sábado, 10 de outubro de 2020

Silmar Böhrer (Croniquinha) 10

Neste mundo velho sem porteira - como diz um amigo - são constantes os reclamos de que já não é mais como foi "antigamente " - tanta bandalheira, preconceito, desfaçatez, desrespeito, vida à deriva. Parece verdade que isto é coisa dos nossos dias.

Nas pesquisas para os anais da Academia Caçadorense de Letras sobre "Fatos Históricos de Caçador", achamos um "achado", pequeno livro publicado por autor caçadorense, cujo título é NOSSO MUNDO TÁ VIRADO (Edição do Autor, 1946).

E o mensageiro escreve com verve e linguagem totalmente sáfara, inculta, popular. Domínio de proseador: " Nosso mundo tá virado / anda de pata pro á, / assim há muito tempo / eu vejo o povo falá. / Já preguntei pra muitos, / ninguém sabe me contá / proquê que o mundo / anda de pata pro á ".

Leio, releio, me enleio, permeio ideias e reflito: nosso mundo natural é sempre o mesmo, com suas mutações cíclicas. O que muda com constância é a cabeça do habitante comumente devastador - o bicho-homem.

Por que será que as coisas boas não perduram ?
Por que o avanço traz retrocessos?
Estou mal das ideias, algum abcesso ?
Mundo mau, quero recesso !

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Carolina Ramos (Paixão à Primeira Vista...)



Foi mesmo assim, paixão à primeira vista. Sempre pensei que isso não existisse!

Aconteceu numa tarde, quando eu encerrava as compras natalinas daquele ano. Olhei para ele, ele olhou para mim e os sininhos tocaram! De ambos os lados, talvez? Incendiaram-se os meus sentidos! O verbo ter sobrepujou qualquer outro. Mas, não cedi à tentação, prontamente. Continuei a caminhar sem pressa, examinando, com cuidado exagerado, mercadorias que, por certo, não seriam compradas — demonstrava até certo alheamento pelo que, realmente me interessava.

Caminhei pela grande loja encantando os olhos, fascinada pelas luzes, cores e brilhos que a cada ano despertavam o espírito natalino, transportando almas para um mundo diferente onde, só em dezembro, todos falavam a mesma língua.

Depois de andar à roda, fechei o círculo em frente a ele. E, aí, não deu para esconder, nem disfarçar o meu real interesse.

Fitamo-nos olhos nos olhos e, sem mais ponderações, capitulei — aquele Papai Noel de três palmos de altura, cabelos longos, barbas branquinhas e vestido com requinte, seria meu, sem importar quanto custasse, mesmo porque, com a chegada da bisneta, qualquer quantia seria válida para comprar-lhe um sorriso.

O olhar azul do Bom Velhinho fixou-se no meu, cativando-me em definitivo. Quase voltei a ser criança quando, ao pressionar um botão, ouvi novamente soarem os sinos, a modular canções natalinas enquanto o boneco movia cabeça e braços ao ritmo das melodias. Numa das mãos, um saco de presentes e, na outra, uma lanterna acesa.

Que festa, voltar no tempo e sentir renascer as mesmas ingênuas emoções outrora sentidas!

Um Pai Noel como aquele não poderia faltar numa Noite de Natal em que um pequenino anjo, redundantemente chamado Ângela, fazia seu debut natalino.

Foi mágico o instante em que Angela pousou seus olhos no Papai Noel surpreendente, que se mexia e tocava sininhos invisíveis! Fascinação total! Tanto por parte do anjo, de apenas dez meses de idade, como dos que, enlevados, observavam a cena!

Findo o êxtase, difícil foi estabelecer limites protetores que preservassem a integridade do Bom Velhinho indefeso, exposto à curiosidade exacerbada de duas mãozinhas indóceis. No primeiro descuido, a lanterna trocou de dono, indo parar nas mãos angelicais, que quase a destruíram!

Passados os ecos do Natal, o Dia de Reis exigia que os vestígios natalinos desaparecessem nas caixas, nas gavetas e nos armários. A árvore tradicional, despida de luzes e enfeites, galhos dobrados, sumiu numa caixa comprida, no alto de um armário. O presepe, com carinho desmontado. As velas e os arranjos típicos, que enfeitavam mesas e móveis das salas, recolhidos.

Faltava ele! Só o Papai Noel, com suas barbas branquinhas e lanterna em punho, permanecia no posto, à espera de outra visita de Angela, para que o visse, uma vez mais, antes da sua forçada hibernação até o Natal vindouro.

Passaram-se quinze dias...e… Ângela não veio! Por várias vezes, ao me sentir solitária, acionei aquele botão mágico que me deliciava com melodias escolhidas para prolongar as emoções recentes do que poderia ser, quem sabe, meu último natal.

Questionei-me: — Por que me apegara tanto àquele Papai Noel tão meigo?! Por que não o doara, definitivamente a Ângela, já que evidentemente o comprara pensando nela?! As respostas não foram tão fáceis quanto as perguntas. Tentei justificar-me perante mim mesma; — Talvez porque, inconscientemente, eu quisesse atraí-la para mais perto de mim, para nos deliciarmos, juntas! Ela, com a magia dele emanada. Eu, com o encantamento que as duas presenças me proporcionariam.

Olhei-me, frente a frente, e então, a verdade aflorou. Ângela, minha tão querida bisneta, fora apenas um pretexto para justificar a compra daquele Papai Noel, que um dia será dela!

Simplesmente, porque a magia daquele Velhinho trazia à tona lembranças doces de natais felizes, (tão felizes!) que nunca mais voltarão, é que o fiz descer da prateleira da loja, trazendo-o para casa!

Comprei-o, sim! Impossível negar... comprei-o para mim mesma!

E com tristeza maior... sem mais esperas, engavetei o meu Papai Noel!

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.

