A MODA
O que eu desejo, senhoras,
É que se cumpra o rifão:
— Cada terra com seu uso,
Cada roca com seu fuso: —
Eis a minha opinião!
Mas, vestir-se o brasileiro
Como lhe ordena o francês...
Não acho isso direito!
Viver o povo sujeito
Aos figurinos do mês!
É mesmo falta de brio,
É fazer-se manequim;
Dizem que somos macacos...
Pois antes trajarmos sacos,
Do que servir de saguim!
Devemos ter nossa moda,
Tenha a sua o japonês;
Vista o prusso à prussiana,
Ande o russo a russiana,
Ninguém roube a do chinês.
Cada qual conforme o clima
De sua terra natal;
Que se o Norte tem calores,
No sul existem rigores
Da viração glacial.
Mas ornar-se quem tirita
Como quem sopra... é de mais!
Se trajamos nos estios
Como a França nos seus frios,
Não somos racionais!
E que roupagem ridícula
Nos impõe o tal Paris!
Que não levem... rabos tais!
Às damas puseram rabo! —
Pois não é um menoscabo
A esta terra infeliz? —
(...)
Batinas e polonaise,
Hoje, bico — amanhã, não;
Muitas trouxas, muitos regos,
Babados e repolegos,
Arregaços... confusão!
E franjas, fitas e penas!
No meio dessa babel,
A mulher desaparece...
Nem o marido a conhece
Nequele horendo pastel!
(...)
E é tamanha a tirania,
Que aqui não sabe ninguém
Como andará pela rua,
Ou consorte ou filha sua,
Em dias do mês que vem!
Já disse o suficiente...
Às damas peço perdão!
Apenas bato o abuso...
Cada terra com seu uso...
Esta é minha opinião!
OS BARÕES
I
Eu não canto os barões assinalados
Por atos de virtude ou de heroismo...
Mas espertos e torpes titulados,
Egrégios na baixeza e no cinismo!
Que os primeiros são tão raros
Nesta terra em que nasci,
Ao passo que dos segundos
Mais de um cento conheci!
E deles cada qual o mais tratante,
Mais néscio e mais servil...
Em fidalgos ruins já ninguém vence
Por certo o meu Brasil!
E se alguém duvidar ponha a luneta
E o passado examine dos barões...
Empurre no presente uma lanceta
E verá o que sai... que podridões!
Ou procure, que tenho na gaveta,
Alguns apontamentos ou borrões...
Mas trabalho é demais... ninguém se meta,
Antes leia estes traços a crayons.
(...)
III
Que ativo contrabandista
Foi outrora, — e ainda o é —
Aquele esperto Fulgêncio,
O barão do Gereré!...
Quem mais ligeiro no ofício?...
Sagaz!
Por entre as trevas da noite...
Trás... zás!
As cousas vinham dos barcos,
Sem o fisco examinar...
Pelas artes de berliques,
Passavam todas no ar;
E por artes de berloques,
Nunca as poderam pegar!
E as que vinham pelo fisco
Mudavam de condição...
Popelinas despachadas
Por fazenda de algodão!
E desse modo Fulgêncio
Depressa se f'licitou...
Passando mil contrabandos
Em pouco tempo enricou,
E para não ser Fulgêncio,
Um baronato arranjou!
Hoje é fidalgo...
Dos nobres é:
Barão exímio
Do Gereré!...
(...)
ALFACE
A alface das nossas hortas
É do ópio sucedâneo:
Acalma dores e tosses,
Seu efeito é instantâneo.
Serve o chá das suas folhas
Para curar os nervosos,
E para banhar os olhos
Inflamados, dolorosos.
Quem o tomar, ao deitar-se,
Logo o sono concilia:
Galeno ceava alfaces,
Pois de insônia padecia.
As urinas facilitam,
E servem de laxativo;
Finalmente, em muitos males
Não há melhor lenitivo.
O CAIPORA
— No meio da mata, menino, não corras,
Que o vil caipora
Agora,
Nesta hora
Passeia montado no seu caititu;
E arteiro e malino
Se encontra o menino...
Ai dele! que o leva no seu grande uru!
Menino, não corras
Na mata a brincar,
Que o vil caipora
Te pode levar.
Seus olhos pequenos são negros, e feros,
Quais d'onça, luzentes,
Ardentes...
E os dentes
São como os do mero, ferinos, cruéis;
E o duro cabelo,
Assim, como o pêlo
Dos bravos queixadas, que são-lhe fiéis.
Menino, não corras
Na mata a brincar,
Que o vil caipora
Te pode levar.
Qu'ousado e valente o tal caboclinho,
De penas coberto,
Esperto...
Decerto
Se vê-te quer fumo, pedir-t'o lá vem;
Se acaso lh'o negas,
Se não lh'o entregas,
Quem é que te salva? Lá vais ao moquém!
Menino, não corras
Na mata a brincar,
Que o vil caipora
Te pode levar.
Se acaso te encontra... lá vais para a grota
Debalde lutando,
Gritando,
Chorando,
Na embira amarrado do seu grande uru!
Não corras menino,
Que o índio malino
Na mata passeia no seu caititu!
E o louco menino
Não quis escutar;
Fugindo de casa
Não pôde voltar.
Fontes:
GALENO, Juvenal. Lendas e canções populares. 4.ed. Fortaleza: Casa de Juvenal Galeno, 1859/1865.
GALENO, Juvenal. Medicina caseira. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno, 1969.
GALENO, Juvenal. Folhetins de Silvanus. A machadada. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno, 1969.
GALENO, Juvenal. Folhetins de Silvanus. A machadada. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno.
