quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A Saudade em Sonetos Diversos IV

JORGE AZEVEDO
Essas coisas da vida


Essas coisas da vida a gente nunca esquece...
Um longo beijo ao luar... uma mentira linda...
Num suspiro de amor... num sussurro de prece,
Guardar de toda boca uma saudade infinda...

E então quando se é moço e o ardor não arrefece,
Goza-se a mocidade enquanto ela não finda...
Da vida bem vivida o ocaso recrudesce
A tristeza de não poder mentir ainda...

E a minha mocidade em beijos se avigora,
Encontra em toda boca uma esplendente aurora
E em todo amor um sol em que febril, se aquece...

E na efemeridade em que ela se resume,
O consolo a lembrar... lembrar... pois ao perfume
Dessas coisas da vida a gente refloresce...

JÚLIO SALUSSE
Cisnes


A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas nem espumas.

Bem cedo quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vogamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo...
Quando chegar esse momento incerto,
No lago onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo cheio de saudade
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado d'outro cisne.

LUÍS PISTARINI
O seu retrato


Ela mandou-me, há dias, o retrato,
— Um belo mimo em platinotipia —
Que eu não canso de ver, e, dia a dia
Mais se me torna bem querido e grato,

Porque quando entre angústias me debato,
Triste nas horas de melancolia,
Basta fitá-lo, para que a alegria
Banhe de luz o meu viver ingrato.

Lembro-me dela, então saudosamente;
E, a sorrir, nesses rápidos instantes,
Eu me inflamo de amor de um modo tal,

Que lhe beijo o retrato longamente,
Com o mesmo ardor com que beijava dantes,
Jubiloso e feliz, o original...

MANUEL BANDEIRA
À maneira de Olegário Mariano


Triste flor de milonga ao abandono,
Betsabé, Betsabé, que mal me fazes!
Ontem, a coqueluche dos rapazes,
E agora? pobre pássaro sem dono.

Primavera e verão foram-se. O outono
Chegou. Folhas no chão... Névoas falazes...
E aí vem o inverno... O fim das lindas frases...
O último sonho, e após, o último sono!

As cigarras calaram-se. Era tarde!
E hoje que no teu sangue já não arde
O fogo em que tanta alma se abrasou,

Choras, sem compreenderes que a saudade
É um bem maior do que a felicidade,
Porque é a felicidade que ficou!

MARCELO GAMA
Catavento

 

Vim sarar tédios, longe da cidade,
A convite e conselho de um amigo,
Neste sombrio casarão antigo
Onde tudo tem ares de saudade.

— "Vem para o campo que a paisagem há de
Curar-te". Mas, curar-me não consigo:
Ontem o riso esteve bem comigo;
Hoje me sinto cheio de ansiedade.

Sou assim, como as asas do moinho
Que, lá distante, à beira do caminho,
Por entre casas velhas aparece:

Gira ao norte... ora ao sul... depressa... lento...
Parece doido aquele catavento!...
Mas como ele comigo se parece!

MARIA EUGÊNIA CELSO
Meu Céu


És para alguns a fúlgida certeza
De outra vida vivida em perfeição,
Uma esperança de compensação
Ao velho mal de toda a natureza.

Felicidade, sem a atroz surpresa
Do amanhã destruidor, eterna união,
Recompensa, esplendor, paz e perdão,
Luz sem ocaso em formosura acesa...

Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
Do sonho de ventura em que me assombro
E meu quinhão de glórias entesoura,

Céu que um reflexo de saudades doura,
Seria se, de novo, no meu ombro,
Pousasses, filho, a cabecinha loura...

MARTINS FONTES
Sol das almas


À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!

Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das salmas
A luminosidade comovente!

Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!

Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? — Saudade.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/saudoso.htm

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