Prof. Garcia (Trovas que Sonhei Cantar) 10


Anjo do Bem bate palmas,
mostra as mãos com seus sinais;
sê paz e perdão das almas
que encorpam nossos Natais!
- - - - - -
A solidão - dobra quando,
no fim da tarde, eu medito,
ao ver o Sol se apagando
na solidão do infinito!
- - - - - -
Beijaste a flor ressequida
e a rosa mudou de cor;
teu beijo de amor, querida,
mudou a vida da flor!
- - - - - -
De uma roseira, tão pobre,
que lindo gesto o da flor:
Perfuma a casa do nobre,
enche a do pobre de amor!
- - - - - -
Em minhas preces pequenas,
faço um pedido, e afinal...
Quero apenas Pai, apenas,
ser feliz neste Natal!
- - - - - -
Enquanto a noite se aninha,
a saudade me seduz
e a tarde, bela e sozinha
enche os meus versos de luz!
- - - - - -
Escravo, do teu assédio,
refém de tua ternura,
sofro, por não ter remédio,
para um mal que não tem cura!
- - - - - -
Esse orgulho que te ronda,
que entulha o teu peito aflito;
impede que o amor responda
aos apelos do teu grito!
- - - - - -
Hoje, eu despertei cantando,
molhando os pés no mormaço
das nuvens soltas brincando
tecendo rendas no espaço!
- - - - - -
Lembranças, são pergaminhos,
onde o tempo, por maldade,
vai rabiscando os caminhos
dos perfis da mocidade!
- - - - - -
Não temo o tempo que avança!
Envelhecer, na verdade...
É voltar a ser criança
no fim da terceira idade!
- - - - - -
O artista que a tarde pinta,
mostra aos ateus e ao descrente,
que alguém sem pincel nem tinta
pinta a dor do sol poente!
- - - - - –
O cego percebe o filho,
pelo cheiro do suor!...
Por trás desse olhar, sem brilho,
brilha um olhar, muito maior!
- - - - - -
O poeta encontra meios,
de às vezes, mesmo sozinho...
Ser feliz, sem ter receios
da solidão do seu ninho!
- - - - - -
Por descartar teus conselhos,
mas por teu beijo roubado...
Beijo os teus lábios vermelhos
no guardanapo encharcado!
- - - - - -
Por mais que outro alguém te ofenda,
mantém firme a compostura,
que a mão, do tempo, remenda
a cicatriz da amargura!
- - - - - -
Quando a tarde me entristece,
roubando a luz da razão,
pinta no ocaso uma prece
com versos de solidão!
- - - - - -
Rondando o circo do sonho,
num suspiro derradeiro,
velho, o palhaço tristonho,
diz adeus ao picadeiro!
- - - - - -
Saudade!... Eu sei quem tu és;
e em cada sonho desfeito,
fica a sombra de teus pés
tatuada no meu peito!
- - - - - -
Se a cruz redime o pecado,
seu peso nos leva á Luz...
Eu quero o peso dobrado
nos braços de minha cruz!
- - - - - –
Semeia filho, a semente
do amor, que te dei um dia!...
Que um neto meu, certamente,
há de colher alegria!
- - - - - -
Se o remorso se agasalha,
num coração descontente...
Sem gume, é velha navalha
cortando o peito da gente!
- - - - - -
Somos pobres passarinhos,
que a vida, em seus rituais,
dá-nos os mesmos caminhos
com destinos desiguais!
- - - - - -
Tempo!... ó tu, que me devoras,
não sejas ingrato assim!...
Se és tu, meu pastor das horas,
prendas as horas por mim!
- - - - - -
Vivi tão pouco ao teu lado,
mamãe! Contigo sonhei.
Devia ter te beijado
bem mais, do que te beijei!


Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018.  Livro enviado pelo autor.

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Grande Doutor Altino

Os primeiros jornais e revistas de Maringá tiveram o privilégio de contar com um megaelenco de colaboradores: Dom Jaime Luiz Coelho, Hélenton Borba Cortes, Mário Urbinatti, Túlio Vargas, Ademaro Barreiros, Emílio Germani, Ricarte de Freitas, Luiz Carlos Borba, Ary de Lima, Duque Estrada, Tertuliano dos Passos. E entre eles um que eu costumava chamar de Dom Altino, talvez porque o achasse com jeito de príncipe – o Doutor Altino Borba.

Paranaense de Palmeira, o Doutor Altino formou-se em Direito em 1940 pela Universidade Federal do Paraná. Veio para Maringá no comecinho da década de 1950, porém já chegou aqui com uma biografia bem substantiva. Em Curitiba, no tempo de estudante, havia sido craque de futebol (bicampeão pelo Atlético Paranaense – 1929-30), depois árbitro, cronista esportivo, e durante alguns anos funcionário da Rede Ferroviária Federal. Em Guarapuava, foi vereador, prefeito e suplente de deputado estadual.

Em Maringá, pela sua competência jurídica e notável talento como orador, logo de início conquistou a admiração da comunidade pioneira. Foi também o primeiro professor de língua portuguesa no Ginásio Municipal (precursor do Colégio Estadual Gastão Vidigal) e um dos diretores da Sociedade Telefônica do Paraná, juntamente com o empresário e depois deputado Ardinal Ribas. Nessa função, participou da implantação da telefonia automática na cidade.

Com tanta atividade, Doutor Altino ainda achava tempo para ser jornalista, poeta e apaixonado torcedor do nosso velho e glorioso Grêmio. Escreveu para todos os jornais e revistas que aqui circulavam na época e por longo tempo foi o orador do antigo Clube de Rádio e Imprensa de Maringá, cujo presidente era o inesquecível Ivens Lagoano Pacheco.

Poeta de nascença, deixou um belo acervo de trovas, sonetos e poemas livres e ajudou muito nos primeiros eventos literários da cidade. Lembro-me de um concurso nacional de trovas em que ele presidiu a comissão julgadora. Como vieram mais de mil trovas do Brasil inteiro, Doutor Altino propôs que um de nós fizesse a leitura de uma por uma, em voz alta, para que selecionassemos as melhores como finalistas. Mas qual seria o critério?

Ele explicou: “As que, ao serem lidas, provocarem um arrepio serão consideradas boas; as demais serão de pronto deixadas de lado”. Estava assim inaugurado o “arrepiômetro” como método de avaliação de poesia. E querem saber de uma coisa?... Deu certo. As dez classificadas como vencedoras eram realmente ótimas. Grande Doutor Altino.

De futebol ele gostava tanto que, num certo dia em 1966, sem nenhum rodeio, chegou em casa e perguntou a Dona Stella: “Topas ir à Inglaterra ver a Copa?”. Ela topou. Foram. Na volta ele contou tudo num livro-reportagem que fez enorme sucesso: “Maringá na Taça do Mundo”.

Amou o Grêmio até o último minuto de sua linda vida. Infartou no dia 14 de fevereiro de 1982, no Estádio Willie Davis, no momento em que o Galo do Norte fez o segundo gol contra o Internacional de Porto Alegre, na vitória por 2 a 0. Foi um dos homens mais queridos da história de Maringá.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo - Maringá – 24-9-2020)

Fonte:
Texto enviado pelo autor

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Daniel Maurício (Poética) 5

 


Olivaldo Júnior (O Catador)


Fazia um frio descomunal na Cidade. Quatro, cinco horas da manhã, e lá se ia. Não era velho nem jovem. Estava ao meio da vida e à margem de si. Sussurro seu nome, mas ele não ouve. Nem a ninguém, nem a mim. Sua única preocupação é passar a madrugada nas ruas fazendo o menor barulho possível. Assim, é fácil catar o lixo das casas, que dormem, sonham, esperam o dia. Para ele, o dia não vem. Quando chega, está em casa, na cama, coruja humana que só vai despertar com o primeiro raio lunar em seu rosto. Então, como se fosse um artista, paramenta-se todo e, com a cara limpa, palhaço às avessas, conversa com o cão que cria com restos de janta e se vai. Logo, não é nem mais visto com seu carrinho de lata, com sua cara de quem já teve outra vida. Vivo, fareja a sucata que pode lhe dar um pão mais quentinho, um leite mais puro no dia seguinte. Tento esperá-lo, mas o sono me vence e nunca o encontro. Triste, me deito e, de vez em quando, num sonho qualquer, lá está ele, o catador que se infiltra nas latas de lixo, em nossas calçadas, no vão das lixeiras, em busca de... Não, não pode ser! Detrás de seu rosto, outro rosto se vê! Não, não pode ser!... O catador de meus sonhos, quem diria, sou eu!

