”.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A Saudade em Sonetos Diversos VI


RAIMUNDO CORREIA
Saudade

Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...

Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos...

Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

Em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...

RAUL DE LEONI
Decadência

Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente;
Nenhuma outra intenção, mas simplesmente
O hábito melancólico de ser...

Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...

Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...

Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...

SILVA LOBATO
Crepúsculo

Crepúsculo. Saudade é a dor da ausência. A essa hora
É triste o campo, é triste o rio e é triste a mata.
Pelo espaço, a reboar, a voz de um sino chora;
Chora o seu pranto oculto a alma de uma cascata.

Lento, o orvalho do céu, posto em pingos de prata,
Borda os verdes festões da sorridente flora...
Calam-se as aves. No ar, ao pôr do sol, desata
A alta estridulação a cigarra sonora.

Ó noivos, que povoais a vossa alma de sonhos,
Que nostalgia! Que tristeza, olhos tristonhos,
Não vos trouxe essa luz crepuscular de agosto?!...

E a saudade a pungir vosso peito dorido,
É a lembrança dos que se vão para o sol posto,
É a incontida explosão desse amor incontido!

VESPASIANO RAMOS
Soneto da volta

Desde este instante, sem cessar, maldigo,
Aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
Meu amor! Minha luz! Minha saudade?!

Dês que te foste, foram-se contigo
Todos os sonhos desta mocidade...
A tua vinda — fora-me um castigo;
A tua volta — uma fatalidade!

Dês que te foste, dentro em mim plantaste
A ânsia infinita dos desesperados
Porque voltando, nunca mais voltaste...

Correm-me os dias de aflições, cobertos:
Eu entrei para o amor de olhos fechados
E saí para a dor de olhos abertos!

VINICIUS DE MORAES
Soneto de contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/saudoso.htm

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Acruche Collection - Trova 20


Fábio Ramos (Poemas Avulsos)


INCERTEZAS

Corredores escuros
Avenidas desertas, cidade morta
Todos julgam-se amigos, companheiros
E, mesmo assim
Tudo é em vão, tudo é inútil
O tempo é só, incrédulo da própria realidade
O tempo é só...
É só ele em seu silêncio
Sussurrando apenas aos sábios, as almas puras
Tudo o que sente, o que pensa

No vem e vai, nada fica, tudo um dia partirá
A felicidade é por pouco tempo
Ela chega , encanta, e desaparece
Some em meio à sonhos, ilusões...
Pensamentos...

Quem sabe,
O segredo de ser feliz, é desaparecer
Partir junto a ela, sem rumo, sem direção
Mesmo que...
Uma vida toda, um passado por inteiro fique para traz
Mesmo que o destino torne-se incerto
E, o caminho obscuro, surpreso
Mesmo que tudo e todos
Contra o destino reajam, o julguem
Porque tudo vale, tudo se pode
Quando em meio a tantas incertezas
A grande razão de todas as loucuras
Seja um eterno amor...

H I S T Ó R I A S

Histórias.....
Toda história, é uma história de amor
Quisera eu, ter uma linda história à contar
Quisera eu, ter uma história

Histórias.....
O anseio de histórias, me fez te imaginar
Me fez te desejar, te compreender, te precisar
Criei....
Criei muitas histórias, fiz a minha história
Mas, não pude viver nenhuma delas como eu quis

Histórias....
Enquanto eu as tentei viver,
Caíram as lágrimas de meu rosto
Doeu, doeu muito em meu peito
E, até hoje dói muito

Vivo.....
Vivo em mundo que não entendo
Quero viver, para tentar entendê-lo
Não peço a morte, pois...
Não sei se vou amá-la como amo a vida

Então, eu vivo uma vida, procuro...
Uma vida de procura
Louca procura.....
Porque, loucos são, os que não se cansam de procurar
Louca vida, louco vivo....

Procuro......
Mas como procurar?
Se há algo trancado no peito
Se vivo trancado neste quarto
Sozinho, sem motivos......
Como aqui encontrar?
Se já não me encontro na imensidão deste Mundo aberto

Não......
Não há porque esclausurar, esquecer
Porque nas minhas histórias de romance,
Eu já amei
Não sei se às vivi, ou se apenas sonhei
Porque, sempre tento lembrar de mim
Mas, me lembro só
Não que eu estive solitário por todo o tempo
É porque, eu nunca encontrei ninguém
Para dizer comigo um só

Histórias......
Somente páginas que folheiam,
Que envelhecem
Páginas, que ficam no peito, e na memória
São páginas de amor, luta, dor e alegria
São, somente minhas histórias

FRAGMENTOS DA ALMA

Sonhos...
Ilusões do querer
Vida inconsciente
Vive no presente, fazendo sofrer

Sonhos que vem e vão
Pessoas que chegam, outras que partem
Amores que morrem outros que nascem
E no correr deste vai e vem
Entre chegadas e partidas
O que resta são feridas
Migalhas do que se foi

Fragmentos que restam
Restos que movem
Restos que ferem
Restos de momentos e lembranças
Ou, apenas restos de sonhos
Que jamais saíram da ilusão

Restos de um nada
Pairando no ar
Vagando um coração
Molhando um olhar
Fazendo viver
Uma alma que sangrou e partiu

SE FALO DE AMOR

Se falo de amor, não é porque saiba o que ele é
Mas porque o amo, e o amo por isso
Porque, quem ama não sabe o que ama
Nem sabe porque ama,
Muito menos quem é o amor

Talvez seja esquizofrenia
Pois, se o amo sem saber o que é
Como sei que o sinto?
Como saber que é ele?
Não sei,
Apenas o amo, imagino, sonho...
Deixo que em minha alma se alastre
E se faça presente em mim
Único, pleno, dominante

Porque...
Já não vale reagir,
Tão pouco adianta, é forte, muito forte,
É inútil tentar
O coração é frágil, inocente, indefeso
Um dependente deste amor tão distante
Que me persegue, me condena
E, me aprisiona....
Em tua ausência
Em tua falta, longe do seu toque
Do seu beijo, do seu cheiro
Do aconchego dos teus braços

O vazio, o frio e a solidão
Companheiros inseparáveis
São tomados por pensamentos exultantes
Viagens de brando sentimento
Perdido no ar, solitário
Na ilusão de sua própria existência
De suas próprias razões
No seu próprio existir...

