sábado, 14 de junho de 2014

Dorothy Jansson Moretti (Baú de Trovas) 17


Caldeirão Poético 4

BEATRIZ TAVARES

Andanças

Se me perguntasses por onde tenho andado
teria que te falar dos corredores negros e úmidos
pelos quais caminho quando a noite cai.
Teria que te falar dos medos que tenho galgado
na busca desesperada daquilo que sou
(e também do que fui...).
Sim, querido, o caminho tem sido árido.
E se me perguntasses o que tenho feito
só te diria que tenho caminhado.
Talvez, quando chegares,
eu já possa te trazer à minha casa
e te mostrar as violetas que florescem
feito um sinal
nesse jardim cuidadosamente regado.
E então, coração, verás
que tuas palavras foram dádivas, e não consolo,
para as tristes histórias que em tuas mãos depositei.
E terás, feito fruto,
a partilha do caminho,
o gozo dos prazeres,
e o lar do meu abraço
desprovido de segredos e de provas de amor.

BELVEDERE BRUNO
Rodopios


Meu universo
rodopiou...
Por um segundo
pensei estar
“de pileque”,
tamanha
a sensação
vertiginosa.
Porém,
à medida
que abria
os olhos
via que nada
estava fora
de seu lugar.

Só eu.
Minha alma,
calada,
se perguntava:
– choro ou emudeço
de vez?

BANDEIRA TRIBUZI

A mesa


A mesa tem somente o que precisa
para estar, circundada de cadeiras,
fazendo parte da vida familiar
entre alimentos, flores e conversa.
Escura mesa gravemente muda
que, parecendo alheia a quanto a cerca,
encerra no silêncio toda a ciência
da idade desdobrando gerações.
olho de cerne, comovido e frio!
indiferente coração parado
entre o grito infantil e o olhar cansado.
Mistério de madeira rodeado
por cadeiras, lembranças, utensílios,
e um leve odor de tempo alimentício.

BENI SOARES

Ternura


Lembrando a sua voz,
ou mesmo o seu jeito
Já surge insistente
irrequieta euforia
Tamanha ternura
emerge do peito
E dele transborda
febril energia
Se abre no rosto
um sorriso perfeito
Murmuro o seu nome,
e se faz
a Poesia !

BERILO WANDERLEY

Homem Só


Além da janela, os ramos verdes
e um resto de tarde se apagando.
Mulheres de branco, os rostos parados e frios,
passam.
Algumas colhem flores friamente,
como se não colhessem flores,
Homens tristes e abandonados descem do alto da rua.
Vem do trabalho que ficou lá no fim da cidade,
e trazem para suas mulheres suor, pão quente e amor.
Sempre há amor nos homens quando as tardes findam.
E sempre haverá mulheres de branco apanhando flores,
quando as tardes findam.
Há amor também no homem só
que está por trás da janela
e se embala numa rede azul.
Um azul que vai e vem e que arranca do homem
uma canção que se apaga com a tarde
e que vai enchendo de noite
o entardecer do quarto.

BEATRIZ HELENA RAMOS
A Dor Salta

A dor salta pelos seus olhos.
Dentro do brilho negro,
No fundo profundo de sua escuridão,
A sombra do seu passado
Rasga o véu da alegria.
Há infinitas metades restantes
No caminho de te encontrar.
A tristeza deixa seu perfume
Nos cantos sombrios da alma:
Você acalenta o aroma...
Feito um camponês,
Amante apaixonado pelas flores,
Respira no ar a abstração mágica
De quem tece jardins.
E eu que amo todas as suas faces,
Perco-me tentando adivinhar
A profundidade da sua solidão
Que nenhuma presença alcança...
O que lhe falta é tanto e tão pouco,
Que nada preenche.
Cheio de vazios é o seu interior,
Transbordante de nada.
Suas máscaras não camuflam suas perdas
Nem apagam sua lenda:
A história que a ferro
Foi fundida em sua pele,
Escapa no silêncio da sua voz.
Nenhuma dimensão dos seus desastres
Pode ser cantada:
A quietude do seu grito
Amarga a ausência de sons.
Do seu amor,
Só restou o medo.
Ele é o fauno que se banha
Na fonte cristalina da sua íris esquerda.
Apenas ele,
Rei soberano sobre o Mito
Que mora em você,
Conhece os seus segredos.
No seu peito partido,
Ele acalenta os mistérios.
Mas não os revelará jamais…

BEATRIZ CAMELO

Apenas por que há


Existe um vazio
Entre a tinta e o papel
Entre o dito e o silêncio
Entre a passividade e o ato
Entre o feito e o esquecido
Entre o amar e o depender
Entre a filosofia e a prática
Entre a crença e a realidade
Entre tudo que sinto
E o nada que encontro

BEATRIZ KAPPKE
Estrela do amor


Lá fora o vento ululante,
Deste dia que está para chegar
Deixa nossa estrela mais brilhante
Banhada por um lindo luar.

