segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Laurindo Ribeiro (Poemas Escolhidos)

O QUE SÃO MEUS VERSOS

Se é vate quem acesa a fantasia
Tem de divina luz na chama eterna;
Se é vate quem do mundo o movimento
C’o movimento das canções governa;

Se é vate quem tem n’alma sempre abertas
Doces, límpidas fontes de ternura,
Veladas por amor, onde se miram
As faces da querida formosura;

Se é vate quem dos povos, quando fala,
As paixões vivifica, excita o pasmo,
E da glória recebe sobre a arena
As palmas, que lhe of’rece o entusiasmo;

Eu triste, cujo fraco pensamento
Do desgosto gelou fatal quebranto;
Que, de tanto gemer desfalecido,
Nem sequer movo os ecos com meu canto;

Eu triste, que só tenho abertas n’alma
Envenenadas fontes d’agonia,
Malditas por amor, a quem nem sombra
De amiga formosura o céu confia;

Eu triste, que, dos homens desprezado,
Só entregue a meu mal, quase em delírio,
Ator no palco estreito da desgraça,
Só espero a coroa do martírio;

Vate não sou, mortais; bem o conheço;
Meus versos, pela dor só inspirados, —
Nem são versos — menti — são ais sentidos,
Às vezes, sem querer, d’alma exalados;

São fel, que o coração verte em golfadas
Por contínuas angústias comprimido;
São pedaços das nuvens, que m’encobrem
Do horizonte da vida o sol querido;

São anéis da cadeia, qu’arrojou-me
Aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;
São gotas do veneno corrosivo,
Que em pranto pelos olhos me transuda.

Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,
Do caminho que levam descuidada,
Qual, ludíbrio do vento, as secas folhas
Solta a esmo no ar planta mirrada.

NO ÁLBUM DUMA SENHORA

Meu nome aqui deixara solitário
Escrito nessa cor;

Com que desde nascido as faixas d’alma
Tingiu-me o dissabor;

Meu nome aqui deixara solitário
Em traço negro incerto,
Qual friso do buril da desventura
Em claro plano aberto;

A não temer que alguém, que não soubesse
O que este nome diz,

Ao vê-lo neste livro me insultasse
Chamando-me feliz.

Saiba, pois, quem o ler, que de uma Virgem
No livro afortunado

Seu nome escuro, como seu destino,
Escreve um desgraçado!

Sobre ele verta a Virgem uma lágrima
Do seu pranto celeste,

Que talvez se desbotem os negrumes
Do luto que o reveste.

Sim, ó Virgem, do pranto de teus olhos,
Concede, sim, concede

Uma lágrima triste ao pobre nome
Que lágrimas só pede!

De teus olhos quisera uma centelha
Um peito do vulcão;

Ao contrário, porém, só pede pranto
Um morto coração!

O sol ilumina, a gala ofende
Ao solo mortuário:
Só sobressaem os cristais do pranto
Dos mortos no sudário.

Eia, pois, cair deixa neste nome
O teu pranto celeste;
Que talvez se desbotem os negrumes
Do luto que o reveste.

A SAUDADE BRANCA
Composta por ocasião da morte de sua irmã e oferecida ao amigo Antônio Augusto de Mendonça Júnior.

Que tens, mimosa saudade?
Assim branca quem te fez?
Quem te pôs tão desmaiada,
Minha flor? Que palidez!...

Ah!... já sei: n’um peito vário
Emblema foste de amor:
O peito mudou de afeto,
E tu mudaste de cor.

Mas não; só peito animado
Por constância e lealdade,
Unida pode trazer-te
Consigo, minha saudade.

Demais tu não mudas; seja
Qual for o destino teu,
Conservas sempre o aspecto
Que a natureza te deu.

Que tens, mimosa saudade?
Assim branca quem te fez?
Quem te pôs tão desmaiada,
Minha flor? Que palidez!

Quem sabe se és flor, saudade?
Quem sabe? Da sepultura
Amor nas pedras penetra
Por milagre da ternura.

Quem sabe... (Oh! meu Deus não seja,
Não seja esta idéia vã!)
Se em ti não foi transformada
A alma de minha irmã?!

“Minha alma é toda saudades;
“De saudades morrerei” —
Disse-me, quando a minh’alma
Em saudades lhe deixei:

E agora esta saudade
Tão triste e pálida... assim
Como a saudade que geme
Por ela dentro de mim!...

A namorar-me os sentidos!
A fascinar-me a razão!...
Julgo que sinto a voz dela
Falar-me no coração!

Exulta, minh’alma, exulta!...
Aos meus lábios, flor louçã!
No meu peito... Toma um beijo...
Outro beijo, minha irmã!

Outro beijo, que estes beijos
Não te proíbe o pudor;
Sou teu irmão, não te mancham
Os beijos de meu amor.

Fala um pouco. Se almas podem
Em flores se transformar,
Sendo almas encantadas,
As flores podem falar.

Mas não falas?... não respondes?...
Oh! cruéis enganos meus!
Saudade, por que me iludes?
Minha irmã!... Meu Deus!... Meu Deus!...

Minha irmã!... minha ventura,
Esperança, encanto meu!
É teu irmão quem te chama!...
Responde!... fala!... Sou eu!

Dista muito o céu da terra?
Os anjos asas não têm?
Desata um vôo, meu anjo!
Não tardes, meu anjo! Vem!

Vem! Ao menos um momento
Quero ver-te, irmã querida:
Embora, depois de ver-te,
Fique cego toda a vida.

Mas não vens? Deus te não deixa
Vir ao mundo, meu amor?
Só devo encontrar no pranto
Lenitivo à minha dor?

Ah! minh’alma desfalece...
E o coração, que apressado
Com tanta força batia,
Mal palpita... está cansado.

Muda, sem termos, nem vozes
Me vai ralando a agonia:
A tempestade de angústias,
Mudou-se em melancolia.

Que é isto?! Como tão negro
Ficou-me todo o horizonte!
Que suor me banha o rosto!
Que peso sinto na fronte!

Ah! meu Deus! graças! aos olhos
O pranto sinto chegar;
Se a boca não fala, ao menos
Os olhos podem chorar.

Nós temos duas saudades;
Uma de sangue ensopada
Pela mão do desespero
No seio d’alma plantada;

Outra da melancolia
Toma o gesto, e veste a cor,
Exangue, pálida e fria,
Mas calada em sua dor.

Parece que a natureza
Quis provar esta verdade,
Quando diversa da roxa
Te criou, branca saudade.

Fonte:
Laurindo Ribeiro. Poesias Completas. Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura

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