Assinou o contrato com mão trêmula, desenhando mal e mal as letras. Em momentos iguais àquele é que mais lhe pesava a falta de estudo.
Tivesse esquentado por mais tempo os bancos escolares, com certeza, não estaria ali, assinando um contrato que o deixava praticamente condenado a renunciar à vida durante oito dias! Como?! Simples:
Fora contratado para, durante a semana anterior ao Natal, encarnar Papai Noel, ou melhor, transformar-se numa espécie de robô rígido, impedido de qualquer movimento! Imóvel e inexpressivo, com cara e corpo do Bom Velhinho!
Para tanto, durante o expediente, comprometia-se a privar-se de falar, de sorrir, de mexer os olhos, ou um músculo sequer! Precisava lembrar-se de que era" um simples boneco, embora de carne e osso, com pausas mínimas para o absolutamente indispensável. Exigências exorbitantes, mas... por ser de carne e osso, precisava do trabalho, justamente para poder comer, mais osso do que propriamente carne, se fosse o caso!
Chegava a ser cruel negarem-lhe até o direito sagrado de respirar mais fundo, porque, respirar pressupunha movimento e movimento, no caso, seria a mais punível das heresias!
Trabalhar para viver é o certo... mas, poderia isto ser considerado um meio de vida?!
Oito dias de imobilidade total, tinha pela frente! Oito dias roubados ao calendário de um ser vivente, para serem computados ao de um morto-vivo! Ou vivo-morto, como preferissem.
Todas as ponderações foram esquecidas.
No dia imediato à cruel assinatura, lá estava ele travestido de Papai Noel estático, plantado à porta do Shopping, suando em bicas, no cumprimento fiel do compromisso assumido!
A intervalos regulares, era-lhe permitido mudar de posição, com trejeitos mecânicos, robóticos, como qualquer boneco que se prezasse. Pausas abençoadas pelos membros dormentes, apossados por legiões de formiguinhas hipotéticas, que, apesar das periódicas mudanças, não paravam de formigar. Suportava, a duras penas, cócegas e coceirinhas importunas e dava graças a Deus por livrá-lo de um acesso de tosse, ou de um espirro impossível de ser abortado.
Aguentava com galhardia a curiosidade das crianças e dos adultos postados à sua frente, a duvidar se era boneco que parecia gente, ou, gente que parecia boneco. E havia ainda os gaiatos que não poupavam esforços para fazê-lo capitular, empenhados em conseguir um sorriso ou, pelo menos, um ligeiro piscar de olhos, como troféu de vitória.
Estática e estóica, a "estátua" de Papai Noel resistia, noite após noite... dia após dia... envolta num manto de silêncio!
Véspera de Natal! Lá estava ele, fiel ao posto, tendo aos pés a caixa de correspondência transbordante de cartas infantis. Cartas cheias de pedidos inocentes e sonhos mais inocentes ainda.
O relógio da matriz, em carinhoso consolo, anunciava para breve o fim da penosa função. Faltava pouco!
Contava intimamente os segundos. Os últimos, sempre os mais difíceis de passar... mais duros de serem suportados!
O garoto aproximou-se ressabiado. Estacou ante a estátua humana — não de gesso, não de mármore, não de bronze ou outro qualquer metal, mas, de carne e osso. Material mais nobre que outro qualquer material!
Sujo, descalço, roto, protótipo do abandono, o menino examinou de alto a baixo, a figura do Pai Noel estático. Olhou em volta a constatar que ninguém o observava. Achegou-se mais e arriscou, num sussurro:— "Papai Noel, eu me chamo Landinho. Não escrevi carta nenhuma porque... porque não sei escrever direito." Olhou novamente ao redor, mais ressabiado ainda, sem querer ser ouvido. Sem ver ninguém por perto, encorajou-se: — "Sabe, Pai Noel, eu nunca tive brinquedo nenhum... nunca! E nunca pedi nada pra mim... nunca mesmo! Mas... sabe, eu não queria que o meu irmão pequeno, passasse o Natal triste... Me arranja um brinquedo. Pai Noel, por favor... qualquer coisinha serve! E eu sei que ele vai ficar contente! O senhor nunca chegou até minha casa, lá no morro, porque era muito difícil chegar lá! Eu sei! Num tô me queixando, não! Mas, agora é mais fácil. Nós moramos ali... ali debaixo daquela ponte grande. Vai, lá Pai Noel... vai lá... por favor!!!"
Duas lágrimas brincavam de turvar as pupilas daquele Pai Noel que, estático, apenas ouvia... Saltando barreiras, elas desceram, mansamente, a iluminar as bochechas do Bom Velhinho, até se aninharem nas barbas brancas e macias.
E... aquele homem impedido de mover-se... Aquele homem que não podia sorrir e sequer piscar os olhos,deixou que o pranto rolasse livre, afinal, sem mover um músculo sequer!...