No firmamento a brilhar
Num sorriso parece dizer,
Que por ter alguém para amar
É preciso a Deus bendizer!
Amar... apenas para se amar
E não para se complementar
Amar para o outro preservar
É verdadeiro...é suplementar...

Imaturo é o outro amar
Por dele necessitar
Maturidade é poder falar:
Necessito de ti por muito te amar!
–––––––––––––––
Os outros caldeirões
I
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/2011/05/caldeirao-poetico-i.html

2
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/2013/03/caldeirao-poetico-2.html

3
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/2013/03/caldeirao-poetico-3.html


Fonte:
http://www.casadobruxo.com.br/poesia/b.htm

Nilza Helena (A cada dia mais magra)

Mais uma vez na balança – um quilo a menos. Tia Augusta estava até feliz, pois quem não gosta de emagrecer? Só uma coisinha a preocupava: como emagrecia sem fazer regime? Pensou que podia estar doente e foi ao médico. Afinal, com 65 anos, estava na hora. Fez exames e enfrentou filas, usando todos os serviços a que tinha direito como aposentada.

- Saúde de menina – disse o médico. Pode ficar despreocupada.

Foi durante a novela das oito que tia Augusta deu um grito que assustou tia Celina, a companheira com quem divide o apartamento.

Já sei. É a aposentadoria.

- O quê???

- Nós não somos aposentadas? Não ganhamos menos do que os outros? Então é isso. Você reparou, Celina, como nossa alimentação piorou de uns tempos para cá?

Menos verduras, menos legumes, menos frutas, menos vitaminas, menos cálcio, menos gordura. Menos cinema, menos teatro, menos viagens, menos compras, menos livros, menos doce, menos biscoito.

 - Será que o sorriso diminuiu também, Celina? – arrisca tia Augusta, desconfiada. Perder gordura não importa, mas perder alegria...

Descoberto o problema, o jeito foi tocar a vida. Fila no dia do pagamento da aposentadoria, fila para o pagamento da pensão do marido. Pouco dinheiro. Sempre. Tia Augusta aprendeu até a fazer piada. Quando alguém reclama que está gordo, que precisa de um regime, ela aconselha:

- Aposenta.

A irmã Celina, professora, igualmente aposentada, outro dia foi surpreendida, pois ela primeira vez sua aposentadoria não acompanhou o aumento do pessoal da ativa.

- Se os funcionários públicos federais são assim, por que os estaduais não seriam? – pergunta tia Augusta com aquele ar de “eu não disse?”. Não falei que mau exemplo todo mundo segue? Aumentos diferenciados! Só faltava essa...

Foi quando as duas descobriram que aposentado é tudo, menos inativo.

- Vai o aposentado ficar parado que ele dança. Nunca estive tão ativa. Tenho que acompanhar o noticiário diário das redes de televisão, das emissoras de rádio e jornal para saber novidades sobre os aposentados, pegar informações nos guichês das repartições, esperar horas para ser  atendida, ver a impressa nos chamar de velhinhos... Se eu não ficar de antena ligada, fico prejudicada – é o que tia Augusta tem explicado aos preocupados filhos.

E lá vai ela andar de ônibus, aproveitando que é de graça, para atravessar a cidade. Vai ao serviço pegar informações com as colegas, logo depois está na casa de uma amiga aposentada tomando café com bolo enquanto criticar o governo e, no mesmo dia, ainda dá uma passadinha na Associação para perguntar o de sempre ao advogado:

- E então, vamos ou não entrar na justiça?

Tia Augusta entende de leis e decretos, guarda todos os números na cabeça e dá mostras de tanta vitalidade que o antigo chefe a convidou:

- Quer voltar a trabalhar conosco?

Não fosse a dor insuportável no joelho até que ela aceitava. Mas só de pensar que depois ia passar por outra aposentadoria, desistiu. Medo de trabalho ela não tem, pois foi o que fez a vida inteira, ajudando a mãe, dando duro na escola, cuidando da casa, do marido e dos três filhos, enfrentando a repartição, carregando sacolas pesadas, lavando, passando, cozinhando, tomando conta dos netos...