Ah!!! Amor,
Se o amo,
Se te sinto, sem saber quem tu és,
Porque não vens ao meu encontro?
E, me revela quem tu és.

AMIZADE ETERNA

Falar de amigos, parece tão fácil falar de amigos.
Algo tão complexo, intenso, profundo
Alegrias e tristezas juntos, instantes eternos
Momentos inesquecíveis
Mão estendida quando falta o chão
Sorrisos e lágrimas compartilhadas em uma grande conquista
Lágrimas na dor, lágrimas na conquista
E sempre ali, mesmo em  silêncio
Acalento vindo do olhar, carinho partindo da alma inundando coração
Em uma energia inexplicável, vivida por você e eu

Amigo, um bem maior
Amigo na fé, amigos na alma
Amigos na eternidade
Amigos na simplicidade e na complexidade de sentir incomparável
Um querer incontrolável, sentimento sem cobrança, sem medida
Almejando a vida, de um laço abstrato, onipotente, viril
Um laço de amor na essência de uma AMIZADE eterna.

Fontes:
http://www.poetasdelmundo.com/detalle-poetas.php?id=6438
http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=25063&categoria=7

Fábio Ramos (1980)

Fabio Ramos nasceu em Lages, na Serra de Santa Catarina, em 04 de novembro de 1980.

Filho de Carlino dos Santos e Solineti Ramos dos Santos, iniciou sua carreira artística aos oito anos na música na cidade de Rio dos Cedros, no Vale Europeu de Santa Catarina.

Fabio viveu em contato com a arte e a cultura europeia, presente em movimentos sociais, esporte, cultura e lazer na cidade em que cresceu RIO DOS CEDROS - SC, e passando por diversas situações usou papel e caneta para fazer um verdadeiro amigo, um refúgio para suas lamentações, medos, sonhos, desejos. Bastante contraditório por estudar e trabalhar no setor das exatas, Fabio fez da música e da poesia algo muito forte em sua vida.

A princípio seus textos eram apenas rascunhos de papel escondidos, até que amigos e amigas começaram a ler e gostar dos textos, e então começaram a transmitir os mesmos, tornando Fabio conhecido por belos poemas.

Em 1996 conheceu o escritor Pomerano Cícero Pedro de Mello, que incentivou e mostrou os primeiros caminhos para tornar-se um bom escritor. Neste tempo a mídia local do Vale, começou a apoiar seu trabalho e depois de muito tempo utilizando diversos meios para divulgar suas obras, Fabio então foi reconhecido e tem textos espalhados por todo o Brasil e o mundo.

Em 2007 iniciou participações em livros, como a Antologia Coletânea de Poemas, Crônicas e Contos, “ELDORADO”, Volume IV, pelo Celeiro dos Escritores, e logo em seguida participou da Antologia de Poesia e Prosa de Escritores Contemporâneos “Amor & Paixão”, Volume I.

Também pelo Celeiro dos Escritores, em 2009 participou da Antologia “Poesia do Brasil”, e do Congresso Brasileiro de Poesia e encontro internacional de Arte, e hoje com diversas participações mundiais em livros e eventos.

Em 2010 pela primeira vez  tomou  posse como Imortal Acadêmico na Academia Boituvense de Letras e Artes / SP ", e recebeu também o Título de "CHANCELER DAS ARTES".

Recebeu Menção Honrosa, na Câmara Municipal da cidade de Capinzal – SC; pelas raízes familiares nesta cidade.

Menção Honrosa, na Câmara Municipal da cidade de Chapecó – SC.

No ano de 2011, Fabio Ramos, tornou-se Acadêmico da:  *ACLA/MG  – Academia de Ciências  Letras e Artes de  MG,  recebendo o cargo de Delegado de Artes , e em julho deste ano o título Provedor da Paz, todos pela ACLA/MG.

Ainda em julho de 2011 recebeu o título de “Comendador da Ordem do Mérito Tiradentes Protomartir da Independência”,   pela Casa Despotal de Thessalônica, Theocrática de Lagash, que é uma Entidade Cultural de Direito Histórico em Exilio. Recebeu medalha Tiradentes,  A " Ordem do Mérito Tiradentes Protomartir da Independência" é uma Ordem do Mérito que tem por Missão Honrar , Premiar e reconhecer Artistas , Escritores e Personalidades que se destaquem na sociedade onde vivem ,trabalhando em prol da Humanidade como fez o Protomartir da Independência.

Em outubro de 2011, recebeu na Itália a Medalha e Lauda de Honra ao Mérito da “Soberano Nobile e Reale Famiglia Italiani di Taranto”.

Nos anos de 2011, 2012 e 2013, recebeu o Prêmio Destaque da Literatura, pelo Colunista Social Paulista, Raimundo Nonato.

