quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Teófilo Braga (A Filha do Lavrador)

Recolhido em Santa Maria, Famalicão

Era uma vez um príncipe; todas as vezes que vinha lavar-se à varanda do seu quarto, via defronte a filha de um lavrador, que era muito linda. Ora naquele tempo a verdadeira nobreza era a dos lavradores, e por isso o príncipe falava para ela, e dizia:

– Deus vos salve, filha de lavrador.

E ela respondia:

– E a vós, príncipe e real senhor.

Ele conversava para ela, e perguntou-lhe se não queria encontrar-se na grande feira do ano, que se fazia? Ela disse que não, mas pediu licença ao pai, foi adiante e meteu-se no quarto da estalagem onde havia de pernoitar o príncipe. Quando disseram ao príncipe que estava ali uma mulher, ele respondeu:

– É o mesmo.

Entrou para o quarto; viu uma moça muito linda, mas não a conheceu. Apagou a luz e ficaram toda a noite juntos. Pela manhã muito cedo ela arranjou-se para partir, e o príncipe perguntou-lhe o que é que ela queria em lembrança daquela noite; ela pediu-lhe a espada. O príncipe não teve remédio senão dar-lha. Passados dias, o príncipe fez os mesmos cumprimentos:

– Deus vos salve, filha de lavrador.

– E a vós também, real senhor.

– Então a menina não vai amanhã à romaria, para se encontrar lá comigo?

Ela disse que não, mas foi adiante e com tal jeito que ficou no lugar onde o príncipe tinha de dormir aquela noite. Ora já se tinha passado muito tempo, e a filha do lavrador tinha tido às escondidas um menino, que estava a criar e era o retrato do príncipe. Desta vez as coisas passaram-se como da outra, e quando foi pela manhã cedo, o príncipe disse-lhe que pedisse o que queria, e ela disse que só queria o cinto que ele usava.
   
Já se sabe, veio a ter outro menino. Foi ainda uma terceira vez convidada para um grande arraial, e ela lá se encontrou com o príncipe sem ele saber que era a filha do lavrador. Desta vez também lhe perguntou o que é que ela queria, e a moça pediu-lhe o relógio. Passado o tempo também teve uma menina, que pôs a criar com os outros dois filhos do príncipe.

Um dia disse ele:

– Filha de lavrador, vou-me casar. Não queres vir à minha boda?

Ela disse que não; mas no dia do casamento entrou pelo palácio dentro com os três meninos, um com a espada, outro com o cinto, e a menina com o relógio. Deixaram-na entrar, e ela foi para a mesa. O príncipe conheceu aquelas três prendas que dera, sem saber a quem, e viu que os meninos eram o seu retrato. No fim do jantar disse que cada um havia de contar a sua história, e que ele é que começaria. Disse então:

– Um dia um homem perdeu uma chave de ouro, e arranjou uma de prata para servir-se; mas aconteceu achar outra vez a chave que tinha perdido, e agora quero que os senhores me digam de qual delas se deve servir daqui em diante, da de ouro ou da de prata?

Disseram todos:

– Da chave de ouro! Da primeira.

O príncipe levantou-se, e foi buscar a filha do lavrador, que estava a um canto da mesa, e disse:

– A esta é que tomo por mulher; e estes infantes são os meus filhos, que eu tinha perdido.

A festa continuou muito alegre, e dali se foram a receber com grandes alegrias.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

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