Foi-se o tempo em que ela sonhava ter uma aposentadoria banhada de sol pelas manhãs, ela  lendo o jornal na varanda, fazendo blusas de tricô, conversando com a Celina.

- Inativo! Velhinhos! Pois sim! – ela explode, enquanto quer saber de uma amiga quem inventou essas palavras.

Entre uma atividade e outra, tia Augusta aprende a desconfiar e a se defender. Todos os dias. Não, ela não quer traficar influências, ganhar em dólar, superfaturar pagamentos, fraudar a previdência. Ela quer apenas – e tão somente – parar de emagrecer.

Fonte:
http://www.descubraminas.com.br/Home/Default.aspx

Manuel Maria Barbosa Du Bocage (Sonetos)

I

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Setubal no empório celebrado,
Em sangüíneo caráter foi marcado
Pelos destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e enfim meu fado
Dos irmãos, e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.

II

Das faixas infantis despido apenas,
Sentia o sacro fogo arder na mente;
Meu tenro coração inda inocente,
Iam ganhando as plácidas Camenas.

Faces gentis, angélicas, serenas,
De olhos suaves o volver fulgente,
Da idéia me extraíam de repente
Mil simples, maviosas cantilenas.

O tempo me soprou fervor divino,
E as Musas me fizeram desgraçado,
Desgraçado me fez o deus-menino.

A Amor quis esquivar-me, e ao dom sagrado:
Mas vendo no meu gênio o mau destino,
Que havia de fazer? Cedi ao fado.

III

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores.

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores.

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

IV

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza, e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça tristeza envenenados;

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.

Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.

V

De suspirar em vão já fatigado,
Dando tréguas a meus males, eu dormia.
Eis que junto de mim sonhei que via
Da morte o gesto lívido e mirrado.

Curva fouce no punho descarnado
Sustentava a cruel, e me dizia:
¨Eu venho terminar tua agonia;
Morre, não penes mais, ó desgraçado...

¨Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada.
Que armada de cruentos passadores
Aparece, e lhe diz com voz irada:

¨Emprega noutro objeto os teus rigores;
Que esta vida infeliz está guardada
Para vítima só de meus furores¨.

VI

Em que estado meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso, e duro!
Delido o coração de um fogo impuro
Meus pesados grilhões adoro e beijo.

Quando te logro mais, mais te desejo,
Quando te encontro mais, mais te procuro,
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.

Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam da alma a paz, e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados.

E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, juízo, inferno e paraíso.

VII

Senhor que estás no céu, que vês na terra
Meu frágil coração desfeito em pranto,
Pelas ânsias mortais, o ardor, o encanto
Com que lhe move Amor terrível guerra.

Já que poder imenso em ti se encerra,
Já que aos ingênuos ais atendes tanto,
Socorre-me, entre os Santos Sacrossanto,
Criminosas paixões de mim desterra.

Fugir aos laços de um gentil semblante
Não posso eu só: da tua mão preciso
Com que prostrou Davi o atroz gigante:

Fira-me a contrição, torne-me o siso,
Acode-me, Senhor, põe-me diante
Morte, juízo, inferno e paraíso.

Morres de fraco? Morres de atrevido

VIII

Aflito coração, que o teu tormento,
Que os teus desejos tácito devoras,
E ao doce objeto, ás perfeições adoras,
Só te vás explicar co(m) pensamento.

Infeliz coração, recobra alento,
Seca as inúteis lágrimas, que choras;
Tu cevas o teu mal, porque demoras
Os vôos ao ditoso atrevimento.

Inflama surdos ais, que o medo esfria;
Um bem tão suspirado, e tão subido,
Como se há de ganhar sem ousadia?

Ao vencedor afoite-se o vencido;
Longe o respeito, longe a cobardia;
Morres de fraco? Morres de atrevido

IX

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios voando os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos:

Teus cabelos sutis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos curtos dedos melindrosos:

Reside em teus costumes a candura.
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teu riso se mistura:

És dos céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura
Para criar tua alma e teu semblante.

X

Por esta solidão que não consente
Nem do sol, nem da lua a claridade;
Ralando o peito já pela saudade
Dou mil gemidos a Marília ausente.

De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor, e triunfa da verdade;
A beleza, apesar da falsidade,
Me ocupa o coração, me ocupa a mente.

Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos, aquele riso, aquela
Boca suave, que respira amores...

Ah! Trazei-me, ilusões, a ingrata, a bela!
Pintai-me vós, ó sonhos, entre flores
Suspirando outra vez nos braços dela.