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) XVI


AMOR PURO

Meu amor, tu pensas e até às vezes me dizes,
Que o amor, não sendo puro, em si, não cria raízes.
Foi pensando nestas frases, no teu modo de expressar,
Que acabei acreditando que o amor, não sendo puro,
Não chega a germinar.

Mas o nosso amor, querida, tu sabes o quanto é seguro,
Nosso amor é o mais belo,
E o maior amor do mundo.

Graças a Deus te encontrei,
Quando mais eu precisava,
Tu vieste em meu socorro,
Quando tudo em mim faltava,
A mim deste carinho, ternura e compreensão,
Falando coisas tão lindas que alegrou-me o coração.
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ESTOURANDO DE SAUDADE


Vivo a sonhar!
Um sonho que jamais...
Tornasse-a realidade!
Sendo assim morro...
Com o peito estourando de saudade.
Daquela que amei e me deixou.

Minh̛̛ alma e o meu coração.
Já não comportam...
Tanta dor!

Pelo seu gesto brusco e repentino!
Ando no mundo qual um peregrino.
Que já perdeu a esperança no amor!

Ah! Como era belo!
Quando ainda sonhava...
Que tinha encontrado,
Um tesouro valioso!
Pois para mim,
Ela era esse tesouro...
Que me deixava feliz e encantado.
E era eu um eterno apaixonado!

Hoje somente a tristeza impera!
Nesse coração e nessa alma errante.
Que mesmo sem mais esperança!
Seu nome não me sai da mente.
Nem por um instante.
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O TEMPO VAI PASSANDO


Persegue-me infindável
A boca linda e falsa
E com o belo sorriso
Engana a quem ama
Ferindo o coração

E a alma já cansada
Destruindo os sonhos
E matando o amor
Com todo o seu rigor

E o tempo vai passando
E a alma ainda acreditando
No seu belo sorriso
E palavras de carinho
Mas quando descobre
Que está sendo traída
O que ouvia era mentira
E não existia o amor

Aconteceu comigo
Na bela juventude
Conheci alguém
Que dizia me amar
Com seu sorriso, e sua linda boca
E com seu beijo divino
Me fez delirar

Apesar do tempo
Não queria lembrar-me
Do que passou
E de quem me enganou
Mas infelizmente
O coração a tudo gravou
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SENTIDAS LÁGRIMAS


Quando a tristeza nos fere a alma
E a saudade ataca o coração,
É resultado de um amor distante
Que no passado
Nos deu alegria.
E ao nos deixar
Causou decepção.
 
É nos lembrar
De tempos tão queridos,
Onde a tristeza não aparecia,
Nem pensávamos em saudades,
Pois este amor,
Estava conosco todos os dias.

Hoje ao revermos cartas
Ou presentes.
Que nos fora dado,
Pela pessoa amada.
A saudade aumenta velozmente,
Ao revê-las enche-nos os olhos
De sentidas lágrimas.

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Luís da Câmara Cascudo (Carro Caído)


O negro vinha da Aldeia Velha, servindo de carreiro. O carro tinha muito sebo com carvão nas rodas e chiava como frigideira. Aquilo não se acaba nunca.

Sua Incelência já reparou os ouvidos da gente quando está com as maleitas? Pois, tal e qual.

O carreiro era meu charapim (xará): acudia pelo nome de João, como eu.

Deitou-se nas tábuas, enquanto os bois andavam para diante, com as archatas merejando (escorrendo) suor que nem macaxeira encruada.

Levavam um sino para a Capela de Estremoz.

Na vila era povo como abelha, esperando o brônzio para ser batizado logo.

João de vez em quando acordava e cutucava a boiada com a vara de ferrão:

- Eh, Guabiraba!, eh, Rompe-Ferro, eh, Manezinho!

Era lua cheia.

Sua Incelência já viu uma moeda de ouro dentro de uma bacia de flandres? Assim estava a lua lá em cima.

João encarou o céu como onça ou gato-do mato. Pegou no sono, e o carro andando...

Mas a boiada começou a fraquejar, e ele quando acordava, zás! - tome ferroada!

Os bois tomaram coragem à força. Ele cantou uma toada da terra dos negros, triste, triste, como quem está se despedindo. Os bois parece que gostaram e seguraram o passo.

Então ele pegou de novo no sono.

Quando acordou, os bois estavam de novo parados.

- Diabo!, e tornou a emendá-los com o ferrão!

A coruja rasgou mortalha. João não adivinhou, mas a coruja era Deus que lhe estava dizendo que naquela hora e carregando um sino para a casa de Nosso Senhor não se devia falar no Maldito.

Gritou outra vez:

- Diabo!

O Canhoto então gritou do Inferno:

- Quem é que está me chamando?

João a modo que ouviu e ficou arrepiado. Assobiou para enganar o medo; tornou a cantar a toada, numa voz de fazer cortar o coração, como quem está se despedindo.

Pegou ainda no sono uma vez. A luz da lua escorrendo do céu era que nem dormideira!

Quando acordou - aquilo só mandando! - a boiada estava de pé.

- Diabo!

O Maldito rosnou-lhe ao ouvido:

- Cá está ele!

E arrastou o carro para dentro da lagoa com o pobre do negro, os bois e tudo. Ele nem teve tempo de chamar por Nossa Senhora, que talvez lhe desse socorro.

Mas ainda está vivo debaixo d'água, carreando...

Sua Incelência já passou por aqui depois da primeira cantada do galo no tempo da Quaresma? Quando passar, faça reparo: – canta o carreiro, chia o carro, toca o sino e a boiada geme...

Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Lendas Brasileiras para Jovens.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Arquivo Spina 16 (José Feldman)

 


Aparecido Raimundo de Souza (Coriscando) 1: Se Eu Contar, Ninguém Acredita

 


FUI BUSCAR MEUS AVÓS na rodoviária e, quando chegamos na portaria do prédio onde eu morava com minha família, ao procurar pelas chaves (havia esquecido principalmente a da entrada do edifício), toquei o interfone. Na primeira e segunda vez, ninguém deu sinal de vida. Insisti e, finalmente, na sexta vez, a Francisca, nossa empregada, atendeu, afobada:

— Quem é?

— Abre, Francisca.

— Quem é?

— Eu...

— Eu quem?

— Troncoso

— Ok. Abriu?

— Não...

— Abriu?

— Não...

— E agora?

— Abriu.

Neste interregno, entre o chato indigesto e causticante do abre e o não abre do mecanismo ao ser acionado, meu avô Serafim (lá do interiorzão de Andirá, no Paraná), exumou da sua cabeça branca um velho ensebado e surrado chapéu de palha, se virou para minha avó Lucinda e observou, muito sério:

— Tá vendo, amor? Vê se pode! Nosso neto pensa que somos besta. Espia! Está falando com a parede.
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Nota: Coriscando é o título alusivo a série de contos/crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, que hora se inicia, referente a Corisco (faísca, brilho instantâneo), por serem muito breves. Nome sugerido pelo autor do blog, ou seja, eu, José Feldman.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Cecim Calixto (Cajado de Sonetos) VI


CADÊNCIA E RIMA

E com razão eu idolatro a musa,
Por ela eu tenho excepcional encanto.
Se alguém a enfrenta em formação confusa
Sofre o reverso e se debruça em pranto.

