segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Fábulas (A Aranha e o Mosquito)


Um mosquito voava despreocupadamente nos ares, quando se sentiu preso na teia da Aranha. Estava a fazer esforços para libertar-se quando a Aranha se aproximou dizendo-lhe com voz ameaçadora:

- Não se mexa tanto assim, cavalheiro, que acabará quebrando as malhas de seda da minha teia.

- Senhora, ajude-me a libertar-me - pediu o mosquito, delicadamente.

- Está aí uma coisa que não posso lhe fazer - declarou a Aranha. O cavalheiro, invade violentamente a minha propriedade e ainda me pede que eu lhe abra a porta para sair!

- Perdão, senhora, não invadi a sua propriedade Eu vinha voando e, quando dei por mim, estava preso a estas malhas. Foi sem querer.

- Não posso acreditar que, sendo o espaço tão vasto ainda mais para um mosquito, o amigo viesse, sem querer, esbarrar na minha casa.

- Palavra de honra de Mosquito. Não tive intenção de ofendê-la. Não me passou pela cabeça o mais vago propósito de invadir a sua propriedade.

E com a voz mais doce desse mundo:

- Agora, que já dei minhas satisfações necessárias, peço à querida amiga que me ajude a voltar à minha liberdade.

A Aranha replicou imediatamente:

- Vontade não me falta, senhor, mas isso é impossível.

- Por quê?

- Cada um de nós preza o seu nome. O mundo está cheio da boa fama das aranhas. Seria um erro eu destruir essa boa fama, depois de a conquistar com tanto sacrifício.

- Não compreendo.

- Eu o farei compreender. No começo do mundo quando construí a primeira casa, os voadores vinham esbarrar nas minhas malhas, quebrando-as, rompendo-as. Para acabar com tal abuso, resolvi que todo aquele que eu apanhasse nos fios de minha rede, na minha rede ficaria para me servir de alimento. A notícia dessa resolução espalhei-a largamente pelos ares. Não houve quem não tivesse conhecimento dela. Apesar disso, de quando em quando, aqui vêm ter mariposas, pirilampos, libélulas e toda a sorte de bichinhos miúdos. Procedo igualmente com todos. Devoro a todos, todos, sem exceção.

E, arrepiando dignamente os pelos veludosos.

- Ora, se eu puser o amigo em liberdade, que se dirá de mim? Dir-se-á que eu não sei fazer justiça. O cavalheiro, decerto, não quererá que eu fique desmoralizada.

Mal acabou de falar, uma abelha, que voava nas proximidades, ficou presa nas malhas da teia. Em seguida, um besouro. Muito depois, um grilo.

- Está vendo? - disse a Aranha ao mosquito. Todos os que estão ficando presos na rede, da rede não mais sairão. A boa justiça é aquela que é igual para todos.

Naquele momento, um gavião vinha voando rumo da teia.

- Se ele não se desviar, é mais uma vítima, murmurou o mosquito penalizado. E o gavião não se desviou. Rompeu os fios, fez um grande rombo nas malhas, passou e foi-se embora.

Quando o mosquito olhou a Aranha, ela estava num cantinho, encolhida, trêmula e assustada.

- Que foi isso, senhora? bradou o prisioneiro. Não viu nada? Não viu o estrago que o gavião fez na sua casa? Que a reduziu a frangalho?

- Não tem importância. Eu a conserto facilmente.

- Mas ele invadiu a sua propriedade. Que justiça é a sua, senhora? Por que não o aprisionou para a sua mesa, como fez comigo, com a abelha, com o grilo, com o besouro? Fale! Fale!

- Quer saber por quê? Porque não gosto de carne de gavião, respondeu a Aranha com ar de pouco caso.

Moral da Estória:
Aos poderosos tudo se desculpa, aos fracos nada se perdoa.


Fonte:
Universo das Fábulas

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