Lendas de Minas Gerais (Lenda de Nova Lima) A alma que pediu missa

Antigamente, onde hoje é a igreja matriz de Santo Antônio, havia uma pequena capela e, ao lado, um cruzeiro grande. Neste local morreram alguns homens que levavam uma boiada.

Certo dia, um morador passava próximo ao cruzeiro, quando ouviu então gemidos e lamentos que não paravam e resolveu perguntar:

 Em nome de Jesus, por que geme e lamenta tanto?

 - Então um homem sentado aos pés do cruzeiro lhe respondeu:

 - Peça à minha filha para mandar celebrar uma missa para mim. Há muito tempo não recebo uma.

Em seguida dá o nome e o endereço da tal filha ao morador que lhe garantiu que no dia seguinte falaria com ela.

O morador encontrou a filha no endereço dado e constatou que aquele homem morrera no local do cruzeiro há muitos anos e também há tempos não era rezada uma missa em sua memória.

Contam outros moradores próximos à igreja matriz de Santo Antônio que de vez em quando são ouvidos lamentos e gemidos sem que ninguém saiba de onde vêm.

Fonte:
http://www.descubraminas.com.br/Home/Default.aspx

Folclore Brasileiro (Mitos Indígenas) Mundo novo - O paraiso terrestre

A Nação Indígena dos Caiapós habitava uma região onde não havia o sol nem a lua, tampouco rios ou florestas, ou mesmo o azul do céu. Alimentavam-se apenas de alguns animais e mandioca, pois não conheciam peixes, pássaros ou frutas.

Certo dia, estando um índio a perseguir um tatu canastra, acabou por distanciar-se de sua aldeia. Inacreditavelmente, à medida que este se afastava, sua caça crescia cada vez mais.

Já próximo de alcançá-la, o tatu rapidamente cavou a terra, desaparecendo dentro dela. Sendo uma imensa cova, o indígena decidiu seguir o animal, ficando surpreso ao perceber que, ao final da escuridão, brilhava uma faixa de luz.

Chegando até ela, maravilhado, viu que lá existia um outro mundo, com um céu muito azul e o sol a iluminar e a aquecer as criaturas; na água muitos peixes coloridos e tartarugas. Nos lindos campos floridos destacavam-se as frágeis borboletas; florestas exuberantes abrigavam belíssimos animais e insetos exóticos, contendo ainda diversas árvores carregadas de frutos. Os pássaros embelezavam o espaço com suas lindas plumagens.

Deslumbrado, o índio ficou a admirar aquele paraíso, até o cair da noite. Entristecido ao acompanhar o pôr do sol, pensou em retomar, mas já estava escuro...

Novamente surge à sua frente outro cenário maravilhoso: uma enorme lua nasce detrás das montanhas, clareando com sua luz de prata toda a natureza. Acima dela multidões de estrelas faziam o céu brilhar. Quanta beleza! E assim permaneceu, até que a lua se foi, surgindo novamente o sol.

Muito emocionado, o índio voltou à tribo e relatou as maravilhas que viera a conhecer.

O grande pajé,  Caiapó, diante do entusiasmo de seu povo, consentiu que todos seguissem um outro tatu, descendo um a um pela sua cova através de uma imensa corda, até o paraíso terrestre.

Lá seria o magnífico Mundo Novo, onde todos viveriam felizes.

Fonte:
Jayhr Gael (Mitos indígenas). www.caminhodewicca.com.br

Gonçalves Dias (Primeiros Cantos) 9

(mantida a grafia original)

Quadras da Minha Vida
Recordação e Desejo


Ao meu bom amigo o Dr. A. Rego
Sol chi non lascia eredità d’affeti
Poca gioia ha dell’urna.
- Foscolo