— É que nenhum contrato, por mais cruel que fosse... lhe proibira de chorar!...
Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.
Tivesse esquentado por mais tempo os bancos escolares, com certeza, não estaria ali, assinando um contrato que o deixava praticamente condenado a renunciar à vida durante oito dias! Como?! Simples:
Fora contratado para, durante a semana anterior ao Natal, encarnar Papai Noel, ou melhor, transformar-se numa espécie de robô rígido, impedido de qualquer movimento! Imóvel e inexpressivo, com cara e corpo do Bom Velhinho!
Para tanto, durante o expediente, comprometia-se a privar-se de falar, de sorrir, de mexer os olhos, ou um músculo sequer! Precisava lembrar-se de que era" um simples boneco, embora de carne e osso, com pausas mínimas para o absolutamente indispensável. Exigências exorbitantes, mas... por ser de carne e osso, precisava do trabalho, justamente para poder comer, mais osso do que propriamente carne, se fosse o caso!
Chegava a ser cruel negarem-lhe até o direito sagrado de respirar mais fundo, porque, respirar pressupunha movimento e movimento, no caso, seria a mais punível das heresias!
Trabalhar para viver é o certo... mas, poderia isto ser considerado um meio de vida?!
Oito dias de imobilidade total, tinha pela frente! Oito dias roubados ao calendário de um ser vivente, para serem computados ao de um morto-vivo! Ou vivo-morto, como preferissem.
Todas as ponderações foram esquecidas.
No dia imediato à cruel assinatura, lá estava ele travestido de Papai Noel estático, plantado à porta do Shopping, suando em bicas, no cumprimento fiel do compromisso assumido!
A intervalos regulares, era-lhe permitido mudar de posição, com trejeitos mecânicos, robóticos, como qualquer boneco que se prezasse. Pausas abençoadas pelos membros dormentes, apossados por legiões de formiguinhas hipotéticas, que, apesar das periódicas mudanças, não paravam de formigar. Suportava, a duras penas, cócegas e coceirinhas importunas e dava graças a Deus por livrá-lo de um acesso de tosse, ou de um espirro impossível de ser abortado.
Aguentava com galhardia a curiosidade das crianças e dos adultos postados à sua frente, a duvidar se era boneco que parecia gente, ou, gente que parecia boneco. E havia ainda os gaiatos que não poupavam esforços para fazê-lo capitular, empenhados em conseguir um sorriso ou, pelo menos, um ligeiro piscar de olhos, como troféu de vitória.
Estática e estóica, a "estátua" de Papai Noel resistia, noite após noite... dia após dia... envolta num manto de silêncio!
Véspera de Natal! Lá estava ele, fiel ao posto, tendo aos pés a caixa de correspondência transbordante de cartas infantis. Cartas cheias de pedidos inocentes e sonhos mais inocentes ainda.
O relógio da matriz, em carinhoso consolo, anunciava para breve o fim da penosa função. Faltava pouco!
Contava intimamente os segundos. Os últimos, sempre os mais difíceis de passar... mais duros de serem suportados!
O garoto aproximou-se ressabiado. Estacou ante a estátua humana — não de gesso, não de mármore, não de bronze ou outro qualquer metal, mas, de carne e osso. Material mais nobre que outro qualquer material!
Sujo, descalço, roto, protótipo do abandono, o menino examinou de alto a baixo, a figura do Pai Noel estático. Olhou em volta a constatar que ninguém o observava. Achegou-se mais e arriscou, num sussurro:— "Papai Noel, eu me chamo Landinho. Não escrevi carta nenhuma porque... porque não sei escrever direito." Olhou novamente ao redor, mais ressabiado ainda, sem querer ser ouvido. Sem ver ninguém por perto, encorajou-se: — "Sabe, Pai Noel, eu nunca tive brinquedo nenhum... nunca! E nunca pedi nada pra mim... nunca mesmo! Mas... sabe, eu não queria que o meu irmão pequeno, passasse o Natal triste... Me arranja um brinquedo. Pai Noel, por favor... qualquer coisinha serve! E eu sei que ele vai ficar contente! O senhor nunca chegou até minha casa, lá no morro, porque era muito difícil chegar lá! Eu sei! Num tô me queixando, não! Mas, agora é mais fácil. Nós moramos ali... ali debaixo daquela ponte grande. Vai, lá Pai Noel... vai lá... por favor!!!"
Duas lágrimas brincavam de turvar as pupilas daquele Pai Noel que, estático, apenas ouvia... Saltando barreiras, elas desceram, mansamente, a iluminar as bochechas do Bom Velhinho, até se aninharem nas barbas brancas e macias.
E... aquele homem impedido de mover-se... Aquele homem que não podia sorrir e sequer piscar os olhos,deixou que o pranto rolasse livre, afinal, sem mover um músculo sequer!...
— É que nenhum contrato, por mais cruel que fosse... lhe proibira de chorar!...
Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.
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