Foi selecionado para o Livro Os 100 Melhores da Poesia no Brasil, sendo eleito um dos melhores poetas Brasileiros.

Recebeu ainda a Lauda de Honra ao Mérito da Casa de Gouvin – Portugal.

Em  2012, a nomeação de Senador Estadual da FEBACLA – Federação Brasileira dos Acadêmicos de Ciências Letras e Artes, onde também passa a responder em nome da Federação para todo o Estado de SC.

Recebeu em julho de 2012 o Prêmio Pena de Ouro – Selo de Ouro da Literatura Brasileira, no Rio de Janeiro.

Membro Honorário da AFLA -  Academia Fraiburguense de Letras.
        
Recebeu a Medalha Poeta Célio G. da Silva, pela ALB - SC -  Academia de Letras do Brasil – SC.

Recebeu a indicação de MEMBRO da ALB - Suiça -  Academia de Letras do Brasil Internacional Sucursal  Suiça.

Recebeu a nomeação de membro vitalício Cadeira 41 como da ALB - SC -  Academia de Letras do Brasil – SC.

Nomeado Presidente da sucursal Rio dos Cedros – SC,  dA ALB - SC -  Academia de Letras do Brasil – SC, posse em novembro de 2013,
Nomeação de Presidente da sucursal Micro Região de Blumenau – SC,  da ALB - SC -  ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL – SC, posse em novembro de 2013,

Nomeação de Vice Presidente Estadual da ALB - SC.

Título de Doutor em Filosofia Univérsica Ph.I. - Filósofo Imortal, em reconhecimento a produção Filosofo/Literária de Repercussões Internacionais.

Recebeu em fevereiro de 2014 a nomeação de Secretário Poetas Del Mundo Para o Brasil.

LIVROS

*Antologia  Coletânea de Poemas, Crônicas e Contos, “ELDORADO” , Volume IV, pelo Celeiro dos Escritores,
*Antologia de Poesia e Prosa de Escritores Contemporâneos “Amor & Paixão”, Volume I, pelo Celeiro dos Escritores
*Antologia “Poesia do Brasil”, no Congresso Brasileiro e encontro internacional de Artes
*Antologia “Poetas Contemporâneos do Brasil", pelo Portal do Poeta Brasileiro
*Antologia “À PAZ”
*Antologia “ALIMENTO DA ALMA” pela Editora All Print – SP
*Agenda Poética, pela Editora All Print - SC
*Antologia “CRISTAL DE TALENTOS II” , pela Editora Scoterci - SP
*Antologia “DESTAQUE DA LITERATURA” , pelo Colunista Social Raimundo Nonato – SP
*Antologia “DEL´SECCHI” , pelo Colunista Social Raimundo Nonato – SP
*Antologia “MELHORES DA POESIA BRASILEIRA”, por Jane Rossi e Mônica Rosemberg
*Antologia “POESIAS” , pela ACHE, Associação Chapecoense de Escritores
* ETERNIDADE NA VOZ DE UM CORAÇÃO,  Livro solo de Poesias
* O CORAÇÃO DE LORENZO, Romance

Fonte:
Dados enviados pelo poeta

Irmãos Grimm (O Casamento da Dona Raposa)

Primeira história

Era uma vez um velho raposo que tinha nove rabos, e que achava que a sua esposa não era fiel à ele, e que estava tentando traí-lo. Ele ficou deitado debaixo do banco, sem se mover, e se comportou como se estivesse morto como uma pedra. A Senhora Raposa foi até o quarto dela, se fechou lá dentro, junto com o seu namorado. A Senhorita Gata, estava sentada ao lado do fogão, e cozinhava. Quando ela ficou sabendo que o velho raposo havia morrido, pretendentes começaram a aparecer. A criada ouviu quando alguém chegou à porta da casa e bateu. Ela foi atender e abriu a porta, e era um jovem raposo, que disse,

"O que você está fazendo agora, Senhorita Gata?
Você está dormindo ou acordada?"

Ela respondeu,

"Eu não estou dormindo, estou acordada,
Queres saber o que estou fazendo?
Estou preparando uma deliciosa cerveja com manteiga,
O cavalheiro quer entrar e beber alguma coisa?"

“Não, obrigado, senhorita,” disse o raposo, “o que a Senhora Raposa está fazendo?”

A criada respondeu,

"Ela está sozinha em casa,
E está se lamentando.
Chorando até os olhos ficarem vermelhos,
Porque o Senhor Raposo morreu."

"Então, diga a ela, senhorita, que um jovem raposo está aqui, e gostaria de cortejá-la." "Certamente, meu jovem."

A gata então, subiu as escadas e ouve-se trip, trap. Ela bateu na porta fazendo tap, tap, tap,

"Dona Raposa, a senhora está aí dentro?"

"Ó sim, minha gatinha," ela exclamou.

"Tem um pretendente lá fora querendo falar com a senhora."

"Diga-me como ele é, minha querida?"

"Ele tem nove rabos belíssimos como o falecido Senhor Raposo?"

"Oh, não," respondeu a gata, "ele tem somente um."

"Então, não quero conhecê-lo."

A Senhorita desceu as escadas e mandou o pretendente embora. Pouco depois, alguém bate à porta, e um outro raposo estava à porta e queria cortejar a Senhora Raposa. Ele tinha dois rabos, mas a sua sorte não foi melhor que a do primeiro. E depois deste, outros também vieram, cada um com um rabo a mais que o anterior, mas todos foram rejeitados, até que finalmente veio um que tinha nove rabos, como o velho Senhor Raposo. Quando a viúva ficou sabendo, ela disse alegremente para a gata,

"Agora podem abrir bem os portões e as portas,
E coloquem o Senhor Raposo que morreu lá pra fora."