 
I

Houve tempo em que os meus olhos
Gostavam do sol brilhante,
E do negro véu da noite,
E da aurora cintilante.
Gostavam da branca nuvem
Em céu de azul espraiada,
Do terno gemer da fonte
Sobre pedras despenhada.
Gostavam das vivas cores
De bela flor vicejante,
E da voz imensa e forte
Do verde bosque ondeante.
Inteira a natureza me sorria!
A luz brilhante, o sussurrar da brisa,
O verde bosque, o rosicler d’aurora,
Estrelas, céus, e mar, e sol, e terra,
D’esperança e d’amor minha alma ardente,
De luz e de calor meu peito enchiam.
Inteira a natureza parecia
Meus mais fundos, mais íntimos desejos
Perscrutar e cumprir; - almo sorriso
Parecia enfeitar co’os seus encantos,
Com todo o seu amor compor, doirá-lo,
Porque os meus olhos deslumbrados vissem-no,
Porque minha alma de o sentir folgasse.
Oh! quadra tão feliz! - Se ouvia a brisa
Nas folhas sussurrando, o som das águas,
Dos bosques o rugir; - se os desejava,
- O bosque, a brisa, a folha, o trepidante
Das águas murmurar prestes ouvia.
Se o sol doirava os céus, se a lua casta.
Se as tímidas estrelas cintilavam,
Se a flor desabrochava envolta em musgo,
- Era a flor que eu amava, - eram estrelas
Meus amores somente, o sol brilhante,
A lua merencória - os meus amores!
Oh! quadra tão feliz! - doce harmonia,
Acordo estreme de vontade e força,
Que atava minha vida à natureza!
Ela era para mim bem como a esposa
Recém-casada, pudica sorrindo;
Alma de noiva - coração de virgem,
Que a minha vida inteira abrilhantava!
Quando um desejo me brotava n’alma,
Ela o desejo meu satisfazia;
E o quer que ela fizesse ou me dissesse,
Esse era o meu desejo, essa a voz minha,
Esse era o meu sentir do fundo d’alma,
Expresso pela voz que eu mais amava.

II

Agora a flor que m’importa,
Ou a brisa perfumada,
Ou o som d’amiga fonte
Sobre pedras despenhada?
Que me importa a voz confusa
Do bosque verde-frondoso,
Que m’importa a branca lua,
Que m’importa o sol formoso?
Que m’importa a nova aurora,
Quando se pinta no céu;
Que m’importa a feia noite,
Quando desdobra o seu véu?
Estas cenas, que amei, já me não causam
Nem dor e nem prazer! - Indiferente,
Minha alma um só desejo não concebe,
Nem vontade já tem!... Oh! Deus! quem pôde
Do meu imaginar as puras asas
Cercear, desprender-lhe as níveas plumas,
Rojá-las sobre ó pó, calcá-las tristes?
Perante a criação tão vasta e bela
Minha alma é como a flor que pende murcha;
É qual profundo abismo: - embalde estrelas
Brilham no azul dos céus, embalde a noite
Estende sobre a terra o negro manto:
Não pode a luz chegar ao fundo abismo,
Nem pode a noite enegrecer-lhe a face;
Não pode a luz à flor prestar mais brilho
Nem viço e nem frescor prestar-lhe a noite!

III

Houve tempo em que os meus olhos
Se extasiavam de ver
Ágil donzela formosa
Por entre flores correr.
Gostavam de um gesto brando,
Que revelasse pudor;
Gostavam de uns olhos negros,
Que rutilassem de amor.
E gostavam meus ouvidos
De uma voz - toda harmonia, -
Quer pesares exprimisse,
Quer exprimisse alegria.
Era um prazer, que eu tinha, ver a virgem
Indolente ou fugaz - alegre ou triste,
Da vida a estreita senda desflorando
Com pé ligeiro e ânimo tranqüilo;
lmpróvida e brilhante parecendo
Seus dias desfolhar, uns após outros,
Como folhas de rosa; - e no futuro -
Ver luzir-lhe somente a luz d’aurora.
Era deleite e dor vê-la tão leda
Do mundo as aflições, angústias, prantos
Afrontar co’um sorriso; era um descanso
Interno e fundo, que sentia a mente,
Um quadro em que os meus olhos repousavam,
Ver tanta formosura e tal pureza
Em rosto de mulher com alma d’anjo!

IV

Houve tempo em que os meus olhos
Gostavam de lindo infante,
Com a candura e sorriso
Que adorna infantil semblante.
Gostavam do grave aspecto
De majestoso ancião,
Tendo nos lábios conselhos,
Tendo amor no coração.
Um representa a inocência,
Outro a verdade sem véu;
Ambos tão puros, tão graves,
Ambos tão perto do céu!
Infante e velho! - princípio e fim da vida! -
Um entra neste mundo, outro sai dele,
Gozando ambos da aurora; - um sobre a terra,
E o outro lá nos céus. - O Deus, que é grande,
Do pobre velho compensando as dores,
O chama para si; o Deus clemente
Sobre a inocência de continuo vela.
Amei do velho o majestoso aspecto,
Amei o infante que não tem segredos,
Nem cobre o coração co’os folhos d’alma.
Armei as doces vozes da inocência,
A ríspida franqueza amei do velho,
E as rígidas verdades mal sabidas,
Só por lábios senis pronunciadas.