Quando tropeço tenho logo a escusa,
Recebo aplausos quando é belo o canto.
E quando a quero ela jamais recusa
E a gentileza é de causar espanto.

Não deixarei esta paixão genuína,
Pois seu carinho é de elegância fina
Na conclusão do pensamento extremo.

Brado ao sentido que do peito arranco,
Uso a textura e a divergência tranco
Para elevá-la ao pedestal supremo,
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ELA GOSTA DE MIM

A inspiração está chegando intensa
E como sempre com perfil prendado.
E a pena minha satisfeita pensa
Que novamente vou sair premiado.

Por ela meu amor torna-se crença,
Por isso a cuido com denodo agrado.
Se está comigo não permito a ofensa
Nem no esmerado verso algum quebrado.

Ela merece o pedestal da glória
E é dela toda singular história
Da perfeição que vou lhe dar um dia.

Esta humildade se tornou tão franca
Que desfraldei minha bandeira branca
À santa guerra à prosa sem poesia.
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ETERNAMENTE VIVO

O nome Dela me enternece ainda
E traz a paz da qual viver consigo.
E Ela percebe que será bem-vinda
Com todo ardor de verdadeiro amigo.

O amor primeiro é a estação mais linda
No calendário que a cultuar prossigo.
Reminiscência que o passado brinda
O coração de quem lhe deu abrigo.

É na velhice que a saudade aponta
Certo ciúme não levado em conta
Pela indulgência carinhosa e boa.

Certas lembranças de tamanho gosto
Trazem rubores ao vetusto rosto
Se as confidências o presente entoa.
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FORA DA VEZ


Ela me disse: "Você que escreve, Cecim, faça
Agora algo, olhando para mim,
Sobre o final da vida


A tia Zaine, extremamente terna,
Tem o segredo de acolher família.
E no seu rosto a floração materna
Ressalta o olhar que de ternura brilha.

Mostra carisma na oração fraterna
E nos conselhos o esplendor da trilha.
Aos descendentes, na razão moderna,
Transmite agrado que a emoção fervilha.

O seu pedido atenderei depois...
Saiba, querida, que terá nós dois
Sempre ao seu lado, sem dizer-te talvez!

A nossa vida está ligada à sua
E o seu recado no meu senso atua,
Porém... espere... não chegou a vez.
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SAGRADA MISSÃO


Às delicadas mãos de um padre amigo
Eu fiz chegar um livro meu versado.
Certeza eu tinha, não daria abrigo
Às más versões meu espontâneo agrado.

Escrevo verso no modelo antigo:
Cadência e rima sem nenhum enfado,
E a presenteá-lo, com prazer, prossigo
A quem cultua esse pendor amado.

Com devoção nesta missão eu sigo
Porque recebo onde plantar o trigo
E a terra boa que à colheita induz.

Bem certo estou de que o cristão aceita
E está comigo na missão perfeita
De expor o verbo da divina luz.

Fonte:
Cecim Calixto. Flores do meu cajado: sonetos. Curitiba: Juruá, 2015.

Sammis Reachers (Como Quem Guarda uma Cidadela)


Fiz o bolo preferido dele, chocolate com recheio de chantilly. Todo ano eu faço seu bolo. Meu bebê. Que Deus cuide de você, meu anjinho!

Acordei cedo pra limpar o quarto dele. Avisei à dona Eurásia que não trabalharia; ela, cada vez mais velhinha e dependente, me pareceu entristecida ao telefone, mas entendeu. Sempre entende, desde o primeiro ano. Troquei a roupa de cama, passei pano no chão. Peguei pra lavar o velho boné da Porto da Pedra, onde ele era ritmista. Não era muito do samba, mas dizia que participava em memória do pai, um dos fundadores da escola, com quem só conviveu até os sete anos, que a cachaça o levou.

Hoje é o Dia Onze de Agosto, o principal dia da vida, o principal dia desse mundo morno. O dia do meu meninão. São oito anos que choro este dia, comemoro, me esparramo por dentro. Há oito anos que meu único filho, Godrigo, saiu de casa para se divertir. Iria a um baile funk, uma desgraça de baile funk, mas ele gostava. O baile era do outro lado da Baía de Guanabara, na cidade do Rio. Bairro de Vila Kennedy. Tanto baile aqui nos bairros de São Gonçalo, na Covanca, no Salgueiro... Foi sozinho, que meu menino era assim, tinha seus defeitos, mas não era de andar de patota.

Todos os anos, em janeiro e setembro, vou até a 34ª Delegacia Policial, em Bangu. Nunca há informações sobre o caso; mas não desisto, sou mãe, sou a persistência. Um dia o caso se esclarecerá... Ser mãe é não ter opção.

Na delegacia os policiais mudam, mas não o destrato. Devem aprender na academia, se é que isso existe. Ou desaparecidos há muitos, e eles já não se importam. Quem sabe é a velha norma pátria, a reação à cor de nossas peles, que define a saudação, seja sorriso, seja disparo, que se colhe?

Nos olhares arredios, de desinteressados a cínicos, percebo que querem, anseiam por dizer, ainda que num jato de vômito: “Seu filho está morto, dona. Pare de nos aporrinhar”. Mas não dizem. E que diferença faria? Sem corpo não há evidências, e eu mantenho minha esperança como quem zela pela própria honra, como quem guarda uma cidadela.

Quando faço café pela manhã, oito anos, meu Deus!, ainda me pego distraída, colocando pó suficiente para dois cafés. Um dia talvez ele entrará por aquela porta, e poderá estar sujo, fedido, esfarrapado; pode vir sozinho ou já com uma família, com um neto. Eu vou esperar. Um dia depois do outro.

Num sábado em maio, na véspera do Dia das Mães, fui a uma reunião de mães de desaparecidos. Lá ganhei um livreto de informações sobre a ONG que promovia o encontro, e no livrinho havia muitas frases sobre o que é ser mãe. Muitas delas tão bonitas que cheguei a decorar, e vou bordar num pano de prato para deixar na cozinha.

Em meio a tantas frases bonitas, uma ali me perturbou. Achei triste, mas depois entendi, alguma coisa em mim entendeu. E aquilo foi estranho, aquela frase me deu força, me amamentou. A frase é de uma pessoa chamada Maeterlink, não sei se homem ou mulher pois dela nunca ouvi falar: “As mulheres jamais se cansam de ser mães: embalariam até a Morte, se ela viesse dormir em seus joelhos.”

É difícil de entender. E ao mesmo tempo é isso.

Com o tempo uma mãe sozinha como eu, “viúva de pai e filho”, a quem o mundo lá fora tanto fez para apequenar, sem perceber vai ficando tão maior que a morte que quando dá por si já não a teme; vai cabendo nela que a morte não pode lhe arrancar o estado de mãe. Mesmo doído, o coração se agiganta, passa por sobre a morte e suas aparências como um trator.

Vivo ou morto, meu filho é eterno. Tudo se resume a uma medida de distância.

Uma mãe é tão maior que a morte que chego a sentir verdadeira piedade dos que não me entendem, dos que meneiam a cabeça quando me veem passar; sinto mesmo uma profunda pena desses que sentem essa tão rasa pena de mim.