Mas quando o casamento estava para ser realizado, o velhor Senhor Raposo se mexeu debaixo do banco, e começou a dar cacetadas no sem vergonha, e expulsou a Senhora Raposa e todos para fora de casa.

Segunda história


Quando o velho Senhor Raposo havia morrido, o lobo apareceu como pretendente, e bateu na porta, e a gata que, era a criada da Senhora Raposa, abriu a porta para ele. O lobo a cumprimentou, e disse,

"Bom dia, Senhorita Gata de Monte Cristo,
Porque você está sentada aí sozinha?
O que você está fazendo de bom?"

A gata respondeu,

"Estou fazendo pudim de pão com leite,
O cavalheiro gostaria de entrar e comer um pouco?"

“Não, obrigado, Senhorita Gata,” respondeu o lobo.
“A Senhora Raposa não está em casa?”

A gata respondeu,

"Ela está no quarto dela lá em cima,
Lamentando seu triste destino,
Chorando dolorosamente suas preocupações,
Porque o Senhor Raposo não vive mais."

O lobo respondeu,

"Se ela estiver precisando de um marido agora,
Então, será que ela poderia descer um pouquinho até aqui embaixo?"

A gata subiu correndo as escadas. Mexendo com o rabo de um lado e de outro, ela então chegou na porta do gabinete com seus cinco aneis de ouro e bate na porta,

"A senhora está aí dentro, minha boa Senhora Raposa?
Se a senhora estiver precisando de um marido agora.
Então, será que a senhoria poderia descer um pouquinho lá embaixo?"

A Senhora Raposa perguntou,

"Pode me dizer se o cavalheiro está usando meias vermelhas e tem uma boca pontuda?"

"Não," respondeu a gata.

"Então ele não serve para mim."

Quando o lobo foi embora, veio um cachorro, um veado, uma lebre, um urso, um leão, e todos os animais da floresta, um após o outro. Mas um dos pontos positivos que o velho Senhor Raposo possuía, estava sempre faltando, e a gata continuava a expulsar os pretendentes. Até que um jovem raposo apareceu.

Então a Senhora Raposa disse:

"Pode me dizer se o cavalheiro está usando meias vermelhas, e possui uma boca pontuda?"

"Sim," respondeu a gata, "ele possui."

"Então, faça com que ele suba até aqui," disse a Senhora Raposa, e mandou que a criada gata preparasse a festa de casamento.

"Varra o quarto e deixe-o o mais limpo que puder,
Abra a janela e jogue o meu ex-marido que morreu lá pra fora!
Porque ele trouxe muitos ratos gordos e deliciosos para casa,
Mas na sua esposa ele nunca pensou.
Mas comia tudo que caçava."

Então, o casamento foi realizado com o jovem Senhor Raposo, e todos se divertiram e dançaram; e se ainda não tivesse sobrado nada, estariam dançando até agora.

Fonte:
Contos de Grimm

A Saudade em Sonetos Diversos V

MENDES MARTINS
À Espera


E vem a primavera. E os prados novamente
Cobriram-se de luz, de flores, de verduras;
Fez-se azul todo o céu, azul e transparente
Como um pálio de gaze aberto nas alturas.

E eu disse assim comigo: "Às minhas desventuras
Aos pesares que eu sofro, e tornam-me descrente,
Vão enfim pôr um termo os beijos e as ternuras
Daquela que eu espero e de quem vivo ausente."

E assentei-me, esperando-a, à beira do caminho...
O cair de uma folha, a música de um ninho
Lembravam-me o seu passo e a sua voz, criança!

E afinal veio o inverno e foi-se a primavera,
E cheio de saudade e sempre à sua espera,
E à força de esperar perdi toda esperança.

NARCISO ARAÚJO
Casa triste


Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.

Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.

Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,

Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.

OSCAR D'ALVA
Hora de tédio


Quando a sós na existência meditando
Triste, revivo malogrados dias,
Ao recordar mais dores que alegrias,
O coração se sente miserando.

Punge-me n'alma fundas agonias
De uma vida passada o bem pregando
Em toda a parte, e apenas encontrando
Insolências, insultos, ironias...

Os gozos são efêmeros fulgores
Que minha alma lembrando hoje revive;
O mais são mágoas, lutos, dissabores...

Então sinto — ao pensar que não gozei —
Saudade de prazeres que não tive,
Esperança de bens que não terei!

OSÓRIO DUQUE ESTRADA
Pulvis


Áureos castelos da primeira idade,
Dourada fantasia de outras eras
Cuja luz de uma estranha claridade,
A alma me encheu de sóis e primaveras;

Glória, amor, ilusões da mocidade
Palpitando ao clarão de outras esferas;
Ânsias do afeto, espinhos da saudade,
Sonhos alados, fúlgidas quimeras;

Ideais da velha crença sonhadora;
Poemas tangidos da chorosa lira
(Que mais chorara se ditosa fora);

Por tanta coisa essa alma ainda suspira!
Tanta coisa, que a mente enganadora
Julgava ser verdade e era mentira!

PAULINO DE ANDRADE
Olinda


No alto, a paisagem verde-escura e acidentada.
Em baixo, o ouro da praia e a saudade do mar...
Sugere lendas... reis magos... terra encantada...
Fidalgas castelãs... troveiros a cantar...