V

Houve tempo, em que possível
Eu julguei no mundo achar
Dois amigos extremosos,
Dois irmãos do meu pensar:
Amigos que compr’endessem
Meu prazer e minha dor,
Dos meus lábios o sorriso,
Da minha alma o dissabor;
Amigos, cuja existência
Vivesse eu co’o meu viver:
Unidos sempre na vida,
Unidos - té no morrer.
Amizade! - união, virtude, encanto -
Consórcio do querer, de força e d’alma -
Dos grandes sentimentos cá da terra
Talvez o mais recíproco, o mais fundo!
Quem há que diga: Eu sou feliz! - se acaso
Um amigo lhe falta? - um doce amigo,
Que sinta o seu prazer como ele o sente,
Que sofra a sua dor como ele a sofre?
Quando a ventura lhe sorri na vida,
Um a par doutro - ei-los lá vão felizes;
Quando um sente aflição, nos braços do outro
A aflição, que é só dum, carpindo juntos,
Encontra doce alívio o desditoso
No tesouro que encerra um peito amigo.
Cândido par de cisnes, vão roçando
A face azul do mar co’as níveas asas
Em deleite amoroso; - acalentados
Pelo sereno espreguiçar das ondas,
Aspirando perfumes mal sentidos,
Por vesperina aragem bafejados,
É jogo o seu viver; - porém se o vento
No frondoso arvoredo ruge ao longe,
Se o mar, batendo irado as ermas praias,
Cruzadas vagas em novelo enrola,
Com grito de terror o par candente
Sacode as níveas asas, bate-as, - fogem.

VI

Houve tempo em que eu pedia
Uma mulher ao meu Deus,
Uma mulher que eu amasse,
Um dos belos anjos seus.
Em que eu a Deus só pedia
Com fervorosa oração
Um amor sincero e fundo,
Um amor do coração.
Qu’eu sentisse um peito amante
Contra o meu peito bater,
Somente um dia... somente!
E depois dele morrer.
Amei! e o meu amor foi vida insana!
Um ardente anelar, cautério vivo,
Posto no coração, a remordê-lo.
Não tinha uma harmonia a natureza
Comparada a sua voz; não tinha cores
Formosas como as dela, - nem perfumes
Como esse puro odor qu’ela esparzia
D’angélica pureza. - Meus ouvidos
O feiticeiro som dos meigos lábios
Ouviam com prazer; meus olhos vagos
De a ver não se cansavam; lábios d’homens
Não puderam dizer como eu a amava!
E achei que o amor mentia, e que o meu anjo
Era apenas mulher! chorei! deixei-a!
E aqueles, que eu amei co’o amor d’amigo,
A sorte, boa ou má, levou-mos longe,
Bem longe quando eu perto os carecia.
Concluí que a amizade era um fantasma,
Na velhice prudente - hábito apenas,
No jovem - doudejar; em mim lembrança;
Lembrança! - porém tal que a não trocara
Pelos gozos da terra, - meus prazeres
Foram só meus amigos, - meus amores
Hão de ser neste mundo eles somente.

VII
Houve tempo em que eu sentia
Grave e solene aflição,
Quando ouvia junto ao morto
Cantar-se a triste oração.
Quando ouvia o sino escuro
Em sons pesados dobrar,
E os cantos do sacerdote
Erguidos junto do altar.
Quando via sobre um corpo
A fria lousa cair;
Silêncio debaixo dela,
Sonhos talvez - e dormir.
Feliz quem dorme sob a lousa amiga,
Tépida talvez com o pranto amargo
Dos olhos da aflição; - se os mortos sentem,
Ou se almas tem amor aos seus despojos,
Certo dos pés dó Eterno, entre a aleluia,
E o gozo lá dos céus, e os coros d’anjos,
Hão de lembrar-se com prazer dos vivos,
Que choram sobre a campa, onde já brota
O denso musgo, e já desponta a relva.
Laje fria dos mortos! quem me dera
Gozar do teu descanso, ir asilar-me
Sob o teu santo horror, e nessas trevas
Do bulício do mundo ir esconder-me!
Oh! laje dos sepulcros! quem me desse
No teu silêncio fundo asilo eterno!
Ai não pulsa o coração, nem sente
Martírios de viver quem já não vive.

Marcelo Spalding (A técnica da pirâmide invertida para além do jornalismo)


    O que mais chama a atenção na técnica da pirâmide invertida, comum no jornalismo, é que não se trabalha com a linearidade temporal, não se prioriza aquilo que veio antes, e sim aquilo que é mais importante.

    Reza a lenda que essa técnica surgiu no tempo da comunicação por telégrafo. Como o sinal era muito ruim e poderia cair a qualquer momento, os repórteres passavam as informações mais importantes primeiro, pois se perdessem o contato não deixariam o editor sem sua matéria, ainda que incompleta.