Fonte:
Texto enviado pelo  escritor.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Rudyard Kipling (Como o Camelo Ganhou a Corcova)


No início dos tempos, quando o mundo era tão novo, e tudo o mais, os animais mal estavam começando a trabalhar para o homem, havia um camelo que vivia no meio de um deserto dos lamentos, porque não queria trabalhar; além disso, ele próprio era um lamentável absurdo. Comia galhinhos, espinhos, plantinhas, doído de tão preguiçoso; quando alguém falava com ele, só dizia:

- Uma ova! - só isso - uma ova! - e nada mais.

Uma manhã de segunda-feira, o cavalo chegou para ele, sela às costas e freio na boca, e disse:

- Camelo, ó camelo, venha aqui trotar conosco.

- Uma ova! - disse o camelo - e o cavalo foi embora e contou para o homem.

Veio o cachorro, com uma vareta na boca e disse:

- Camelo, ó camelo, venha aqui catar conosco.

- Uma ova! - disse o camelo - e o cachorro foi-se embora e contou para o homem.

Depois veio o boi, com uma cangalha no pescoço e disse:

- Camelo, ó camelo, venha aqui arar conosco.

- Uma ova! - disse o camelo - e o boi foi embora e contou para o homem.

No fim do dia, o homem chamou o cavalo, o cachorro e o boi e disse:

- Três, ó três, lamento muito por vocês (nesse mundo tão novo-e-tudo-o-mais); mas aquela coisa-ova no deserto não consegue trabalhar, senão já estaria aqui agora. Por isso, vou deixá-lo sozinho lá e vocês vão ter que trabalhar dobrado para compensar.

Isso deixou os três furiosos (naquele mundo tão novo-e-tudo-o-mais) e foi um palavrório, uma confusão, um comício escandaloso na beira do deserto. O camelo veio mascando uma mamona, doído de tão preguiçoso e ficou rindo deles. Depois disse:

- Uma ova! - e foi-se de novo.

Veio chegando o Djinn que reinava sobre todos os desertos, rolando numa nuvem de poeira (os Djinns sempre viajam assim, porque é magia), e parou para um palavrório e um comício escandaloso com os três.

- Djinn de todos os desertos - disse o cavalo - pode alguém ser tão preguiçoso, nesse mundo tão novo-e-tudo-o-mais?

- Certamente que não - disse o Djinn.

- Bem - disse o cavalo - tem uma coisa no meio do deserto dos lamentos (e ele é o próprio lamentável absurdo) com um pescoço comprido e pernas compridas, que não moveu uma palha de trabalho desde a manhã de segunda-feira. Ele nem trota.

- Puxa! - disse o Djinn, dando um assovio - é o meu camelo, por todo o ouro da Arábia! O que é que ele diz disso?

- Ele diz "uma ova!" - disse o cachorro - e nem pega nem carrega.

- Ele diz alguma outra coisa?

- Só "uma ova!" e ele nem ara - disse o boi.

- Muito bem - disse o Djinn - eu vou ovacioná-lo, se vocês fizerem a gentileza de esperar um minuto.

O Djinn se enrolou no seu casaco de poeira, determinou sua posição no deserto e achou o camelo doído de preguiça, olhando seu próprio reflexo numa poça d'água.

- Meu amigo comprido e borbulhante - disse o Djinn - que é que eu ando ouvindo de você não querer trabalhar, nesse mundo tão novo-e-tudo-o-mais?

- Uma ova! - disse o camelo.

O Djinn sentou-se, queixo na mão, e começou a pensar numa grande magia, enquanto o camelo continuou olhando seu reflexo na poça d'água.

- Você fez os três trabalharem dobrado desde a manhã de segunda-feira, só porque fica doído de preguiça - disse o Djinn - e continuou pensando magias, com o queixo na mão.

- Uma ova! - disse o camelo.

- Eu não repetiria isso, se fosse você - disse o Djinn - você pode falar demais da conta. Bolas, eu quero que você trabalhe.

E o camelo disse:

- Uma ova! - de novo.

Mas logo que falou, viu suas costas, das quais tinha tanto orgulho, estufando, estufando, até virar uma enorme corcova.

- Viu só? - disse o Djinn - foi a sua própria preguiça que você trouxe como um peso às suas costas, por não querer trabalhar. Hoje é quinta-feira e você não trabalhou nada desde segunda, quando começou o trabalho. Agora, você vai trabalhar.

- Como é que eu posso - disse o camelo - com essa corcunda nas minhas costas?

- Foi de propósito - disse o Djinn - porque você faltou esses três dias. Agora você vai poder trabalhar três dias sem comer, porque você vive da sua corcunda-uma-ova, que vai ser sua corcova; e nunca diga que nunca fiz nada por você. Saia do deserto e vá com os três, comporte-se. Corcove-se!

E o camelo corcoveou-se, corcova e tudo, e foi juntar-se aos três. E desde aquele dia, o camelo sempre teve uma corcova-uma-ova (a gente chama de corcunda, hoje, para não magoá-lo, lembrando "uma ova!"); mas ele nunca compensou os três dias que faltou no começo do mundo; e até agora ainda não aprendeu a se comportar.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Carina Bratt (Quase)


Para Luiz Fernando Veríssimo a quem atribuíram um ‘Quase’, que ele jura de pés juntos que nunca  escreveu.
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Não fosse por ele, o QUASE, eu não estaria mais aqui. Acho que em nenhum lugar. Ao menos, respirando, sorrindo, curtindo e vendo a vida em toda a sua plenitude, beleza e graça, formosura e elegância. Não fosse por ele, Meu Deus!...

Não fosse por ele, o QUASE, com a sua velhacaria e altivez, sua percepção e esperteza, sua dedicação e carinho, agora, neste momento, eu estaria sozinha, solitária, vagando feito uma peregrina desmiolada nos trópicos malditos.

Certamente, para variar, com o coração em frangalhos, batendo descompassado, desvairado, numa espécie de arritmia tresloucada, como uma palpitação desconexa, sem saber o que fazer, que atitude tomar, e pior de tudo, por qual caminho seguir, e o mais importante ainda: como ir em frente, avançar, seguir, seguir, seguir e seguir...

Exatamente: seguir. Eis o ponto. Seguir, caraca, para onde?! Foi e quero crer nisto. Foi por ele, foi por ele sim, pelo QUASE, num raro momento de conformação interior que consegui me manter em pé.

Algo, reconditado em meu interior, que deveria ter se apagado, permaneceu inalterado, intocadamente camuflado. Em nenhum momento se melindrou, nem se feriu, como aquela florzinha virgem, ainda não totalmente socializada pelo frescor de outras plantas do imenso jardim que floresce e cerca a nossa primavera de modo particular.

Todas nós temos uma primavera eterna em nossas vidas. Apenas, por questões outras, pela miopia catastrófica da nossa cegueira, não conseguimos divisar ou entrever, perceber e descortinar de uma vez para sempre, como seria o certo e o justo.

Por isso, euzinha entrava e saia, saia e entrava, numa espécie de labirinto intrínseco e despropositado. Me via alvoroçada, desordenada, confusa, balburdiada, literalmente acorrentada num semi-escuro seguindo como uma 'nômada', sem destino certo, sem saber para onde ir, tipo um barco sem rumo, à deriva, prestes a ser engolida por um mar raivoso.

