Nascimento cura, cura,
Curandeiro Nascimento;
Curandeiro fura, fura,
Fura-vida e fura-vento;
Pois que tens a liberdade
De curar tantas mazelas
Que devastam a cidade,
Curar e viver por elas;
Tudo isso com quatro passes
De evocação de defuntos,
Que, sem que mostrem as faces,
Todos ali falam juntos;
Espíritos diferentes;
Um cura barriga da água,
Outro arranca um ou dois dentes,
Sem deixar sangue nem mágoa:
E mais que tudo, são grandes
Em ler, como as adivinhas,
Para o que, basta que mandes,
Com tais e tais palavrinhas;
Nascimento (apre! que custa
Desfiar um pensamento
Verso abaixo! Custa e assusta).
Dize-me cá, Nascimento,
Dize o que virá de Minas,
Se queijo, tabaco, ou lombo,
Se cousas mais superfinas,
Quem dá pulo e quem dá tombo.
Antes que tudo nos venha,
Veio muita porcaria,
Muita rixa e muita lenha,
Pulso de gente bravia.
Palavreada sem estilo...
Ao menos, se os escritores
Nos fizessem ler aquilo
Com alguns poucos lavores,
Dariam à pobre gente
Que vive de outros negócios
Um recreio de patente
Para entreter os seus ócios.
Então, padecesse o Veiga,
Calmon, Santa Helena e o resto,
Para uma pessoa leiga
Era um gosto puro e honesto.
Lia em boa e sã linguagem
Que o vizinho era um modelo
De ignorância e parolagem,
Um papagaio e um camelo.
E, vice-versa, diria
O vizinho assim tratado,
Que a maior patifaria
Tinha no outro o grão-mestrado.
Eram certamente afrontas,
Mas rendilhadas, cobertas
De corais e finas contas,
Menos que afrontas, ofertas.
Ah! mas justamente é isso
O que faria à polêmica
Perder o melhor feitiço,
E pô-la inválida e anêmica.
E por que tanto barulho?
Para ter lugar marcado
Na casa, que é nosso orgulho,
E a que chamamos senado.
Que vale a pena, isso vale!
Ponham-me ali já eleito
Pela serra ou pelo vale,
E verão se não aceito.
Aceito, fico e sustento,
Com alma, com heroísmo,
Esse forte monumento,
Flor do parlamentarismo.
Uma só condição, uma,
Para pleitear aquilo
Descompostura nenhuma,
Ou nenhuma, ou com estilo.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Curandeiro Nascimento;
Curandeiro fura, fura,
Fura-vida e fura-vento;
Pois que tens a liberdade
De curar tantas mazelas
Que devastam a cidade,
Curar e viver por elas;
Tudo isso com quatro passes
De evocação de defuntos,
Que, sem que mostrem as faces,
Todos ali falam juntos;
Espíritos diferentes;
Um cura barriga da água,
Outro arranca um ou dois dentes,
Sem deixar sangue nem mágoa:
E mais que tudo, são grandes
Em ler, como as adivinhas,
Para o que, basta que mandes,
Com tais e tais palavrinhas;
Nascimento (apre! que custa
Desfiar um pensamento
Verso abaixo! Custa e assusta).
Dize-me cá, Nascimento,
Dize o que virá de Minas,
Se queijo, tabaco, ou lombo,
Se cousas mais superfinas,
Quem dá pulo e quem dá tombo.
Antes que tudo nos venha,
Veio muita porcaria,
Muita rixa e muita lenha,
Pulso de gente bravia.
Palavreada sem estilo...
Ao menos, se os escritores
Nos fizessem ler aquilo
Com alguns poucos lavores,
Dariam à pobre gente
Que vive de outros negócios
Um recreio de patente
Para entreter os seus ócios.
Então, padecesse o Veiga,
Calmon, Santa Helena e o resto,
Para uma pessoa leiga
Era um gosto puro e honesto.
Lia em boa e sã linguagem
Que o vizinho era um modelo
De ignorância e parolagem,
Um papagaio e um camelo.
E, vice-versa, diria
O vizinho assim tratado,
Que a maior patifaria
Tinha no outro o grão-mestrado.
Eram certamente afrontas,
Mas rendilhadas, cobertas
De corais e finas contas,
Menos que afrontas, ofertas.
Ah! mas justamente é isso
O que faria à polêmica
Perder o melhor feitiço,
E pô-la inválida e anêmica.
E por que tanto barulho?
Para ter lugar marcado
Na casa, que é nosso orgulho,
E a que chamamos senado.
Que vale a pena, isso vale!
Ponham-me ali já eleito
Pela serra ou pelo vale,
E verão se não aceito.
Aceito, fico e sustento,
Com alma, com heroísmo,
Esse forte monumento,
Flor do parlamentarismo.
Uma só condição, uma,
Para pleitear aquilo
Descompostura nenhuma,
Ou nenhuma, ou com estilo.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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