    Hoje, com o acúmulo de informações e a dificuldade de concentração dos leitores, a pirâmide invertida tornou-se uma técnica produtiva para diversas áreas, pois a partir dela assegura-se que o leitor captou o principal da informação logo no começo do texto, e seguirá lendo apenas se for do seu interesse aprofundar-se no assunto.

    Dessa forma, posts no Facebook e nos blogs, textos publicitários, discursos políticos e até textos de ficção têm concentrado todos os seus esforços no começo, na primeira frase, no impacto inicial que fará o leitor prosseguir.

    Fora dos textos, a lógica de priorizar o mais importante e não o que veio primeiro chegou aos hospitais com o famoso sistema de Manchester de Classificação de Risco, em que pacientes com necessidades mais imediatas são atendidos primeiro, ainda que tenham chegado depois.


    Nas salas de aula, em que a quantidade de conteúdo para vencer é cada vez maior e o tempo de permanência e atenção dos alunos é cada vez menor, também já tem se deixado para trás a ideia de apresentar os conteúdos em uma ordem linear (do começo da apostila para o fim, do mais fácil para o mais complexo, do que surgiu antes para o que surgiu depois).

    Ao invés disso, lista-se o que é fundamental que o aluno compreenda e faz-se um planejamento para que se consiga trabalhar plenamente com esse conteúdo (por exemplo, um conteúdo por mês). É possível que sobre tempo dentro do mês, aí será o momento de aprofundar aquele conteúdo de acordo com o que seria importante que ele soubesse mas não havia sido abordado anteriormente.

    No texto acadêmico, o resumo tem um pouco esse papel da pirâmide invertida, ao antecipar o que o leitor encontrará nas diversas páginas seguintes. Com isso, o leitor não apenas pode decidir se deve ou não ler o texto como saberá se guiar ao longo da leitura, podendo inclusive saltar capítulos que não sejam de seu interesse específico.
    Em suma, a técnica da pirâmide invertida reconhece a primazia do leitor, seu direito de não ler, de pular páginas, de escolher o que ler, etc, tornando a escrita ainda mais desafiadora.
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Marcelo Spalding ministra o Curso de Criação Literária Online

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Fonte:
Marcelo Spalding in http://www.cursosdeescrita.com.br/4197/o-nome-das-personagens

Machado de Assis (Almas Agradecidas) Capítulo VI

Era a primeira declaração que Cecília ouvia da boca de um homem. Não estava preparada para ela. Tudo o que ouvira lhe causara um inexplicável alvoroço.

Posto que não amasse nenhum dos dois, apreciava ambos os rapazes, e não seria difícil que cedesse ao pedido de um deles e viesse a amá-lo apaixonadamente.

Dos dois rapazes, o que mais depressa conseguiria vencer, dado o caso que se declarassem ao mesmo tempo, era sem dúvida Magalhães, cujo espírito galhofeiro e presença insinuante deviam influir mais no espírito da moça.

Minutos depois da cena narrada no capítulo anterior, já os olhos de Cecília procuravam os de Magalhães, mas rapidamente, sem se demorar neles; todos os sintomas de um coração que não se demorará em ceder.

Magalhães tinha a vantagem de conservar todo o sangue frio no meio da situação que se lhe apresentava, e isso era excelente para não descobrir aos olhos estranhos o segredo que ele tinha interesse em conservar.

Pouco depois, entrou Oliveira. Magalhães deu-se pressa em o chamar de parte.

— Que há? perguntou Oliveira.

— Boas notícias.

— Falaste-lhe? — Positivamente não; mas encaminhei o negócio de maneira que talvez em poucos dias tenha a tua situação mudado completamente.

— Mas que houve? — Falei-lhe de amores; ela pareceu indiferente a essas ideias; disse-lhe então gracejando que a amava...

— Tu? — Sim. De que te admiras? — E que disse ela? — Riu-se. Então perguntei-lhe velhacamente se amava alguém. E ela a isto respondeu que não, mas por modo que me parecia uma afirmativa. Deixa o caso por minha conta.

Amanhã, desfaço a meada; digo-lhe que eu estava brincando... Mas paremos aqui, que aí vem o comendador.

Efetivamente, Vasconcelos chegara à janela onde os dois estavam. Uma das manias de Vasconcelos era comentar durante o dia todas as notícias que os jornais publicavam de manhã. Os jornais daquele dia falavam de um casal encontrado morto num quarto da casa em que residia. Vasconcelos desejava saber se os dois amigos optavam pelo suicídio, circunstância esta que o levaria a adotar a hipótese do assassínio.