É bem de vê-la sob a tragédia sagrada
Do crepúsculo: é grande, heróica, singular!
Eu, quando a vejo assim, tenho a alma amplificada
E uma dilatação de beleza no olhar.

E se, pela alterosa e lendária Palmira
Longa e empolgada, a vista amplamente se estira,
Lembro o Nebo sob a ânsia imortal de Moisés!...

E um ninho azul coroa a epopéica Cidade...
Rumina o coqueiral uma velha saudade,
E a saudade do Mar rumoreja-lhe aos pés...

PAULO DE ARRUDA
Tristezas

 
Há saudades que pungem docemente
Como as lembranças de um feliz passado,
Quando se vive ainda acalentado
Pelos sonhos de gozos do presente.

Mas, se da vida no areal candente
Para o vigor perdido, e abandonado
Volve aos céus da ventura o olhar magoado
Como a saudade, então, é atroz, pungente!

E, ah! feliz do que em meio aos dissabores
Da alma ainda achar nos íntimos refolhos
Um mar de prantos que lhe afogue as dores!

Pois sofre mais quem desolado e exangue,
Não tendo nunca lágrimas nos olhos,
Tem dentro da alma lágrimas de sangue.

PEDRO KILKERRY
Taça 

 
Aquela taça de metal que, um dia,
À Laura, um dia assim, lhe oferecera,
Entre relevos delicados de hera,
"Saudade" em letras de rubis trazia.

E era um riso de amor e de poesia
Em cada riso ou flor da primavera...
E Laura, a um canto, cruel, por que a esquecera,
Laura que soluçou, porque eu partia?

Anos derivam. De remorsos presa
Não é que vai, acaso, à soledade
Da abandonada... Vai por fantasia.

Mas, como um choro, vê, vê com surpresa,
Desmancharem-se as letras da "Saudade"
Que aquela taça de metal trazia.

PEDRO SATURNINO
Açucenas


Minha Mamãe! tu foste mãe-menina,
Pois é filho das tuas mãos pequenas
Aquele pé viçoso de açucenas,
Que plantaste quando eras pequenina.

Carregado de flores (e de penas),
Lá no mesmo local ainda germina;
Do passado jardim resta ele apenas,
Tudo mais, ao redor, é mato ou ruína.

Eu, teu filho de amor que tanto estimas
E irmão dele nos dons, e até nos males,
Ao lembrar-me de ti, floresço em rimas.

— Meu irmão com saudades e entre dores,
Entre espinhos cruéis levanta o cális
E lembra-se de ti chorando flores!

QUINTINO CUNHA
Entre nuvens


Ameaça chuva. O pássaro na rama
Vem de ocultar-se. A fera permanece
À sombra do covil. Tudo parece
Triste como a saudade de quem ama.

Enquanto o céu apenas se recama
De nuvens, não; mas, quando se incandesce
De um relampejar profundo, a chuva desce,
Por fina força a chuva se derrama.

Em nós outros também o tempestivo
Amor é assim como este quadro vivo,
Que, há pouco, a natureza dominava.

Falo por mim, tirando por Maria;
Pois quando na minha alma relampejava,
Nos seus olhos tristíssimos chovia.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/saudoso.htm

Teófilo Braga (Contos Tradicionais do Povo Português) Maria da Silva

Recolhido no Algarve

Era uma vez um rei, que andava à caça, e perdeu-se no monte, quando se fechou a noite. Foi com o seu pajem pedir agasalho a uma cabaninha de um carvoeiro que vivia na serra. O carvoeiro deu logo a sua cama ao rei, e a mulher, como estava doente, ficou deitada em uma enxerga no adro. De noite ouviu o rei um grande alarido, e choros, e uma voz que dizia:

– Esta, que agora acaba de nascer
Ainda há de ser tua mulher;
E por mais que a sorte lhe seja mesquinha
Sempre contigo virá a ser rainha.

O rei ficou bastante atrapalhado, e tratou de saber que horas eram. Era meia-noite em ponto. Ao outro dia quando falou com o carvoeiro, perguntou-lhe que barulho tinha sido aquele.

– Foi uma filhinha que me nasceu; havia de ser pela meia-noite em ponto, senhor.

O rei disse que queria fazer a fortuna daquela criança, e que lhe daria muito dinheiro se a deixasse ir com ele. O carvoeiro deixou, e o rei partiu. Pelo caminho disse ao pajem que fosse matar aquela criança, porque era preciso fugir a um agouro com que ela tinha nascido. O pajem não teve alma para matar a inocente, e deixou a criança no fundo de um barroco, entre uns silvados, embrulhada no cinto vermelho que ele tirou de si. Tornou para onde estava o rei, e disse:

– Real senhor, não tive ânimo de matar a criança, mas deixei-a num sítio donde se não vê nem monte nem fonte, e lá morrerá com certeza.

Aconteceu que um rachador de lenha veio trabalhar para aquele sítio, ouviu chorar uma criança, desceu ao barroco e tirou-a condoído, e levou-a para casa. A mulher, que não tinha filhos, acolheu-a com satisfação e tratou-a como se fosse seu sangue, e chamavam-lhe Maria da Silva, em lembrança do acontecido.
   
