segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.º 43 – 3 de janeiro de 1888

Deus lhes dê muitos bons dias,
Deus lhes dê muitos bons anos,
Lençóis para as noites frias,
Para as de calor, abanos.

Se é certo que os novos planos
Melhoram as loterias,
Convém evitar enganos,
Devaneios e utopias.

Exemplo: as áreas vazias
Estão dos tais soberanos
Com que se pagam folias,
Prazeres e desenganos.

Logo os ímpetos insanos
De curar academias
Com os tais calomelanos
Das modernas francesias,

São custosas fantasias
Para a arte e seus arcanos;
Mil vezes as ferrovias
E os carros americanos.

Façamos com que dois manos,
Saindo às ave-marias
De Ubá ou Curitibanos,
Vão almoçar a Caxias.

Mas gastar novas quantias,
Para ter alguns maganos
Que pintem quatro Marias
E as bodas de dois ciganos;

Ou meia dúzia de ulanos
Entre bélicas porfias,
Ou revoltas de oceanos...
Sou seu criado Mathias!

Lá para ver agonias
De um mártir, de dois tiranos,
Conheço melhores vias:
É ler casos mexicanos.

Se os Zeferinos ufanos
Podem ser seguros guias
Digam lá os paduanos;
Não sou dessas freguesias.

São talvez cerrancerias,
Chamam-me a flor dos marcianos,
Cá vou pelas simpatias
Cá dos meus paroquianos.

Neste tempo de pianos,
Lembra-me ainda as poesias
Em que falavam Albanos
Com as pastoras Armias.

Então quando as minhas tias,
Casadas com dois baianos,
Tinham as peles macias,
Inda sem rugas nem panos;

E nos meses marianos,
Cantavam as melodias,
Que os nossos peitos humanos
Enchem de melancolias;

Enquanto duras harpias
Com a guerra dos Cabanos,
Tiravam sangue às bacias,
Além de outros muitos danos;

E as velhas tinham bichanos,
Que eram as suas manias,
E os primos Salustianos
Iam às alcomanias;

Então as mesmas teorias
Tinha a arte e seus fulanos:
Tudo o que agora copias
Copiaram veteranos.

E os fulanos e sicranos,
Batizados noutras pias,
Podiam ser Ticianos,
Sem novas filosofias.

Concluo que as velharias,
Como os tabacos havanos,
Podem trazer alegrias
A nós, como aos turcomanos.

Que mais? Bahias? Tucanos?
São rimas de melodias...
Deus lhes dê muito bons anos,
Deus lhes dê muito bons dias.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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