Para quem gosta de sangue...
Peço à leitora querida
Não desmaie nem se zangue;
Não venho arrancar-lhe a vida.
A gente pode, em conversa,
Dizer alguns nomes duros,
Não por índole perversa,
Nem maus costumes impuros.
Se achar algum dito horrendo,
Não desmaie nem se zangue...
Porém, como ia dizendo,
Para quem gosta de sangue,
Houve-o em Moura, S. Fidélis,
Grajaú, Piracicaba;
Esfriam muitas peles
Na própria grave Uberaba.
Ali, fogueira queimando,
Muito antes de Santo Antônio,
Cará de gosto execrando
Para a boca do demônio.
Mais longe, uma catequese;
Mais perto, uns tiros trocados...
Quem souber rezar que reze
Por alma de tais finados.
Eu, de todas essas cenas
Que acaso coincidiram,
E que outras melhores penas,
Em prosa, já referiram,
Confesso que a de Uberaba
Vale mais que outra nenhuma;
Tem luz que se não acaba,
Ensina e conforta, em suma.
Note-se que lá não houve
Sangue propriamente dito,
Omissão que é bom se louve
Em vista de outro conflito.
E por quê? Porque um Sampaio
Que, pelo nome não perca,
Para copiar o raio,
Que voa, mas não alterca,
Logo que viu a gente armada
Vociferando nas ruas,
Disposta, pronta, assentando
A ir a cenas mais cruas,
Bradar que ou lhe tiraria,
Sem compaixão a existência,
Ou ele a favorecia
Nada mais que com a ausência,
Ele, coronel e cabo
De partido, achou cabido
Não afrontar o diabo
Na gente do outro partido.
Saiu; logo a gente amiga
Para trazê-lo de novo,
Cuidou de uma vasta liga
E andou ajuntando povo.
De modo que, se lá volta,
Havia provavelmente
Nova e sangrenta revolta,
Em que morreria gente.
Poupou-se uma cena crua;
Sampaio ficou de fora.
Tem casa ali, casa sua;
Morava; já lá não mora.
Porém onde a luz do caso?
Que há aí que conforte e ensine?
Escute, ou vai tudo raso,
Depois de escutar, opine.
A luz é que tem Sampaio,
Com a maior segurança,
Nas mãos um futuro ensaio
De desforra e de vingança.
Ponha-se de lá à espreita
De ocasião valiosa,
E vá com a sua seita
Contra o Borges, contra a Rosa,
Contra o Marques e os capangas
Ponha-os fora da cidade,
E entre vivas e charangas
Fique em paz e em liberdade.
Virá dia em que eles troquem
As bolas contra Sampaio,
E a toque de caixa o toquem
Nas asas de novo raio.
Fuja então; de novo espreite,
E a murro e a tiro os disperse,
Tranquilamente se deite
E alegremente converse.
E assim, aumentando a soma
Das proscrições alternadas,
Uberaba será Roma,
Ambas imortalizadas.
Ora Mário, agora Sila,
Um de dentro, outro de fora,
Ante-fila ou serra-fila,
Ora Sila, Mário agora.
E não haverá na vida,
Na vida em que tudo acaba,
Cousa mais apetecida
Que ir viver para Uberaba.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Peço à leitora querida
Não desmaie nem se zangue;
Não venho arrancar-lhe a vida.
A gente pode, em conversa,
Dizer alguns nomes duros,
Não por índole perversa,
Nem maus costumes impuros.
Se achar algum dito horrendo,
Não desmaie nem se zangue...
Porém, como ia dizendo,
Para quem gosta de sangue,
Houve-o em Moura, S. Fidélis,
Grajaú, Piracicaba;
Esfriam muitas peles
Na própria grave Uberaba.
Ali, fogueira queimando,
Muito antes de Santo Antônio,
Cará de gosto execrando
Para a boca do demônio.
Mais longe, uma catequese;
Mais perto, uns tiros trocados...
Quem souber rezar que reze
Por alma de tais finados.
Eu, de todas essas cenas
Que acaso coincidiram,
E que outras melhores penas,
Em prosa, já referiram,
Confesso que a de Uberaba
Vale mais que outra nenhuma;
Tem luz que se não acaba,
Ensina e conforta, em suma.
Note-se que lá não houve
Sangue propriamente dito,
Omissão que é bom se louve
Em vista de outro conflito.
E por quê? Porque um Sampaio
Que, pelo nome não perca,
Para copiar o raio,
Que voa, mas não alterca,
Logo que viu a gente armada
Vociferando nas ruas,
Disposta, pronta, assentando
A ir a cenas mais cruas,
Bradar que ou lhe tiraria,
Sem compaixão a existência,
Ou ele a favorecia
Nada mais que com a ausência,
Ele, coronel e cabo
De partido, achou cabido
Não afrontar o diabo
Na gente do outro partido.
Saiu; logo a gente amiga
Para trazê-lo de novo,
Cuidou de uma vasta liga
E andou ajuntando povo.
De modo que, se lá volta,
Havia provavelmente
Nova e sangrenta revolta,
Em que morreria gente.
Poupou-se uma cena crua;
Sampaio ficou de fora.
Tem casa ali, casa sua;
Morava; já lá não mora.
Porém onde a luz do caso?
Que há aí que conforte e ensine?
Escute, ou vai tudo raso,
Depois de escutar, opine.
A luz é que tem Sampaio,
Com a maior segurança,
Nas mãos um futuro ensaio
De desforra e de vingança.
Ponha-se de lá à espreita
De ocasião valiosa,
E vá com a sua seita
Contra o Borges, contra a Rosa,
Contra o Marques e os capangas
Ponha-os fora da cidade,
E entre vivas e charangas
Fique em paz e em liberdade.
Virá dia em que eles troquem
As bolas contra Sampaio,
E a toque de caixa o toquem
Nas asas de novo raio.
Fuja então; de novo espreite,
E a murro e a tiro os disperse,
Tranquilamente se deite
E alegremente converse.
E assim, aumentando a soma
Das proscrições alternadas,
Uberaba será Roma,
Ambas imortalizadas.
Ora Mário, agora Sila,
Um de dentro, outro de fora,
Ante-fila ou serra-fila,
Ora Sila, Mário agora.
E não haverá na vida,
Na vida em que tudo acaba,
Cousa mais apetecida
Que ir viver para Uberaba.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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