Passados anos o pajem ia com o rei de jornada e viu uma rapariguinha de cinco anos vestida com um capotinho vermelho, que ele conheceu ser feito do seu cinto. Foram ter com os camponeses, souberam a história da rapariga, o rei deu-lhes muito dinheiro, para o deixarem lavá-la para o palácio; assim que o rei partiu, mandou fazer um caixão onde meteu a Maria da Silva, e foi ele mesmo deitá-la ao mar. Um navio encontrou no alto mar o caixão, quiseram ver o que continha, e ficaram pasmados por acharem ainda viva uma criança muito linda. Foram contar tudo à terra a que chegaram, e o rei dali quis ver a rapariguinha, a rainha tomou-lhe amor, e quis que ela se criasse no palácio, para servir de aia à princesa. Quando se fizeram as festas do casamento da princesa, já Maria da Silva era grande; vieram às festas do casamento muitos reis e príncipes e veio também aquele que queria matar Maria da Silva.

O pajem que o acompanhava conheceu logo Maria da Silva, e disse-o ao rei seu amo. O rei, quando foi ao serão, quis dançar com ela, que estava muito asseada, e deu-lhe um anel dizendo:

– Dançando-te dou, dançando-me hás de dar;
E se me não deres, a vida te há de custar.

E ela respondeu-lhe:

– Dançando o recebi, dançando o hei de dar;
Também hei de ser rainha e no seu reino reinar.

Acabado o serão Maria da Silva foi para o seu quarto, e uma criada comprada pelo tal rei, roubou-lhe o anel, e deitou-o ao mar. Maria da Silva ficou muito triste, quando viu que tinha perdido o anel, e que não podia mais dar conta dele; estava à janela quando viu em um quintal uma criada a amanhar um peixe. Correu lá, e viu luzir no bucho do peixe o anel; tirou-o, voltou para o palácio. À noite ao serão o rei tornou a dançar com ela e a repetir as mesmas palavras. Maria da Silva mostrou-lhe o anel e repetiu as palavras que dissera na véspera. Então o rei ficou muito admirado, e disse:

– Já que ninguém pode fugir à sua sorte e tens de ser minha mulher e rainha, já gosto de ti, e hoje mesmo se façam as bodas.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 37 – 22 de novembro de 1887

Pessoas há... Por exemplo,
Que vale um desfalque triste
Cuja notícia contemplo?
Acho que já nem existe.

Pois, entrados os cobritos,
Desmancha-se a diferença,
E o que eram terríveis gritos
Chega a pura indiferença.

Pessoas há que detestam
Rimas daquele feitio;
São cadeias que molestam
A inspiração, mais o brio.

Eu cá sendo, necessário
Ir andando, vou andando;
Rimo Corsário e corsário,
E bando com contrabando,

Sem saber se o leitor gosta,
Ou não dessa rima rica.
Se eu quero a obra composta,
Menos que fazer me fica.

Se não sair boa a quadra,
Que saia, ao menos, completa;
Lá, se lhe quadra ou não quadra,
É queixar-se do poeta;

Não do triste gazeteiro,
Que rói o tempo e trabalha
Sem encontrar no tinteiro
Qualquer assunto que calha.

Ninguém me dirá que as notas
Falsas e germanizadas
Valem nunca um par de botas,
Novas ou acalcanhadas.

Pois que já tratara delas
O cronista do costume,
E ora são como panelas
A que não resta chorume.

Nem elas, nem os debates
Do Jockey-Club, e os palpites,
Nem os terríveis combates
De agudas encefalites.

De encefalites agudas,
Das quais não escrevo nada;
As rimas devem ser mudas,
Quando a matéria é pancada.

E brigar por dois cavalos,
Gastar suor, sangue e murros,
Defendê-los, levantá-los,
Para um amador de burros,

É completa maluquice.
Eu amo os burros, capazes,
Sem ardor nem casquilhice,
Maduros desde rapazes.

Barulhos entre campistas?
Cadeira de Torres Homem?
São matérias de altas vistas,
Que aos fracos olhos se somem.

Sobretudo, em medicina,
Basta-me um só documento,
Cousa séria, não mofina,
Obra séria e de momento,

A autópsia de um tal Garrido,
Que foi achado enforcado,
Sem ficar bem definido
Se era ou não um suicidado.

Se sim ou se não — responde
O auto que é impossível
Achar por onde se sonde
Esse problema terrível.

Mas, continuando a pena
Naquele labor ingrato,
De toda a descrita cena
Conclui que houve assassinato.

É por isso que os problemas
Nunca me meteram susto;
São simples estratagemas
Que a gente desfaz sem custo.

Assim desfizesse o dano
E a funda melancolia
De não ser pernambucano!
Teria visto, de dia,

Vênus, o astro, no Recife,
Onde apareceu agora...
Ah! tu rimas com patife,
Tu, Recife de má hora!

Lembra a notícia que Enéias,
Indo da troiana parte,
Viu assim a flor de idéias,
E assim a viu Bonaparte.

Foi o que li e acredito;
Que eu creio em tudo o que leio,
E como sigo um só rito
Só leio aquilo em que creio.

Faça o leitor outro tanto;
Se não crê nesta Gazeta
De Holanda, ponha-a num canto;
E rimará com Gazeta.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Lourdinha Leite Barbosa (Quadros em Movimento)

A mala voltara quase vazia como fora; sua mente, no entanto, estava repleta. Visitara museus, bibliotecas e livrarias.

O pequeno quadro, presente de um amigo, foi acomodado entre os inúmeros que pendiam assimetricamente da parede da sala. Encontrar um espaço ali era quase impossível. Afastou-se para ver o resultado e teve a impressão de que algo se movera. Aproximou-se com medo de que fosse um inseto. Não viu nada.