O que eu desejo, senhoras,
É que se cumpra o rifão:
— Cada terra com seu uso,
Cada roca com seu fuso: —
Eis a minha opinião!
Mas, vestir-se o brasileiro
Como lhe ordena o francês...
Não acho isso direito!
Viver o povo sujeito
Aos figurinos do mês!
É mesmo falta de brio,
É fazer-se manequim;
Dizem que somos macacos...
Pois antes trajarmos sacos,
Do que servir de saguim!
Devemos ter nossa moda,
Tenha a sua o japonês;
Vista o prusso à prussiana,
Ande o russo a russiana,
Ninguém roube a do chinês.
Cada qual conforme o clima
De sua terra natal;
Que se o Norte tem calores,
No sul existem rigores
Da viração glacial.
Mas ornar-se quem tirita
Como quem sopra... é de mais!
Se trajamos nos estios
Como a França nos seus frios,
Não somos racionais!
E que roupagem ridícula
Nos impõe o tal Paris!
Que não levem... rabos tais!
Às damas puseram rabo! —
Pois não é um menoscabo
A esta terra infeliz? —
(...)
Batinas e polonaise,
Hoje, bico — amanhã, não;
Muitas trouxas, muitos regos,
Babados e repolegos,
Arregaços... confusão!
E franjas, fitas e penas!
No meio dessa babel,
A mulher desaparece...
Nem o marido a conhece
Nequele horendo pastel!
(...)
E é tamanha a tirania,
Que aqui não sabe ninguém
Como andará pela rua,
Ou consorte ou filha sua,
Em dias do mês que vem!
Já disse o suficiente...
Às damas peço perdão!
Apenas bato o abuso...
Cada terra com seu uso...
Esta é minha opinião!
OS BARÕES
I
Eu não canto os barões assinalados
Por atos de virtude ou de heroismo...
Mas espertos e torpes titulados,
Egrégios na baixeza e no cinismo!
Que os primeiros são tão raros
Nesta terra em que nasci,
Ao passo que dos segundos
Mais de um cento conheci!
E deles cada qual o mais tratante,
Mais néscio e mais servil...
Em fidalgos ruins já ninguém vence
Por certo o meu Brasil!
E se alguém duvidar ponha a luneta
E o passado examine dos barões...
Empurre no presente uma lanceta
E verá o que sai... que podridões!
Ou procure, que tenho na gaveta,
Alguns apontamentos ou borrões...
Mas trabalho é demais... ninguém se meta,
Antes leia estes traços a crayons.
(...)
III
Que ativo contrabandista
Foi outrora, — e ainda o é —
Aquele esperto Fulgêncio,
O barão do Gereré!...
Quem mais ligeiro no ofício?...
Sagaz!
Por entre as trevas da noite...
Trás... zás!
As cousas vinham dos barcos,
Sem o fisco examinar...
Pelas artes de berliques,
Passavam todas no ar;
E por artes de berloques,
Nunca as poderam pegar!
E as que vinham pelo fisco
Mudavam de condição...
Popelinas despachadas
Por fazenda de algodão!
E desse modo Fulgêncio
Depressa se f'licitou...
Passando mil contrabandos
Em pouco tempo enricou,
E para não ser Fulgêncio,
Um baronato arranjou!
Hoje é fidalgo...
Dos nobres é:
Barão exímio
Do Gereré!...
(...)
ALFACE
A alface das nossas hortas
É do ópio sucedâneo:
Acalma dores e tosses,
Seu efeito é instantâneo.
Serve o chá das suas folhas
Para curar os nervosos,
E para banhar os olhos
Inflamados, dolorosos.
Quem o tomar, ao deitar-se,
Logo o sono concilia:
Galeno ceava alfaces,
Pois de insônia padecia.
As urinas facilitam,
E servem de laxativo;
Finalmente, em muitos males
Não há melhor lenitivo.
O CAIPORA
— No meio da mata, menino, não corras,
Que o vil caipora
Agora,
Nesta hora
Passeia montado no seu caititu;
E arteiro e malino
Se encontra o menino...
Ai dele! que o leva no seu grande uru!
Menino, não corras
Na mata a brincar,
Que o vil caipora
Te pode levar.
Seus olhos pequenos são negros, e feros,
Quais d'onça, luzentes,
Ardentes...
E os dentes
São como os do mero, ferinos, cruéis;
E o duro cabelo,
Assim, como o pêlo
Dos bravos queixadas, que são-lhe fiéis.
Menino, não corras
Na mata a brincar,
Que o vil caipora
Te pode levar.
Qu'ousado e valente o tal caboclinho,
De penas coberto,
Esperto...
Decerto
Se vê-te quer fumo, pedir-t'o lá vem;
Se acaso lh'o negas,
Se não lh'o entregas,
Quem é que te salva? Lá vais ao moquém!
Menino, não corras
Na mata a brincar,
Que o vil caipora
Te pode levar.
Se acaso te encontra... lá vais para a grota
Debalde lutando,
Gritando,
Chorando,
Na embira amarrado do seu grande uru!
Não corras menino,
Que o índio malino
Na mata passeia no seu caititu!
E o louco menino
Não quis escutar;
Fugindo de casa
Não pôde voltar.
Fontes:
GALENO, Juvenal. Lendas e canções populares. 4.ed. Fortaleza: Casa de Juvenal Galeno, 1859/1865.
GALENO, Juvenal. Medicina caseira. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno, 1969.
GALENO, Juvenal. Folhetins de Silvanus. A machadada. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno, 1969.
GALENO, Juvenal. Folhetins de Silvanus. A machadada. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno.
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