O mar é um eterno ser tristonho, como uma pessoa que vive a choramingar. Furioso e malvado, o mar em seu oceano de águas, espanca as pedras do litoral que bloqueiam o seu passar. Daí, viver se lastimando para o sol radiante e o luar feérico, dizendo que não se acalmará jamais.

Neste tom de cores, as mais variadas que enfeitam meu agora mítico, confesso, não fosse por ele, repito, não fosse por ele, o QUASE prestimoso e amável, diligente e benéfico, eu continuaria encarcerada em meus medos e ansiedades, voragens e fobias, pavores e receios, deixando de perceber o mais importante: atrás de mim, logo ali, ao meu alcance (bastava me virar). Havia um milagre.

Eu não perdi  tempo. Me virei. Sem pestanejar, me virei e estava, ou melhor, percebi que havia às minhas costas um mundo envolvente, calmo, tranquilo, espetacular, me esperando, me aguardando, me vigiando, de braços abertos, apesar de meus escuros tenebrosos e de meus pavores e assombramentos, fraquezas e sobressaltos. Eis o milagre celebrado em todo o seu arrojo e, bravura, galhardaria e generosidade.   

Não canso de repetir e o farei infinitamente enquanto a vida eu tiver. Foi por ele, por ele foi, quase perdida a lembrança de tudo, incluindo a magia de eu ter regressado um passo à retaguarda. Foi por ele, sem sombra de dúvidas, que estanquei meus passos, por ele me virei e a minha estrada voltou a ser como dantes.

Asfaltada por novos sonhos, coberta por quimeras ainda não vívidas; pavimentada por esperanças e devaneios; idealidades e afigurações que nem eu mesma pensava existirem dentro de meu âmago.

De repente, como um pássaro aprisionado que o destino abriu a portinhola da gaiola, eu escapei de todos os malefícios, de todos os dissabores e corri pressurosa num mavioso voo esguio. Graças ao QUASE.

Descobri, em todas nós, meninas e mulheres, jovens e não jovens, mais hoje ou amanhã, ainda que demore o depois, não importa. Seremos beneficiadas pelo QUASE. Sempre haverá um à nossa espreita, esperando o momento certo de nos levar para cima, de nos fazer aflorar para a vida plena.

Devemos esquecer o sombrio ‘QUASE morri; QUASE caí na besteira de fechar a porta para a felicidade; o lastimoso QUASE desisti de meus sonhos; o insondável QUASE fui à ruína de minha vida inteira; o degradante QUASE me atirei da ponte buscando a morte num suicídio agourento, cruel, danoso, inevitável e decisivamente letal...’.

O suicídio em meu entendimento, é visto pelos fracos como uma luz muito forte e intensa, todavia, acesa no fim de um túnel imaginário. Quando tudo parece sombrio, devemos pensar no QUASE como uma dádiva inesperada, uma porta secreta de escape, como uma rota de fuga que se fez materializada.

‘QUASE fui, o QUASE, entretanto, me salvou.’ Em resumo, o QUASE para mim, ou melhor posto, para nós, para todas nós, deve ser sempre encarado como um alento, uma bafagem  de robustez um misto de sonhos e realidades, entusiasmos e animações, com fartos recheios de alegrias e júbilos, euforias e exultações. Me empolguei tanto com o QUASE que quase me esqueci de colocar um ponto final. Pronto. Ponto final. Domingo que vem  eu volto.

Fonte:
Texto enviado por Aparecido Raimundo de Souza. .

Arquivo Spina 15 (Maura Luza Martins Frazão)

 


Rubens Luiz Sartori (Aposentadoria em Versos)


Excelentíssimo senhor
doutor Gilberto Giacota,
digno geral-procurador,
onde o 'parquet' se apóia:

Venho por meio desta,
à augusta procuradoria;
chapéu tapeado na testa,
pedir a aposentadoria.

Cumpri minha sina gaudéria,
fui promotor trintenário.
Sempre esclareci a matéria.
Sempre cumpri meu horário.

Comecei nos anos setenta,
com a máquina manual,
sem ter telefone, nem fax,
faltava até material.

Iniciei por Marialva;
não conto nada por prosa.
Trabalhei em São Jerônimo,
fui o primeiro de Barbosa.

No começo dos oitenta,
eu fui pra Engenheiro Beltrão,
lá eu fiquei por três anos,
e mais de quinze em Campo Mourão.

Campo Mourão, com amor,
abrigou-me desde piá:
de açougueiro a promotor.
Os meus ossos guardará.

Termino aqui em Maringá,
boa terra onde me formei;
meu filho hoje cá está,
no Direito que lhe ensinei.

Para minha filha caçula,
que dos dezoito já passou,
e vai ser Engenheira Química,
a minha benção a ela dou.

Agradeço à minha Jussara,
esposa de bom coração.
Ao seu lado tudo sara,
até a dor da ingratidão.

Ao meu pai, o seu Gastone.
À minha mãe, a dona Olga.
Como som de gramofone,
Casal simples, mas que empolga.

A minha beca desbotada
foi a estola de meu centro;
quanta vez saiu suada,
dos debates noite adentro.
Sai bem rota, mas honrada.

Continuo no magistério,
lecionando na Fecilcam;
ensinando, sem mistério,
o alunado da Comcam.

Sei que é cedo pra ir embora,
mas eu já estou de tardezinha.
Fiz da minh'alma minha espora,
pra cavalgada que é só minha.

Vou-me apenas pra mais perto,
dos meus dias nesta terra.
E saio firme e mui esperto,
para o só meu tempo de espera.

Sempre fui do interior.
Nunca corri em promoção.
Fiz carreira um penhor:
"Ser promotor com paixão".

Deixo o cargo consciente
de que não fui muito brilhante;
porém, sempre independente;
jamais fui inoperante.

Devo tudo o que eu sou
à nossa Instituição;
"até sempre" e a Ela dou,
minha eterna gratidão.

Ao meu Ministério Público,
não desejo dizer adeus.
Quero, e o coração em júbilo,
rogar-lhe a bênção de Deus.

Obrigado, meus colegas,
do trabalho e da verdade;
sempre tenham deste amigo
o respeito e a amizade.

E assim descrito, Excelência,
singelo, e sem rebuscamento,
dê-me ir-me com decência;
dê-me, enfim, deferimento.

Fonte:
Blog da Roberta Carrilho

Malba Tahan (Aprende a Escrever na Areia...)


Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas longas estradas que recortam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia. Eram nobres e ricos e faziam-se acompanhar de servos, ajudantes e caravaneiros.

Chegaram, certa manhã, às margens de um grande rio barrento e impetuoso. Era preciso transpor a corrente ameaçadora. Ao saltar, porém, de uma pedra, Mussa foi infeliz e caiu no torvelinho espumejante das águas em revolta.

Teria ali perecido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib. Este, sem a menor hesitação, atirou-se à correnteza e livrou da morte o seu companheiro de jornada.

Que fez Mussa?

Ordenou que o mais hábil de seus servos gravasse na face lisa de uma grande pedra, que ali
se erguia, esta legenda admirável:

Viandante:
Neste lugar, com risco da própria vida, Nagib salvou, heroicamente, seu amigo Mussa

Feito isto, prosseguiram, com suas caravanas, pelos intérminos caminhos de Allah.