Os quadros mais antigos se alargaram e forçaram os mais recentes a se comprimirem. Nesse empurra-empurra alguns se inclinaram, Ingrid percebeu o leve rumor e recolocou-os em seus lugares. As cinco mulheres de branco que, no quadro de moldura negra, se dirigiam às suas casinhas assustaram-se com o movimento e apressaram o passo.

A luz atravessou a janela e pousou sobre o quadro em que uma moça caminhava por uma rua ensolarada. Ela estancou o passo, largou a cesta que mantinha encostada ao quadril e rodopiou sobre o calçamento irregular.

Ingrid pôs um CD de Chico Buarque e iniciou uns passos de dança. As pessoas do quadro em tons vermelho e negro, que observavam uma festa popular, voltaram-se e a aplaudiram com entusiasmo. Sem perceber o que se passava na parede de sua casa. Ingrid apanhou as ilustrações que trouxera do Museu Dorsay e estendeu-se no sofá abaixo do quadro em que um pintor fazia seu auto-retrato. O pintor abandonou palhetas e tintas e passou a observar, junto com ela, as reproduções.

Um forte sopro de vento alçou as cortinas e avivou as figuras dos quadros. As três mulheres que conversavam, ao lado de grandes cestos cheios de conchas, despiram suas longas saias, retiraram os panos da cabeça e correram, numa nudez branca, em direção ao mar. Ao mesmo tempo, as pessoas do quadro abaixo, que caminhavam com tranqüilidade ao lado do Sena, puseram-se a correr confusas em todas as direções. Já não se obedecia aos limites impostos pelas molduras. Aprisionadas no tempo, não sabiam para onde ir ou o que fazer. Atônitas descobriam um novo mundo. Uma mulher que parecia ter saído de uma revista de modas da década de cinquenta falou em francês para um enorme galo que se mantinha parado: Por que você não se move? — O galo mexeu a cabeça e respondeu em português: Estou nesta posição desde 1972, não consigo mexer as pernas.

De repente, formou-se um grande círculo e reclamações de toda ordem foram ouvidas em diferentes línguas. Todos se entendiam: “Fui paralisada enquanto caminhava para casa”; “Estou há anos sem tomar banho”, “Não sei o que foi feito da minha família”, “Nem pudemos entrar em casa, depois da festa de Iemanjá”; “Quantos anos se passaram? Estou jovem e minha filha deve estar velha”; “Por que fomos aprisionados?”; “Eu nunca terminei meu auto-retrato. Temos que fazer alguma coisa”.

Durante a confusão uma moldura caiu. Ingrid levantou-se atordoada. Estava mesmo precisando descansar, suas pernas pareciam não lhe pertencer. Apanhou o quadro e, ao colocá-lo de volta, parou perplexa: a tela não tinha qualquer vestígio de tinta.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas : Lourdinha Leite Barbosa

Lourdinha Leite Barbosa (Maria de Lourdes Dias Leite Barbosa) nasceu em Ipu. Licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará e mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. Pertence ao Grupo Espiral. Exerceu o cargo de Presidente da Academia de Letras e Artes do Nordeste – Secção Ceará. Tem contos, ensaios e artigos publicados em jornais e revistas especializadas. Participa das antologias O talento cearense em contos – org. Joyce Cavalcante (São Paulo: Maltese, 1996) e Antologia de contos cearenses – org. Túlio Monteiro (Fortaleza: FUNCET, 2004). Tem editados Protagonistas de Rachel de Queiroz: caminhos e descaminhos – ensaio (São Paulo: Pontes, 1999) e A arte de engolir palavras – contos (Recife: Bagaço, 2001).

No ensaio intitulado “Sobre A arte de engolir palavras e outras artes”, aposto ao volume como posfácio, a professora Vicência Maria Freitas Jaguaribe faz minuciosa análise da obra, que poderia deixar os críticos sem mais nada a dizer. Assim, vê na coletânea cinco narrativas fantásticas, sendo as demais “de natureza mimética ou realista, no sentido mais geral desse termo”.

                Algumas histórias da coleção tratam de pequenos dramas pessoais, quase sempre femininos ou na visão feminina (personagem-narradora), em reduzido número de parágrafos curtos, fundados no recurso da narração, com breves diálogos. Como também observa Vicência Jaguaribe, “o narrador de terceira pessoa desse conto, como o de muitos outros, parece um mero recurso da autora para emprestar à narrativa uma ilusão de objetividade, pois quem na realidade acaba filtrando os fatos para o leitor é a própria protagonista, por meio da técnica do discurso indireto livre, que soa quase como um monólogo”.

                A maioria das peças do volume foi construída como narrações em terceira pessoa. Personagens-narradores encontram-se em “Nó cego”, “Poça dágua”, “Flores de papel”, “Medo” e “Encantamento”. Na primeira, uma das mais longas do livro, uma mulher conta a sua desilusão amorosa: flagra o marido com outro homem, em “beijo profundo, prolongado”, sem deixar claro ao leitor a identidade do outro, talvez para dar ao conto um ar de mistério. Na segunda narrativa, de feitio fantástico, outra mulher narra o próprio desespero, como num pesadelo. O leitor, entretanto, só percebe o perfil feminino no desfecho, quando a personagem observa: “Sei que estou ferida, mas não sinto dor”. Na terceira história desse tipo, a protagonista Zefa, a moça doida, desenvolve a narração no presente, em monólogo interior. “Medo” tem como narrador um homem, embora também pudesse ser mulher. Nas primeiras linhas ele se diz desesperado. No último dos contos em primeira pessoa um menino apaixonado pela bailarina do circo conta a história.