Foi esta conversa uma completa diversão ao assunto amoroso, e Magalhães aproveitou o debate entre Oliveira e Vasconcelos para ir conversar com Cecília.

Falaram de coisas indiferentes, mas Cecília estava menos expansiva; Magalhães supôs a princípio que fosse um sintoma de esquivança; não era. Bem o notou ele quando, ao sair, Cecília correspondeu energicamente ao seu apertado aperto de mão.

— Pensas que serei feliz, Magalhães? perguntou Oliveira apenas se acharam na rua.

— Penso.

— Não imaginas que dia passei hoje.

— Não hei de imaginar! — Olha, nunca pensei que esta paixão pudesse dominar tanto a minha vida.

Magalhães animou o rapaz, que o convidou a cear, não porque o amor lhe deixasse largo campo às exigências do estômago, senão porque havia jantado pouco.

Eu peço perdão aos meus leitores, se entro nestas explicações a respeito da comida.

Quer-se um herói romântico, acima das necessidades vulgares da vida humana; mas não posso deixar de as mencionar, não por sistema, mas por ser fiel à história que estou contando.

A ceia foi alegre, porque Magalhães e a tristeza eram incompatíveis. Oliveira, apesar de tudo, comeu pouco, Magalhães largamente. Entendia que lhe cumpria pagar a ceia; mas o amigo não consentiu nisso.

— Olha, Magalhães, disse Oliveira ao despedir-se dele. A minha felicidade está nas tuas mãos; és capaz de dar conta dela? — Não se devem prometer coisas tais; o que eu te afirmo é que não pouparei esforços.

— E pensas que serei feliz? — Quantas vezes queres que to diga? — Adeus.

— Adeus.

No dia seguinte, Oliveira mandou dizer a Magalhães que estava um pouco incomodado.

Magalhães foi visitá-lo.

Achou-o de cama.

— Estou com alguma febre, disse o advogado; dize isto mesmo ao comendador, a quem eu prometi de ir lá hoje.

Magalhães cumpriu o pedido.

Era a ocasião de se manifestar a dedicação de Magalhães. Não faltou este moço a tão sagrado dever. Passava com Oliveira a tarde e as noites e só se separava dele para ir, às vezes, à casa de Vasconcelos, que era isso mesmo o que Oliveira lhe pedia.

— Fala-lhe sempre de mim, dizia Oliveira.

— Não faço outra coisa.

E assim era. Magalhães não cessava de dizer que vinha ou ia para casa de Oliveira, cuja doença ia tomando um aspecto grave.

— Que amigo! murmurava consigo D. Mariana.

— O senhor é um bom coração, dizia Vasconcelos apertando as mãos de Magalhães.

— O sr. Oliveira deve querer-lhe muito, dizia Cecília.

— Como a um irmão.

A doença de Oliveira era grave; durante todo o tempo que durou, não se desmentiu nunca a dedicação de Magalhães.

Oliveira admirava-o. Via que o benefício que lhe fizera não caíra em má terra. Grande foi a sua alegria quando, ao começar a convalescença, Magalhães lhe pediu duzentos mil réis, com promessa de os pagar no fim do mês.

— Quanto quiseres, meu amigo. Tira-os ali da secretária.

— Acredita que isto me vexa imensamente, disse Magalhães, metendo na algibeira duas notas de cem mil-réis. Nunca te pedi dinheiro; agora, menos que nunca, devia pedir-te.

Oliveira compreendeu o pensamento do amigo.

— Não sejas tolo; a nossa bolsa é comum.

— Oxalá que esse belo princípio possa ser realizado literalmente, disse Magalhães rindo.

Oliveira não lhe falou nesse dia a respeito de Cecília. Foi o próprio Magalhães que encetou a respeito dela uma conversa.

— Queres ouvir uma coisa? disse ele. Apenas saíres, manda-lhe uma carta.

— Por quê? Crês que...

— Creio que é a hora do golpe.

— Só para a semana poderei sair.

— Não importa, virá a tempo.

Para compreender bem a situação singular em que se achavam estes personagens todos, é mister transcrever aqui as palavras com que nessa mesma noite se despediram Magalhães e Cecília à janela da casa desta: — Até amanhã, disse Magalhães.

— Virás cedo? — Venho às 8 horas.

— Não faltes.

— Queres que te jure? — Não precisa; adeus.
––––––––––––
continua…

Fonte:
www.dominiopublico.gov.br