sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Leon Eliachar (Um Nome Qualquer)


Encontraram-se depois de mais de dez anos:

— Afonso!

— Hermenegildo!

Abraçaram-se três vezes seguidas, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:

— Lembra-se do Rogério?

— Lembro.

— Morreu a semana passada.

— Coitado.

Conversaram a mesma conversa que conversam os que não se veem há muito tempo:

— Que tens feito?

— Lutando. E você?

— Levando a vida.

Quando deram por si, estavam tomando cafezinho em pé, como fazem sempre os que não se veem há muito tempo:

— Você está mais gordo.

— E você, mais magro.

Foram andando, parando, relembrando incidentes pitorescos, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:

— E aquele mergulho no rio, atrás do internato, lembra-se?

— Se me lembro, quase você morre afogado.

— E foi você quem me salvou, nunca esqueci.

Pararam num ponto de ônibus pra se despedir, ficaram batendo papo mais de meia hora, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:

— Você casou?

— Casei. E você?

— Mais ou menos. Estou com uma zinha aí mas ela é casada.

— Você nunca quis nada com o casamento, hein, malandro?

— Com essa até que eu casava.

— Como ela é?

— Baixotinha, gordota, tem um sinalzinho no rosto, mas eu gosto dela assim mesmo.

Afonso ficou apreensivo:

— Como é o nome dela?

— Cláudia.

Afonso ficou mais curioso:

— Ela tem filhos?

— Dois. Um menino de quatro e uma menina de três.

Afonso só faltou pedir o retrato pra ver, mas não teve coragem. Apressou a despedida:

— Bem, tenho de ir andando, estou atrasadíssimo.

Tomou o ônibus, foi direto para casa. No caminho, foi pensando: “Cláudia… dois filhos… um menino de quatro… uma menina de três… baixotinha… gordota… um sinalzinho no rosto…” era muita coincidência. Quando entrou em casa, só faltou arrancar a porta. Lá estava a mulher no meio da sala, com os dois filhos, baixotinha, gordota, com um sorriso na cara deste tamanho:

— Chegou cedo hoje, hein, Afonso?

Ele estava tremendo de ponta a ponta, quando perguntou:

— Diz depressa o nome de um homem.

— Como?

— Depressa, diz um nome de homem. Um nome qualquer.

Ela nem teve tempo de pensar:

— Hermenegildo.

Ele chegou a cambalear, foi preciso segurar no vão da porta:

— Quem diria, hein?

Sua mulher não entendia nada:

— Mas o que foi, Afonso? Está sentindo alguma coisa?

Ele foi categórico:

— Estou sim.

— Está sentindo o quê?

Ele arreganhou os dentes:

— Estou sentindo ódio de mim mesmo, por ter salvo aquele desgraçado. Devia ter deixado ele morrer afogado.

Cláudia caiu de bruços e como caiu, ficou, inteiramente desacordada.

O médico disse que era normal.

Estava esperando o terceiro filho.

Fonte:
Leon Eliachar. A mulher em flagrante. Publicado em 1965.

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