                Raríssimas vezes a contista se vale do flagrante, dando o narrador pequenos saltos no tempo, a cada parágrafo. Em “Bumerangue” a protagonista, sem nome explícito, chega a uma fazenda. Em flash-back a narração se volta para a partida da personagem (“Partira escorraçada e humilhada”). Seguem-se breves narrações-descrições do ambiente (“cozinha larga e clara”; “colheita do feijão”; “as chuvas trouxeram à fazenda”). Após meia dúzia de frases, apresenta o segundo ser fictício, “um rapazola franzino, de olhar manso e fala pouca”. E novo conflito se instaura, até o desfecho, quando a mulher, “resignada, partiu em busca de um novo refúgio, como a fechar uma porta sem fim”. Dessa forma, Lourdinha Leite Barbosa consegue pintar a protagonista por dentro, bem como o ambiente onde ela vive e o tempo dos seus embates interiores, tudo em pouco mais de 30 linhas. Em “A Valsa Proibida” esta técnica se repete, com algumas variações: os flashes-backs são mais longos, o tempo narrado se encurta, a personagem tem nome explícito, Mirta, e o desfecho parece feliz.

Às vezes o tempo se dilata, enquanto o espaço da ação se restringe. Em “Vida em três tempos”, como o próprio título indica, Marília se revê em três momentos de sua vida. Pensa, rememora. O conflito é interior; a protagonista se acha em casa, a olhar para “o porta-retrato em cima da mesinha de cabeceira”. Ao final, “enrodilhou-se na velha poltrona”, a dizer ao leitor que dali não saiu, ao longo da narração. Outras vezes o espaço se amplia. Em “Aqui, ali, acolá”, como o título mostra, a ação se dá em diversos lugares: no campo (árvores, pedras, estrada); na cidade (“avenida larga e movimentada”), uma pousada, um hospital. Em “Uma paisagem quase perfeita” as personagens habitam um casarão antigo, com seu porão escuro e o grande quintal cheio de árvores: uma paisagem quase perfeita. Como nos contos de fadas, as moças sonham e sofrem de solidão. “Os dias escorriam tão lentos quanto o rosário que eram obrigadas a rezar todas as noites”. E ocorre a transgressão no tempo e no espaço: a monotonia é suspensa por um acontecimento inesperado – a chegada de um jardineiro. A figura masculina penetra no mundo feminino. “Apenas no quintal e jardim”. Daí por diante tudo se transforma no casarão e nas donzelas, que vão, uma a uma, murchando, amarelando, morrendo.

                Há também histórias folclóricas, que não deslustram o conjunto, como “Flores de papel”, em linguagem regional: cabaça, tomar tenência, indagorinha, mangar de mim, fazer mangoça, pataca. A intertextualização com as cantigas de roda dá à obra um quê de arte literária. Essa localização da trama no espaço rural ou da cidade pequena ocorre em diversas peças do volume. Em “Penitente” o protagonista anda por ruas desertas, pelo átrio da matriz, vai ao açude, embrenha-se no mato, banha-se na cacimba. Não se tratam, porém, de narrativas regionalistas, quer pela manipulação da linguagem, quer pela estruturação do enredo. A contista não cansa o leitor com diálogos intermináveis de matutos e muito menos com descrições enfadonhas de paisagens e topografias.

                Os personagens de Lourdinha Leite Barbosa são apenas os que participam diretamente da trama: o protagonista e o antagonista. Raras vezes aparece terceiro ou quarto ser fictício. Isso faz com que o conto seja curto e não se desdobre em mais de uma história ou apresente um enredo dentro de outro. Mesmo no clássico triângulo amoroso, o terceiro personagem não passa de sutil lembrança. Em “Bumerangue” a protagonista faz breve referência ao ex-marido, sem sequer mencionar o nome: “Até ameaça de morte ele fizera”. Apenas “ele” e nada mais. Em “A Decisão”, Hortência lembra do ex-marido em uma frase capital: “ele confessou que tinha outra”. Essa outra não chega a ser personagem. Em “A Valsa Proibida” pode-se ver uma só ser fictício, Mirta, “mulher idosa, vestida de princesa”. Seu pai e sua mãe são apenas referidos, em fato remoto de sua vida. Os amigos são como bibelôs, objetos: “Mirta recebia os amigos com um largo sorriso”. São apenas “homens e mulheres, em traje de festa”. Com tanta economia de personagens, é natural que os conflitos não aflorem. Pois a trama é quase sempre pessoal, individual, interior. O enredo por pouco não é abolido nas narrativas de Lourdinha.  Veja-se “Vida em três tempos”, que pode ser o exemplo mais claro disso: a protagonista Marília vive com Dirceu, que, no entanto, não passa de personagem morto, passado. “Já não eram um. Calada. Sem nada a dizer. Fingindo não ver, não ouvir. Brigar para quê?” Ou seja, o outro, Dirceu, não passava de um ser apático, sem reação, incapaz de participar de um conflito.

                Vistos os contos em alguns dos fundamentos do gênero, resta-nos avaliar a linguagem da contista. Em primeiro lugar, a concisão e a precisão, presentes na maioria das histórias. Em consequência, a riqueza de sugestões e a economia dos detalhes, tão bem percebidas por Vicência Jaguaribe.  Ou seja, Lourdinha Leite Barbosa consegue realizar a arte de engolir palavras em sua primeira coleção de peças ficcionais, enquanto muitos escritores passam a vida expelindo palavras e terminam sufocados pela própria verborragia.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.