Cinco meses depois, em viagem de regresso, encontraram-se os dois amigos naquele mesmo local perigoso e trágico.

E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar à sombra acolhedora do lajedo que ostentava a honrosa inscrição. Sentados, pois na areia clara, puseram-se a conversar.

Eis que, por motivo fútil, surge, de repente, grave desavença entre os dois companheiros. Discordaram. Discutiram. Nagib, exaltado, num ímpeto de cólera, esbofeteou, brutalmente, o amigo.

Que fez Mussa? Que farias tu, em seu lugar?

Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando tranquilo o seu bastão, escreveu na areia
clara, ao pé do negro rochedo:

Víandante:
Neste lugar, por motivo fútil, Nagib injuriou, gravemente, seu amigo Mussa

Surpreendido com o estranho proceder, um dos ajudantes de Mussa observou respeitoso:

— Senhor! Da primeira vez, para exaltar a abnegação de Nagib, mandasses gravar, para sempre, na pedra, o feito heroico. E agora, que ele acaba de ofender-vos tão gravemente, vós vos limitais a escrever, na areia incerta, o ato de covardia! A primeira legenda, ó xeique!, ficará para sempre. Todos os que transitarem por este sítio dela terão notícia. Esta outra, porém, riscada no tapete de areia, antes do cair da tarde, terá desaparecido como um traço de espuma entre as ondas buliçosas do mar.

Respondeu Mussa:

— A razão é simples. O benefício que recebi de Nagib permanecerá, para sempre, em meu coração. Mas a injúria... essa negra injúria... escrevo-a na areia, como um voto, para que, se depressa daqui se apagar e desaparecer, mais depressa, ainda, desapareça e se apague de minha lembrança!
* * *

Eis a sublime verdade, meu amigo! Aprende a gravar, na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizerem, as palavras de carinho, simpatia e estímulo que ouvires.

Aprende, porém, a escrever, na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias, que te ferirem pela estrada agreste da vida.

Aprende a gravar, assim, na pedra; aprende a escrever, assim, na areia... e serás feliz.

Fonte:
Malba Tahan. Lendas do deserto. Publicado originalmente em 1929, com prefácio de Olegário Mariano.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Arquivo Spina 14 (Antonio Queiroz)

 


Fábulas (A Aranha e o Mosquito)


Um mosquito voava despreocupadamente nos ares, quando se sentiu preso na teia da Aranha. Estava a fazer esforços para libertar-se quando a Aranha se aproximou dizendo-lhe com voz ameaçadora:

- Não se mexa tanto assim, cavalheiro, que acabará quebrando as malhas de seda da minha teia.

- Senhora, ajude-me a libertar-me - pediu o mosquito, delicadamente.

- Está aí uma coisa que não posso lhe fazer - declarou a Aranha. O cavalheiro, invade violentamente a minha propriedade e ainda me pede que eu lhe abra a porta para sair!

- Perdão, senhora, não invadi a sua propriedade Eu vinha voando e, quando dei por mim, estava preso a estas malhas. Foi sem querer.

- Não posso acreditar que, sendo o espaço tão vasto ainda mais para um mosquito, o amigo viesse, sem querer, esbarrar na minha casa.

- Palavra de honra de Mosquito. Não tive intenção de ofendê-la. Não me passou pela cabeça o mais vago propósito de invadir a sua propriedade.

E com a voz mais doce desse mundo:

- Agora, que já dei minhas satisfações necessárias, peço à querida amiga que me ajude a voltar à minha liberdade.

A Aranha replicou imediatamente:

- Vontade não me falta, senhor, mas isso é impossível.

- Por quê?

- Cada um de nós preza o seu nome. O mundo está cheio da boa fama das aranhas. Seria um erro eu destruir essa boa fama, depois de a conquistar com tanto sacrifício.

- Não compreendo.

- Eu o farei compreender. No começo do mundo quando construí a primeira casa, os voadores vinham esbarrar nas minhas malhas, quebrando-as, rompendo-as. Para acabar com tal abuso, resolvi que todo aquele que eu apanhasse nos fios de minha rede, na minha rede ficaria para me servir de alimento. A notícia dessa resolução espalhei-a largamente pelos ares. Não houve quem não tivesse conhecimento dela. Apesar disso, de quando em quando, aqui vêm ter mariposas, pirilampos, libélulas e toda a sorte de bichinhos miúdos. Procedo igualmente com todos. Devoro a todos, todos, sem exceção.

E, arrepiando dignamente os pelos veludosos.

- Ora, se eu puser o amigo em liberdade, que se dirá de mim? Dir-se-á que eu não sei fazer justiça. O cavalheiro, decerto, não quererá que eu fique desmoralizada.

Mal acabou de falar, uma abelha, que voava nas proximidades, ficou presa nas malhas da teia. Em seguida, um besouro. Muito depois, um grilo.

- Está vendo? - disse a Aranha ao mosquito. Todos os que estão ficando presos na rede, da rede não mais sairão. A boa justiça é aquela que é igual para todos.

Naquele momento, um gavião vinha voando rumo da teia.

- Se ele não se desviar, é mais uma vítima, murmurou o mosquito penalizado. E o gavião não se desviou. Rompeu os fios, fez um grande rombo nas malhas, passou e foi-se embora.

Quando o mosquito olhou a Aranha, ela estava num cantinho, encolhida, trêmula e assustada.

- Que foi isso, senhora? bradou o prisioneiro. Não viu nada? Não viu o estrago que o gavião fez na sua casa? Que a reduziu a frangalho?

- Não tem importância. Eu a conserto facilmente.

- Mas ele invadiu a sua propriedade. Que justiça é a sua, senhora? Por que não o aprisionou para a sua mesa, como fez comigo, com a abelha, com o grilo, com o besouro? Fale! Fale!

- Quer saber por quê? Porque não gosto de carne de gavião, respondeu a Aranha com ar de pouco caso.

Moral da Estória:
Aos poderosos tudo se desculpa, aos fracos nada se perdoa.


Fonte:
Universo das Fábulas

Aparecido Raimundo de Souza (Parte Vinte e Um) Fora dos trilhos


ALOÍSIO PEGARIA o trem às sete e trinta da manhã de sexta-feira, impreterivelmente. Nenhum minuto a mais, nem a menos. Preparou as malas. Reviu item por item o que pretendia levar na bagagem. Dormiria cedo. Nada de televisão, esta noite. Antes de se recolher botou o celular para despertar às cinco. Ligou para Ana, sua noiva. Meia dúzia de palavras. Dia seguinte teriam mais de quinze horas para ficarem juntos num passeio que prometia ser inesquecível. Trocaram carinhos. Beijos e juras de amor. O essencial para manter acesa a chama do coração. Desligaram simultaneamente com um meloso “boa noite, durma bem. Te amo”.

***

Às cinco horas em ponto, o celular despertou Aloísio de um sono gostoso. Pulou da cama ligeiro e correu para o banheiro. Fez a barba, tomou banho, vestiu as roupas novas que havia comprado. Discou para a noiva às cinco e trinta. Ela estava pronta, esperando a ligação:

— Falta só engolir o café que a mãe fez, amor, e comer um pãozinho com manteiga.

— O trem sai às sete e meia em ponto.

— Legal. Estarei lá.

— Então, até...

— Até.

