sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A Saudade em Sonetos Diversos VI


RAIMUNDO CORREIA
Saudade

Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...

Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos...

Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

Em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...

RAUL DE LEONI
Decadência

Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente;
Nenhuma outra intenção, mas simplesmente
O hábito melancólico de ser...

Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...

Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...

Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...

SILVA LOBATO
Crepúsculo

Crepúsculo. Saudade é a dor da ausência. A essa hora
É triste o campo, é triste o rio e é triste a mata.
Pelo espaço, a reboar, a voz de um sino chora;
Chora o seu pranto oculto a alma de uma cascata.

Lento, o orvalho do céu, posto em pingos de prata,
Borda os verdes festões da sorridente flora...
Calam-se as aves. No ar, ao pôr do sol, desata
A alta estridulação a cigarra sonora.

Ó noivos, que povoais a vossa alma de sonhos,
Que nostalgia! Que tristeza, olhos tristonhos,
Não vos trouxe essa luz crepuscular de agosto?!...

E a saudade a pungir vosso peito dorido,
É a lembrança dos que se vão para o sol posto,
É a incontida explosão desse amor incontido!

VESPASIANO RAMOS
Soneto da volta

Desde este instante, sem cessar, maldigo,
Aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
Meu amor! Minha luz! Minha saudade?!

Dês que te foste, foram-se contigo
Todos os sonhos desta mocidade...
A tua vinda — fora-me um castigo;
A tua volta — uma fatalidade!

Dês que te foste, dentro em mim plantaste
A ânsia infinita dos desesperados
Porque voltando, nunca mais voltaste...

Correm-me os dias de aflições, cobertos:
Eu entrei para o amor de olhos fechados
E saí para a dor de olhos abertos!

VINICIUS DE MORAES
Soneto de contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/saudoso.htm

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