quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Bruno Seabra (O Senhor Papa-Suspiros)

Bruno Henrique de Almeida Seabra
Tatuoca (Pará), 6 de Outubro de 1837 — Salvador, 8 de Abril de 1876
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Cena cômica

Personagem: O senhor papa-suspiros

Representa um homem de 45 à 50 anos, vestido burlescamente.

A ação passa-se no Rio de Janeiro

Época: atualidade (Século XIX)


O teatro apresenta uma pequena praça

À frente casas em perspectiva! À esquerda, um lampião. — É noite.

Ao levantar-se o pano a personagem entra em cena pela direita

Cena única

O senhor Papa-Suspiros,

(Indo até o lampião cantarolando fanhosamente)

Com jeito se leva o mundo,
De tudo o jeito é capaz,
O caso é ajeitar-se o jeito
Como muita gente faz.1

(Pára; tira de dentro do chapéu um grande ramo de flores, beija e o cheira com entusiasmo: vem à cena, torna a beijá-lo; e passeia vagaroso.)

(Recita; é burlesco até o fim.)

(Rindo:)

Ah-ah-ah! ah-ah-ah! Forte lembrança!
Ora a gente também tem seus amores?!

(Pára e se dirige à platéia:)

E esta! que massada! pois um homem
Não tem alma também como os senhores?

(Canta)

Amor é como defluxo
De qualquer venta se apossa
Sem dar contas ao nariz;
Seja nariz de visconde,
Ou de ministro ou de moça,
Branco, escuro ou verniz.

(Pequena pausa; depois pergunta, cantando desentoadamente:)

Sendo assim pois
Quem se livra destes dois?

(Passeando:)

Ah-ah-ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente também tem seus amores?

(Beija o ramo com entusiasmo.)

(À platéia;)

Eu me chamo o senhor Papa-Suspiros,
Que é nome de família deste cujo;
Já sonhei uma vez com o baronato,
Apesar de me verem assim tão sujo:
E moro num quartinho muito estreito,
E não pago um vintém pela morada!
Filante não sou eu! porém pergunto,
Há de um homem teimar com a namorada?

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Oh que bela invenção, que bela idéia!

(À platéia:)

Acreditem que a gente vive muito
Quando sabe viver à custa alheia.

(Passeando:)

 Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Oh que bela invenção, que bela idéia!

(À platéia:)

Eu nasci p’ra viver à custa alheia,
E vivo assim, assim meio contente;
Pois se a gente nasceu para ser pobre
É melhor ir vivendo assim a gente!

Cada qual vai vivendo como pode,
E porque foi com a gente a sorte avára
Há de a gente fazer-se de soberba,
E deixar de viver de meia-casa?!

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente tem seus amores!

(Á platéia:)

Eu como, visto e bebo à custa delas,
Que vida regalada, meus senhores!

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente tem seus amores!

(Á platéia:)

Namoro a rapariga mais galante,
Que meus olhos já viram sobre a terra;
Quando penso em casar com a rapariga,
Meu terno coração no peito (Forte) ber...ra!

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Nasce um homem também p’ra ser marido!
Oh que dia feliz! (À platéia) quando me lembro
Tenho ânsias de ir como perdido!

(Canta)

Com jeito se leva o mundo,
De tudo o jeito é capaz,
O caso é ajeitar-se o jeito
Como muita gente faz.

(Passeando:)

Quero agora mandar fazer um fato.

(Atoleimado:)

E então fui comprar dez réis de flores;

(Mostrando o ramo para a platéia:)

O ramo é o capital... o fato os juros,
Que me hão de pagar os meus amores.

(Beija o ramo com entusiasmo:)
(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora um homem também já compra flores?!

(À platéia:)

Pois o caso é assim, comprei-lhe flores
Faz-se um mimo de um ramo à rapariga,
Depois... a gente pede qualquer coisa...
Não tem mais que dizer, — vendeu a espiga!

Pois amor é assim, o mais é bucha,
Eu cá sigo os amores desta laia.
Para paio de amor sou muito pobre,
Ela é mais rica, seja ela — paia!

(Canta:)

Com jeito se leva o mundo
De tudo o jeito é capaz,
O caso é ajeitar-se o jeito
Como muita gente faz.

A gente é como é — diz o que pensa,
Quem não pensa o que diz — faz como a gente,
Põe-se aí a pregar sermão aos outros
E pega — vai fazendo o que não sente.

Namorar, namorar como eu namoro,
Isto sim fica bem e a todos cabe;
Não é andar aí quebrando cantos.

(Rindo burlesco:)

Suspirando de amor por quem não sabe!

(Dentro batem 10 horas.)
(Depois de contar as horas:)

Já dez horas, Jesus! Não tarda a bicha!

(À platéia:)

Ai! que tenho ciúmes dos senhores!

(Olhando com atenção para a platéia e camarotes.)

Tanta gente... e que olhos curiosos
Para a cena gentil de meus amores!

Mas senhores, desejo a sós com ela,
A minha namorada, os meus amores,
Um momento ficar, para entregar-lhe.

(Mostrando:)

Este raminho de inocentes flores.

Como podem porém nos seus juízos,
De nós — ambos fazer — idéia injusta,
Eu lhes passo a contar um episódio
Para que vejam — quanto a moça custa.

(Canta ou recita ao som da música:)

A moça que eu amo
Tem olhos de gata
A cor da mulata,
Cabelos de lã;
Seus dentes são brancos,
Seus lábios vermelhos,
Que lembram dos velhos
A calva louçã.

Só veste os vestidos
À moda da França,
Seu nome é ‘Sperança,
Negaça de amor;
‘Svelta e gorducha
Tem fina cintura,
Na boca doçura,
No hálito odor.

Dez vezes lhe tenho
Um beijo pedido,
Não é meu marido,
— Responde, — e não dá!
Se intento agarrá-la
Me foge sorrindo,
E eu fico fingindo,
Dizendo-lhe que má!

Mas, amo esta moça,
Que nega-me um beijo,
E foge, e tem pejo,
Se teimo em pedir;
A moça, que fácil
Consente o amante
Beijá-la... adiante...
Promete — cair.

Há dias, a furto,
Beijei-a na orelha,
Se fez tão vermelha
Qual brasa em fogão!
Que mal faz na orelha
Beijar minha amante?
Tornou-me — tratante,
Cachorro... vilão! (Forte)

Que mal? Pois não sabe...
Não sabe e calou-se!
A moça engasgou-se

Com o fim da oração
Fitou-me nos olhos
— Em chamas ardidos;
Os meus atrevidos
Fitei-os no chão!

**

Já vem que essa moça
‘Stá fora de moda,
Não cabe, não se engoda
Com choros de amor!
Já vêem meus senhores,
Que a moça é inocente,
Palavra da gente
É toda pudor.

**

Eu me chamo o senhor Papa-Suspiros
Porque tenho vivido deste modo,
Suspirando d’amor pela Esperança,
Criada a mais gentil do mundo todo!

(Retirando-se:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente também tem na esperança!

FIM

1 Note-se que, na grafia da época, século XIX, jeito e ajeita-se grafavam-se com a letra gê, com o que o autor faria uma sugestão psicológica entre “geito”, “ageita-se” e gente.

Fonte:
Portal Domínio Público

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