— Te amo!

— Eu também.

***

Do bairro onde ficava a casa de Aloísio até a estação, meia hora. Dava para fazer o percurso a pé, caso optasse por não pegar ônibus lotado. Talvez, por isso, Aloísio tenha, realmente, resolvido caminhar. Geralmente, àquela hora, apesar de ser o último dia útil, os passageiros dos coletivos andavam iguais a sardinhas em lata. O quadro não mudava nunca. Somado a isso, o inconveniente da galera, aglutinada (apesar do desodorante e do perfume baratos), conservava os sovacos cheirando a bacalhau apodrecido. Pensando nesses contratempos, saiu e se pôs em marcha, com uma boa margem de antecedência. Quando Ana saltou, do outro lado da pista, ele igualmente descia as escadas de acesso à estação ferroviária, trazendo, à reboque, uma bolsa enorme. Foi a jovem quem o avistou primeiro. Levantou os braços e gritou:

— Beeeeeem... Espere.

Aloísio ouviu a voz da consorte na segunda chamada. Deteve os passos. Ana cruzou a avenida movimentada, usando a passarela enorme que se estendia de um lado a outro, indo afluir, de frente, ao átrio de embarque. A sombra da beldade passava por cima dos ônibus e carros com tanta velocidade, que sequer dava para ver ou medir o tamanho da sua euforia delineada no asfalto abarrotado de rodas e pneus. Depois de um amontoado de beijos e abraços à volta ao mundo real:

— Vamos nessa?

— Demorô.

— Que horas?

— Sete em ponto.

— Temos ainda trinta minutos.

— O trem nem encostou...

— E não chegou muita gente, pelo visto.

— Mas observe que está tudo aberto.

— Percebi.

— Dá tempo pra comprarmos alguma coisa pra comermos pelo caminho, se você quiser. Embora eu ache que não seja preciso. Mamãe fez cachorros quentes e sanduíches de mortadela e queijo.

—Tem razão, amor. Vamos economizar. Sua sogra mandou frutas, biscoitos e dois litros de refrigerantes, além daquele bolo de chocolate que faz você lamber os beiços.

***

O chefe da estação, de andar lento e cansado (lembrava o velho e obeso sargento Garcia da série Zorro) barrou os dois à roleta de acesso à plataforma:

— Bom dia, meus amados. Vocês dois pretendem ir para onde?

— Pegar o trem.

Risos.

— O trem? Meus filhos, a esta hora ele está bem longe daqui. Outro, agora, só amanhã...

— O trem partiu? Como? O horário de saída não é às sete e trinta?

— Perfeitamente. Só tem um probleminha: que horas no seu relógio?

— Sete e vinte.

— E no seu, moça?

— Sete e dezenove.

— Desculpe. São oito horas e vinte e cinco minutos. Só para lembrar aos pombinhos: o horário de verão começou ontem, à meia noite. Pelo visto, vocês dois empacaram no horário velho. Posso dar uma sugestão? Troquem os tiquetes para amanhã, ou se preferirem, para o próximo final de semana. Os valores pagos não se perdem. Valem por um ano.

— Oh my God!...

— Não acredito! Amor, que mico. Racha a cara!...

Aloísio, na verdade, se esquecera de adiantar os ponteiros. Ana também, levada pela euforia de saber que passaria um final de semana inteiro com seu príncipe encantado. Vencido o impacto do primeiro choque, e depois de trocados os bilhetes, ambos se retiraram cabisbaixos e chorosos, procurando refúgio na onda gigante da tristeza frustrante que de repente os envolveu.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor

domingo, 4 de outubro de 2020

Zaé Junior (1929 – 2020)


Zaé Mariano Carvalho de Nascimento Junior é o nome inteiro de Zaé Junior.

Nascido em Botucatu, interior de São Paulo, em 8 de junho de 1929, mas na década de 1930 mudou-se para a capital paulista. Desde os 10 anos fazia sonetos a 4 mãos com seu pai. A música também entrou em seu coração e Zaé aprendeu sozinho a tocar violão e piano.

Gostava também de desenhar e com isso ganhava uns “trocados”, para ir ao cinema ou algum passeio. Fazia “caricaturas”. Adorava desenhar, mas trabalho prá valer foi na Serviços Holerit, desenhando letras muito miúdas, para pagamento de funcionários públicos. Zaé estava com 14 anos. Passou depois a fazer “histórias em quadrinhos”, pequenos trabalhos em revistas. Em seguida foi para a Rádio Cosmos, e depois para a Rádio Gazeta. Ao mesmo tempo cursava Filosofia na USP. Casou-se cedo, com uma colega de faculdade e tiveram duas filhas: Cibele e Cilena. Prestou concurso público para a rede estadual de ensino e tornou-se professor.

Aí já estava na televisão. Esteve na Tupi, onde produziu nos anos 1950, o “Capitão Estrela”, na Excelsior, na Record, indo em seguida para uma agência de publicidade.

E foi aí que o rapaz eclético encontrou seu grande campo: no departamento de criação de várias agências. Sua vida sempre foi inteiramente louca: dava aulas à noite, trabalhava em mais de um jornal ao mesmo tempo, escrevia para revistas, trabalhava em rádio, em televisão e em agências de publicidade. Cinema de propaganda criou e dirigiu mais de 2000 trabalhos. Dentre eles alguns ficaram famosos e permaneceram anos no ar.

Fez também muitos roteiros para televisão, inclusive para a TV Globo. Criou e dirigiu sua própria agência: a Promark Propaganda e Marketing, desde 1973. Zaé Junior também compôs músicas, sendo que uma delas, gravada pela Odeon, foi o disco mais vendido em 1965.

Sempre esteve na cúpula intelectual das emissoras de televisão e das agências de publicidade em que trabalhou. Em 1961, entrou para a agência McCann Erickson. Lá, veio a oportunidade de supervisionar um horário de telenovelas da TV Excelsior, que apresentou sucessos como “A Deusa Vencida”, escrita por Ivani Ribeiro e dirigida por Walter Avancini. Na época, foi pioneiro em compor trilhas de novelas. Escolheu grandes astros e estrelas, entre eles Regina Duarte que lançou na novela “A Deusa Vencida”.

Ao longo da trajetória, também lecionou na Escola Superior de Propaganda e Marketing, na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e na primeira turma da Escola de Comunicações e Artes da USP.

Ana, a neta dele o descreve como teimoso. “A teimosia dele era uma forma de resistir. Não aceitava a idade que tinha e lutava para continuar sendo independente.”

Zaé também deixou marcas na imprensa brasileira. Escreveu para a extinta revista O Cruzeiro e para alguns jornais. Foi um dos fundadores do Museu da Televisão e autor de quatro livros: o infantil “A Gruta Misteriosa”, o de trovas “O Pássaro Aprendiz”, e dois de poesias: “O Homem e seu Quintal” e “Fugaz Eternidade”. “O homem e seu quintal” recebeu muitos elogios de Vinicius de Moraes, que sobre ele disse: “Zaé é poeta inteiro, dos grandes”.

Zaé Júnior sofria de mal de Alzheimer, mas nunca se entregou à doença. Ele morreu dia 20 de agosto de 2020, de broncopneumonia.

Fontes:
Museu da TV
Folha de São Paulo